Bem Me Quer by Barral: "Carga mental, o inimigo invisível de que ninguém fala" - episódio 12

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Na rubrica Bem Me Quer by Barral, estamos à conversa com a psicóloga Tânia Correia sobre os vários temas da maternidade, parentalidade e saúde mental de pais e filhos. Neste projeto, contamos, ainda, com o apoio da Barral, um parceiro que se preocupa, acima de tudo, com o bem-estar das famílias.

Depois de, no episódio anterior, termos abordado as emoções e a forma como as podemos usar na construção da ligação com os nossos filhos, neste 12.º e último episódio da primeira temporada da rubrica Bem Me Quer by Barral falamos sobre carga mental. Para tal, contamos com a presença habitual da psicóloga Tânia Correia.

 

"A carga mental é todo o trabalho de bastidores, invisível, que não é palpável, que não é concreto, mas que é uma espécie de roda que mantém tudo a andar. Há uma roda viva dentro de nós a trabalhar."

 

A sensação pode ser familiar para todos, mas nem toda a gente está familiarizada com o termo "carga mental", que é, no fundo, a gestão invisível das tarefas que temos de cumprir diariamente.

"A carga mental é todo o trabalho de bastidores, invisível, que não é palpável, que não é concreto, mas que é uma espécie de roda que mantém tudo a andar. É através desta roda nos bastidores que tudo flui no dia a dia. Quem é a pessoa que tem de pensar quando é que são as vacinas, que marca antecipadamente as consultas, que faz a lista de compras, que pensa nos materiais que são precisos para a escola, que não se pode esquecer de comprar o creme para o bebé? Quem é a pessoa que põe tudo isto na sua lista mental de coisas que tem para fazer? A carga mental é todo este trabalho que, infelizmente, como não é concreto, muitas vezes passa despercebido aos olhos de quem está à volta ou da própria pessoa: 'Eu hoje não fiz tanto' ou 'Por que é que estás cansada? Não foi assim tão pesado. Hoje, não fizeste assim tanta coisa!' A verdade é que há aqui uma roda viva dentro de nós a trabalhar", começou por alertar a psicóloga Tânia Correia.

 

"É geralmente a mulher que, sozinha, carrega todo este peso diário de estar constantemente a antecipar necessidades, a planear e, por vezes, a concretizar."

 

Acresce a esta questão o facto de a carga mental nem sempre ser partilhada: "Infelizmente, é um facto. Estamos muito longe do que seria saudável. É geralmente a mulher que, sozinha, carrega todo este peso diário de estar constantemente a antecipar. É um trabalho de antecipação de necessidades, de planeamento e, por vezes, de concretização."

 

"Aliviar a carga não é termos alguém que nos diz: 'Se disseres, eu faço!'"

 

E é precisamente na concretização que surgem muitos dos problemas, porque é muito comum ouvirmos dizer do outro lado coisas como: "Basta tu pedires ajuda!"; "Se precisares, basta dizeres" ou "É só dizeres que eu faço!"

"O trabalho maior, que é fazer o planeamento de tudo, continua a ter de ser feito pela mulher, logo, não há assim um aliviar do peso tão significativo. Não basta oferecerem-se para fazer as compras, quando nós já tivemos de fazer a lista com base no planeamento das refeições que vamos fazer. Não basta oferecerem-se para comprar a roupa dos miúdos, quando nós é que tivemos de ver que a roupa já não estava a servir e que definimos quantos conjuntos precisamos de comprar. Todo este trabalho é muito intenso. Aliviar a carga não é termos alguém que nos diz: 'Se disseres, eu faço!'", frisou Tânia Correia.

Neste contexto, surgem, depois, diferentes cenários, como explicou a psicóloga: "Um cenário em que nós estamos com a carga, tentamos constantemente delegar e envolver o outro, mas podemos ter do outro lado alguém que, efetivamente, não está interessado e não quer aceitar. Ou podemos ter outra situação que é: a outra parte até tenta, até se interessa, até se quer envolver, mas eu estou constantemente a limitá-la, a retificá-la: 'Assim, não!'; 'Faz assim!' Isto passa a mensagem à outra pessoa de que eu, efetivamente, não quero o envolvimento dela. E isso vai desmotivá-la, porque ela vai sentir que não é verdadeiramente capaz."

Paralelamente, está ainda muito enraizada a ideia de que o outro apoia ou ajuda: "Isto é uma forma de perpetuar a carga mental: 'Eu é que sou responsável. Depois, há aqui alguém que faz o especial favor, que ajuda' ou 'Isto é responsabilidade dela e eu vou ajudar, aliviando…' Enquanto isto se perpetua, há alguém que acredita que a carga é sua e que o outro pode ainda não querer aceitar."

 

"Nós temos ainda uma geração de homens muito marcada por esta imagem do pai que ia para o café ou que ficava na garagem a tratar dos carros e a fazer coisas do seu interesse, enquanto a mãe estava em casa numa azáfama entre dar assistência a um filho que queria qualquer coisa e ir estender a roupa e ir fazer o jantar."

 

Pode acontecer, ainda, a pessoa não estar preparada para receber o envolvimento dos outros na sua vida. E isto pode acontecer por várias razões.

 

"Posso ter crescido numa família sem estar verdadeiramente integrado, sem ter alguém que fizesse parte deste processo comigo. E, agora, na relação adulta, quando há um parceiro que quer ocupar esse lugar, eu não sei o que é isso. Ou posso ter crescido com um pai que não estava envolvido e, agora, quando há um companheiro que tenta envolver-se, eu não sei bem definir os moldes desse papel: 'O que é que faz esta pessoa que se envolve? E o que é que isso significa para mim enquanto mulher?' Isto porque eu sempre vi a minha mãe a cumprir estas tarefas e desta maneira. Se, agora, existe esta figura paterna, eu tenho de construir um papel do zero e tenho de redefinir o papel da mulher. E isto pode ser muito confuso, se eu não estiver consciente, porque eu não vou saber encaixar isto", alertou Tânia Correia.

O próprio homem, por ter crescido em moldes semelhantes, também pode não saber como ocupar o seu lugar: "Porque nunca viu o pai desempenhar esse papel. Nós temos ainda uma geração de homens muito marcada por esta imagem do pai que ia para o café ou que ficava na garagem a tratar dos carros e a fazer coisas do seu interesse, enquanto a mãe estava em casa numa azáfama entre dar assistência a um filho que queria qualquer coisa e ir estender a roupa e ir fazer o jantar. Portanto, o próprio homem, ao estar agora em casa e ao não ir para o café ou para a garagem, fica sem saber bem onde é que se pode encaixar."

Voltando às mulheres, existem também as crenças de que estamos completamente sozinhas: "E quando eu sinto que estou sozinha, eu não vou dar espaço para o outro entrar - e nem reparo que essa é uma forma de estas crenças se perpetuarem."

 

"Temos uma pessoa que está completamente sobrecarregada e que tantas vezes é apelidada de 'chata'. As mulheres não ficam chatas quando se tornam mães. O que se passa é que há muitas mulheres que estão numa espécie de solidão acompanhada, que têm alguém ao lado, mas que não há conexão."

 

A necessidade de controlo também é um fator bastante comum, como detalhou a psicóloga: "Basta eu ter crescido num ambiente em que não me diziam o que íamos fazer ou o que ia acontecer ao certo, em que eu andava sempre a tentar ler pistas, para eu crescer com uma necessidade de controlo maior. Na idade adulta, quando o meu companheiro quiser libertar-me do controlo, eu não vou querer: 'Tem de ser assim, porque senão eu perco o controlo e eu não quero voltar a sentir aquela impotência que já senti, aquele caos de que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento.'"

 

"Aliviar a carga é sentido, muitas vezes, como uma prova de amor."

 

Neste sentido, Tânia Correia deixou um conselho a quem nos está a ler, ouvir e/ou ver: "Dentro das vossas dinâmicas familiares, párem e procurem analisar o que se pode estar a passar e a ativar para levar a este desfecho em que temos uma pessoa que está completamente sobrecarregada e que tantas vezes é apelidada de 'chata': 'Desde que foste mãe, ficaste chata!' E porquê? Porque as crianças envolvem um planeamento muito superior ao planeamento de quando somos só dois. Com miúdos, é importante haver alguma flexibilidade, mas nós sabemos que não é igual. Quando a mulher começa nesta atividade do planeamento e da antecipação e do outro lado não tem alguém envolvido, ela vai começar a dar mais sinais do desconforto, da sobrecarga, do desgaste, da solidão que muitas vezes sente… e mais zangada se vai mostrar, porque não vai mostrar a parte da desilusão que sente ou da expetativa que não foi cumprida e que era justa. Se isto não existir na forma como eu me expresso, o outro lado também vai ter dificuldade em perceber exatamente o que é que se está a passar e, por isso, vamos ter dificuldade em conseguir alinhar-nos. E eu, enquanto mulher, vou passar muitas vezes essa imagem de que fiquei 'chata'. E, não, as mulheres não ficam chatas quando se tornam mães. O que se passa é que há muitas mulheres que estão numa espécie de solidão acompanhada, em que têm alguém ao lado, mas que não há conexão, porque não há partilha, não veem interesse em relação ao bem-estar da família e da criança. Muitas de nós cresceram a ver os pais com relações de casal tão pouco conectadas, com tão pouca conexão, que, depois, isso contamina as relações familiares que nós temos hoje em dia, em que não há um trabalho de equipa em que eu sinta que o outro me vê, que me escuta, que quer saber do bem-estar das crianças, que se preocupa comigo, que me vê como uma prioridade. Aliviar a carga é sentido, muitas vezes, como uma prova de amor. Esta pessoa quer saber de mim, quer que eu me sinta mais leve. E isto é importante para a relação."

 

"Muitas de nós cresceram a ver os pais com relações de casal tão pouco conectadas, com tão pouca conexão, que, depois, isso contamina as relações familiares que nós temos hoje em dia."

 

"'Eu via a minha mãe fazer isto e a minha mãe aguentava.' Muitas de nós têm esta imagem e querem corresponder a esta imagem. 'Se a minha mãe aguentava, por que é que eu não estou a conseguir?' Muitas mulheres direcionam isto para si: 'Eu é que tenho um problema na gestão da dinâmica familiar. 'A minha mãe também não tinha o apoio do meu pai e conseguia! Portanto, eu também tenho de conseguir fazer isto, eu tenho é que dar mais.' E é assim que as mulheres se desgastam até chegarem muitas vezes a um ponto completamente limite, em que são apelidadas de 'chatas', em que estão completamente desconectadas do parceiro, em que já não têm tempo para estar com amigas, em que já não fazem nada em termos de autocuidado. Não há tempo, mas também já não há vontade. A mulher começa a ver-se nesta ótica de provedora, de pessoa que está a servir os outros, que carrega a carga. Muitas de nós viram as mães a conseguirem ter uma função através desta carga de trabalhos: 'Eu faço isto, isto e isto. É isto que me dá valor. É a minha identidade enquanto pessoa.' As nossas mães estavam sempre ocupadas e nunca se cansavam. O valor das nossas mães não era tanto pela essência, mas, sim, pelo que elas conseguiam produzir em termos de tarefas. Quanto mais conseguissem, mais merecedoras de amor elas achavam que eram. Hoje em dia, quando nós sentimos que não estamos a ter uma série de funções, podemos ter este medo: 'Se eu não servir para isto tudo, fico aquém da minha mãe e não quero, e, depois, parece que perco o meu valor enquanto mulher. O único motivo para gostarem de mim não é pela minha essência. Eu só vou ser amada ou só tenho motivos para ser amada se eu tiver uma função. Se eu perco a função, para que é que eu sirvo ao certo? Por que é que vão gostar de mim? Não há razões para gostarem. A essência não interessa!' E isto faz com que eu vá arrastando a situação: 'Vejam, eu faço, eu tenho valor, eu mereço ser amada, eu consegui fazer isto tudo, estou aqui a dar-vos provas.' E, por vezes, nós não estamos ainda muito abertas e capazes de abrir mão disso e de ter a consciência para dizer: 'Eu não quero ser amada por estes motivos. Além de que isto não é verdadeiramente ser amada. Isto é gostarem de mim pela minha utilidade. Quando isto se desconstrói, eu percebo que este não é o meu caminho do amor, esta não é a minha linguagem do amor, eu não quero continuar a ter esta pressão em cima, eu quero ser amada por quem sou, sem ter que fazer nada. Quando tiramos este peso às pessoas, a tendência é para que a carga mental comece a ser muito mais partilhada ou, se não é partilhada, poderá haver aqui algum tipo de decisão de vida, porque, se calhar, esta relação não me dá aquilo de que eu preciso e eu não quero continuar presa a isto", frisou a psicóloga.

 

"Se a minha mãe aguentava, por que é que eu não estou a conseguir? Eu é que tenho um problema na gestão da dinâmica familiar. A minha mãe também não tinha o apoio do meu pai e conseguia! Portanto, eu também tenho de conseguir."

 

Acreditar que as crianças não se apercebem deste desequilíbrio na dinâmica familiar é ilusório, como evidenciou Tânia Correia: "Muitas vezes, nós temos a ideia de que isto é um tema entre adultos e que os miúdos nem reparam, mas não é verdade. Eu acompanho muitos adultos que me dizem que, hoje em dia, sentem alguma zanga em relação às mães por terem crescido a ver isto acontecer. E isto não serve para culpar quem nos está a ver ou a ouvir nem para gerar algum tipo de sentimento de culpa: 'O que é que eu estou a fazer aos meus filhos?!' Não. É para gerar consciência, dar esta informação e sensibilizar: os miúdos não ficam propriamente gratos por as mães terem passado por isto. Eles sentem alguma pena por elas terem vivido uma vida assim tão desconectada e/ou sentem alguma zanga porque se sentem presos a uma situação idêntica, uma vez que os pais não lhes mostraram que isto podia ser feito de maneira diferente."

 

"Muitos adultos sentem alguma zanga em relação às mães por terem crescido a ver isto acontecer."

 

Acima de tudo, porque a carga mental nos retira tempo e disponibilidade para estarmos com os nosso filhos: "Um pai ou uma mãe que estão completamente sobrecarregados não estão tão disponíveis para a relação, para a interação, para as emoções... Não há o mesmo nível de disponibilidade. A própria relação do casal, em geral, não vai ser tão feliz, tão profunda nem com tanta cumplicidade. E as crianças vão sentir este modelo e vão sentir que não têm o pai ou a mãe tão disponíveis para se entregar. Acresce ainda o facto de que tendemos a descarregar mais nas crianças quando estamos em sobrecarga. 'Sinto que já disse abertamente ou já dei sinais ao meu parceiro de que estou muito sobrecarregada e de que não estou a aguentar, mas dali não consigo nenhuma resposta nem nenhuma mudança. E tenho aqui uma zanga a crescer, a montar-se e a construir-se… e eu preciso de canalizar isto para algum lado.' O que acontece, por vezes, é descarregar na criança, porque sei que não vou perder o amor dela e tenho uma margem maior para expressar e ser menos justa, porque sei que ela vai continuar a gostar de mim e defende-se menos de mim, então, se eu não estiver muito consciente, posso usar isso sem querer e de uma forma menos positiva que é descarregar na criança ou tentar enviar a mensagem ao outro enquanto falo com a criança para ver se do outro lado da casa alguém houve: 'Estou aqui a fazer tudo sozinha…' Mas, entretanto, é a criança que está ali a ouvir-me..."

 

"Tendemos a descarregar mais nas crianças quando estamos em sobrecarga. E a educação também ainda continua às costas da mulher."

 

Por último, a psicóloga Tânia Correia partilhou algumas estratégias que nos podem ajudar neste processo: "Devemos parar para pensar se estamos mesmo prontos para aliviar a carga e por que é que nós enquanto casal não conseguimos fazer isto. 'O que é que há em mim e na minha história que me leva a estar menos envolvida ou no meu parceiro? O que é que ele sente quando se tenta envolver? Sente que tenta, mas que tem tudo de ser à minha maneira?' Mesmo no que diz respeito à parentalidade, continuam a ser as mulheres a carregar o peso do modelo de educação por detrás da criança. É mais raro serem os homens a procurar informação, por isso, a educação também ainda continua às costas da mulher. Tudo isto precisa de ser falado em casal: 'Por que é que isto existe nestes moldes? Que efeito é que isto vai ter em nós, na nossa conexão, na nossa sexualidade?' É muito comum vermos o homem a queixar-se de que a mulher está constantemente indisponível e que ficam muito tempo sem ter relações… mas, lá está, a mulher precisa de sentir o contacto e a proximidade, precisa de ter a convicção de que estão os dois envolvidos, de que estão os dois nisto, precisa de sentir a companhia do parceiro para, depois, existir, a entrega física. Estratégias mais práticas: partilhar a agenda do telemóvel para estarem ambos a par das tarefas e poderem dividi-las entre si e fazerem um trabalho conjunto em que estão os dois envolvidos, e partilhar as notas do telemóvel, nomeadamente com a lista de compras para os dois poderem ir acrescentando coisas. No fundo, o que todos queremos é sentir que estamos acompanhados na vida, que há alguém que nos vê e que as nossas necessidades são importantes. Quando nós recebemos isto, há conexão e as coisas acabam por fluir. Ou, quando não há, é importante perceber o que queremos fazer com essa informação, em vez de estarmos nesta constante insatisfação: 'Eu não tenho isto, eu estou sobrecarregada, eu estou a desgastar-me e estou quase a perder anos de vida aqui! Eu não tenho e o que é que eu faço agora? Estou disponível para viver sem ter ou, se não estou, o que faço a partir daqui?'"

 

"O que todos queremos é sentir que estamos acompanhados na vida, que há alguém que nos vê e que as nossas necessidades são importantes."

 

Tânia Correia | Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência | OPP: 24317

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