Depois de, no último episódio, falarmos sobre a mulher e o homem que renascem no momento em que são pais, neste sexto episódio da rubrica Bem Me Quer by Barral falamos sobre o pai e a mãe que nascem no momento em que descobrem que vão ter um bebé. Para tal, contamos com a presença habitual da psicóloga Tânia Correia.
"A partir do momento em que existe uma gravidez, seja ela de quantas semanas for, podemos considerar que, aí, nascem os pais."
"A partir do momento em que existe uma gravidez, seja ela de quantas semanas for, podemos considerar que, aí, nascem os pais, independentemente do desfecho que venha a ter a gravidez", começou por esclarecer a psicóloga, lembrando que só quando nasce o bebé e os pais o levam para casa é que "há o cair da ficha", porque "voltamos àquela que era a nossa realidade, com as tarefas que já tínhamos antes, eventualmente com filhos mais velhos, e, agora, com um bebé nos braços. É aí que se dá a imersão no real e percebemos que estamos mesmo a nascer enquanto pais."
"Sinto que muitas pessoas visitam os pais para verem como é que está fisicamente a mãe, se já recuperou ou não, se está a dar conta da casa..."
É também nessa altura que os pais mais precisam de ter uma rede atenta e disponível, que lhes ofereça o apoio prático e emocional de que necessitam.
"Sinto que muitas pessoas visitam os pais [no pós-parto] na ótica de visitar quase exclusivamente o bebé ou, nalguns casos mais infelizes, visitam para verem como é que está fisicamente a mãe, se já recuperou ou não, se está a dar conta da casa... E os pais não precisam disso, nem de visitas, nem de ter de 'fazer sala'. Os pais estão cansados, precisam efetivamente de apoio prático e de apoio emocional. Que lhes levem refeições, que lhes façam as compras... a parte logística. Todo o apoio que liberta carga física e mental dos pais e os deixa mais disponíveis para estarem com o bebé é muito bem-vindo. Às vezes, nós, pais, queremos muito estar com o bebé, mas sem a preocupação de que devíamos estar a estender a roupa ou a por a máquina a lavar", explicou Tânia Correia.
"É importante olharmos para os pais como sendo recém-nascidos, porque eles precisam do mesmo colo, do mesmo apoio e da mesma proteção, já que tudo é novo para eles."
Nesta fase, não nos podemos esquecer ainda de que não é só bebé que precisa de colo. Os pais, que acabaram de nascer, também precisam.
"O apoio emocional ainda é o que falta mais. É preciso garantirmos que os pais sabem que estão a dar o seu melhor, que estão empenhados e que isso é suficiente. Precisam de palavras de afirmação e de empatia. O bebé que nasceu é frágil, está vulnerável, está a aprender as regras deste mundo, a adaptar-se a uma série de sons e cheiros, porque tudo é novo para ele. Para os pais, tudo é igualmente novidade, mesmo quando são pais pela segunda ou terceira vez. É por isso que é importante olharmos para os pais como sendo recém-nascidos, porque eles precisam do mesmo colo, do mesmo apoio e da mesma proteção, já que tudo é novo para eles", frisou.
"As mulheres estavam no centro das atenções e, de repente, são completamente invisíveis, já não existem, já ninguém quer saber delas, justamente numa fase em que estão a redescobrir-se."
Ainda sobre as visitas nos pós-parto, há vários cuidados que devem ser tidos em conta - que vão muito além do simples lavar e desinfetar as mãos -, nomeadamente não nos esquecermos de que os pais existem: "Para as mulheres, isto pode até, nalguns casos, ser um tema delicado, porque saíram de um estado em que estavam no centro das atenções e, de repente, são completamente invisíveis, já não existem, já ninguém quer saber delas, justamente numa fase em que estão a redescobrir-se, a descobrir o seu valor, quem são..."
"A criança mais velha vai sentir que, de repente, alguém surgiu e ocupa a disponibilidade dos pais e pode sentir que, aos olhos das outras pessoas, deixou de existir ou perdeu o lugar."
No caso de existirem filhos mais velhos, as visitas também devem ter cuidados redobrados, tais como cumprimentar primeiro a criança mais velha, levá-la a passear, ir a casa brincar com ela, ou, simplesmente, ajudar os pais a conseguirem ter mais tempo para dedicar à criança.
"O bebé ainda não tem noção de que não foi cumprimentado em primeiro lugar. Já a criança mais velha vai reparar, vai sentir que, de repente, alguém surgiu e ocupa a disponibilidade dos pais. A criança mais velha pode sentir que, aos olhos das outras pessoas, deixou de existir ou perdeu o lugar. Nós precisamos de lhe dar a afirmação externa de que continua a ter a mesma importância que sempre teve. Às vezes, há alterações de comportamento na criança e são fruto disso. A criança deixa de se sentir especial, pensa que já não tem um lugar, e isso leva-a a desregular-se, a gritar, a fazer birra. Quanto mais a fizermos sentir-se amada e acarinhada, menor a probabilidade de ela se desregular", sublinhou Tânia Correia.
"Continua a haver pessoas que 'arrancam' os bebés do colo dos pais, sem perguntarem primeiro aos pais e partindo do pressuposto de que o bebé é um ser sem vontades nem necessidades."
Outra recomendação a ser tida em conta é ouvir mais os pais: "Podemos perguntar como é que eles fazem e como podemos fazer para eles ficarem confortáveis. Perguntar, em vez de deduzir ou de estar a impor o que eu acho que deve ser a visão e as necessidades dos pais, perguntar de que é que precisam. O mesmo em relação ao contacto físico com o bebé. Continua a haver pessoas que 'arrancam' os bebés do colo dos pais, sem perguntarem primeiro aos pais e partindo do pressuposto de que o bebé é um ser sem vontades nem necessidades. Devemos ter o cuidado de perceber se os pais se sentem confortáveis e se o bebé dá sinais de que reage bem."
"Podemos fazer uma triagem até bastante precoce de situações como uma depressão pós-parto. Cada mês que passa em que a depressão pós-parto não é identificada significa que vamos precisar de muitos mais meses para a tratar."
Também a rede de apoio deve estar atenta aos sinais para perceber se os pais estão bem a nível emocional.
"Contrariamente a alguns países, em que os pais recebem visitas de pessoal da área da saúde, que avaliam e são o termómetro emocional dos pais, em Portugal não temos esse género de práticas. Os pais, muitas vezes, não vão ser capazes de reconhecer sozinhos o que se passa, por isso, precisamos que seja a rede de apoio a estar atenta, a perguntar à pessoa como é que esta se sente... A partir daí, podemos fazer uma triagem até bastante precoce de situações como uma depressão pós-parto. Cada mês que passa em que a depressão pós-parto não é identificada significa que vamos precisar de muitos mais meses para a tratar", referiu a psicóloga.
"A maioria das mães tem baby blues. É uma fase que as pessoas costumam descrever como uma névoa."
A propósito da depressão pós-parto, não podemos deixar de falar também sobre os tão temidos baby blues.
"Às vezes, as pessoas misturam estes dois conceitos: depressão pós parto e baby blues. Os baby blues afetam entre 60 a 80% das mulheres. É uma taxa muito elevada, a maioria das mães tem baby blues. Têm um início muito repentino, são derivados de um desequilíbrio hormonal devido ao parto, duram mais ou menos duas semanas e desaparecem quase de um dia para o outro. Caracterizam-se por choro frequente, alguma apatia, alterações de apetite... É uma fase que as pessoas costumam descrever como uma névoa", relatou Tânia Correia, antes de enumerar as diferenças entre os dois conceitos.
"A depressão pós-parto pode surgir até 18 meses depois do parto e tem impacto na minha capacidade de cuidar do bebé."
"No caso da depressão pós-parto, as taxas são menores: 10 a 15%. Pode surgir até 18 meses depois do parto e tem impacto na minha capacidade de cuidar do bebé. Nos baby blues, pode haver maior irritabilidade e choro frequente, mas eu consigo prestar cuidados ao bebé. A depressão pós-parto já começa a impactar em pequenas tarefas do quotidiano. Temos uma voz muito forte que nos diz: 'O teu bebé era mais feliz se não estivesses com ele.' Há casos que acabam da pior forma, com o homicídio da mãe e/ou dos bebés, porque esta voz, muitas vezes, convence as mães de que já danificaram tanto aquele bebé que a única forma de os libertar das dores é haver ali alguma ação em relação a elas e a eles", lamentou.
"A depressão pós-parto precisa de deixar de ser um assunto da mulher. Não podemos continuar a culpar a mulher. Por detrás de muitas depressões pós-parto estão, também, companheiros que não estão a assumir o seu papel, que não estão a fazer o papel de pais."
É também por isso que é tão importante, mais uma vez, a rede de apoio: "Uma rede forte leva a uma diminuição da probabilidade de depressão pós-parto, assim como uma rede débil leva a um aumento da probabilidade de depressão pós parto. A depressão pós-parto precisa de deixar de ser um assunto da mulher. Não podemos continuar a culpar a mulher e a questionar: 'Como é que ela chegou a este ponto? Que estranho...' Devemos perguntar-nos: 'Como é que permitimos que isto escalasse? Onde é que nós estávamos?' Não é atribuir culpas, é gerar a consciência de que eu, rede de apoio, posso ter um papel determinante. Por detrás de muitas depressões pós-parto estão, também, companheiros que não estão a assumir o seu papel, que não estão a fazer o papel de pais. Temos uma mulher com uma sobrecarga enorme de tarefas práticas e de carga mental que a leva a este ponto."
"Como é que vou dizer a alguém que este bebé que eu quis tanto, com o qual sonhei tanto, com o qual me sentia conectada quando o tinha na barriga, nasceu e eu não estou a gostar dele como é suposto?"
A maneira como nos preparamos para o pós-parto também é importante para que essa fase possa ser mais harmoniosa e fará toda a diferença.
"Devemos ter consciência de que o amor não tem que nascer no parto. Faço muitos acompanhamentos que começam porque as pessoas pensam: 'Como é que vou dizer a alguém que este bebé que eu quis tanto, com o qual sonhei tanto, com o qual me sentia conectada quando o tinha na barriga, nasceu e eu não estou a gostar dele como é suposto?'. É importante termos a possibilidade de perceber que alguém também sente o mesmo que nós sentimos e que é muito comum precisarmos de tempo para construir este amor. É importante irmos com esta expetativa ajustada de que o amor pode, ou não, nascer no parto, e isso ficar em aberto, tal como outras decisões que vamos ter de tomar futuramente. Não irmos com ideias muito trancadas, porque ainda não conhecemos o bebé, ainda não sabemos o que resulta para ele, não sabemos o que resulta para nós e para o nosso companheiro no pós-parto com o desgaste. Quando chegar o momento, juntos, vamos ver se aquilo que idealizamos é possível de concretizar ou não. Isto faz toda a diferença, porque, quando vamos com expetativas muito rígidas, a querermos que a nossa realidade caiba ali, e percebemos que não resulta, já nos desgastámos e vamos ter de desfazer a expetativa toda para começar a construir. Se formos mais livres para a experiência, é só construir a partir dali", afirmou a psicóloga.
"Os primeiros tempos em casa com um bebé são muito duros, são mesmo uma prova de fogo. A maior parte dos pais diz nunca ter passado por algo tão intenso."
Tânia Correia alertou, ainda, para a importância de as pessoas falarem abertamente e contribuírem para ajudar a desmistificar estes temas: "Se tivermos cada vez mais pessoas que falam abertamente sobre o que é estar em casa com um bebé, isso vai ajudar, porque, às vezes, idealizamos uma coisa que não corresponde à realidade. Os primeiros tempos em casa com um bebé são muito duros, são mesmo uma prova de fogo. A maior parte dos pais diz nunca ter passado por algo tão intenso. Estamos dentro de casa, mas a sensação é de que nos atiraram para um terreno, longe de tudo o que conhecemos. É importante eu saber que não sou eu que não estou a saber gerir o meu pós-parto."
"Estamos a criar uma vida, estamos a permitir que este bebé saiba que é amado - e esta sensação de que é amado vai acompanhá-lo para toda a vida, se ele a receber agora."
"Quando nos tornamos pais, dizem-nos: 'A partir de agora, nunca mais vais sentir-te sozinho. É um amor e uma companhia para a vida toda.' Mas, nos primeiros meses, tu estás com um bebé, falas com ele e ele não dá grande resposta. E, aí, sentes-te muito sozinha, sentes falta de um adulto para teres uma conversa, de alguém que fale contigo e te ponha a pensar sobre os teus objetivos. Mas o que tens é uma solidão muito grande, uma rotina em que acabas o dia e sentes que o dia seguinte vai ser igual, e tu nem conseguiste comer, nem tomar um banho e tens tudo por fazer em casa. Muitas vezes, nos acompanhamentos, as pessoas dizem que não fizeram nada o dia todo. Isto é mesmo uma grande mentira da qual nos convenceram e da qual nos convencemos. Cuidar de um bebé exige uma grande dedicação. Nós estamos com o futuro nas nossas mãos todos os dias e sabemos que esta primeira fase de vida é importantíssima para o que vem a seguir. Portanto, ainda que possamos não conseguir tratar da casa como dantes, estamos a criar uma vida, estamos a permitir que este bebé saiba que é amado - e esta sensação de que é amado vai acompanhá-lo para toda a vida, se ele a receber agora. Assim como a sensação de, que quando chora, há alguém disponível para o acolher. Ele vai crescer com esta sensação de que merece ser acolhido quando está menos bem. Portanto, nós estamos a dar todas estas bases a este bebé. O tempo de contacto com um filho não é assim tão grande. O número de horas vai sempre diminuir na adolescência e na fase adulta. E, aí, vamos ter tempo para limpar a casa. Agora, o que estamos a fazer é a assegurar o melhor para esta vida! E isso é fazer muito!"
Por último, mas não menos importante, a psicóloga reforçou a importância de procurar acompanhamento psicológico sempre que necessário, apesar de o caminho nem sempre ser fácil: "O nosso Sistema ainda não está muito preparado para este género de situações de saúde mental na maternidade. É como se fosse uma 'terra de ninguém' e precisa de deixar de o ser. Precisamos de ter os profissionais de saúde todos atentos e de criar uma rede que atua."
Não perca o próximo episódio da rubrica Bem Me Quer by Barral, no qual falaremos sobre o reencontro com a nossa criança interior e o impacto que a nossa infância continua a ter em nós.
Tânia Correia | Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência | OPP: 24317