Bem Me Quer by Barral: "Como lidar com a ida para a creche e o regresso às aulas" - episódio 8

Conteúdo Patrocinado

Na rubrica Bem Me Quer by Barral, vamos estar, quinzenalmente, à conversa com a psicóloga Tânia Correia sobre os vários temas da maternidade, parentalidade e saúde mental de pais e filhos. Neste projeto, contamos, ainda, com o apoio da Barral, um parceiro que se preocupa, acima de tudo, com o bem-estar das famílias.

Depois de, no último episódio, termos falado sobre o reencontro com a nossa criança interior, neste oitavo episódio da rubrica Bem Me Quer by Barral abordamos os desafios que pais e filhos enfrentam aquando da entrada na creche/escola ou do regresso aos aulas. Para tal, contamos com a presença habitual da psicóloga Tânia Correia.

 

"Olharmos para isto como um processo de luto dá-nos uma compreensão muito interessante e uma empatia muito diferente por aquilo que vão ser as emoções das crianças."

 

Setembro é considerado o mês do regresso à rotina. Para muitas crianças representa a entrada na creche ou na escola, para outras é um recomeço. Duas fases completamente distintas, mas igualmente desafiantes para as famílias.

"Há sempre um processo de luto por detrás, porque se trata da despedida de uma realidade e da adaptação a uma nova realidade. As crianças que estão de férias têm de fazer um luto, porque estavam habituadas a outra rotina, a outras pessoas, a que o dia tivesse outra configuração, e, agora, vão precisar de se despedir disso para entrar nesta nova programação. E mesmo as crianças que entram pela primeira vez também vão sentir muito isso. Olharmos para isto como sendo um luto dá-nos uma compreensão muito interessante e uma empatia muito diferente por aquilo que vão ser as emoções que as crianças vão sentir e os comportamentos que vão ter. Tal como faríamos se fosse um adulto a passar por um processo de luto. Não iríamos dizer-lhe: 'Vais ter de parar com isso, vá, engole o choro!' É preciso respeitar o ritmo, como se fosse outro luto qualquer", explicou a psicóloga Tânia Correia.

 

"Se fosse um adulto que vai ser operado e que está a precisar de apoio, também o deixávamos à porta do hospital, virávamos a cara e não olhávamos mais para trás?"

 

É muito comum nesta altura do ano as escolas e as creches enviarem diretrizes para os pais com a indicação de que devem deixar as crianças de forma rápida na creche ou na escola, sem olhar para trás e sem grandes despedidas.

"Isto está escrito assim, explicitamente. Mas será que nós diríamos isto se fosse um adulto? Se fosse um adulto que vai ser operado e que está a precisar de apoio, também o deixávamos à porta do hospital, virávamos a cara e não olhávamos mais para trás? Se fosse alguém que vai começar um trabalho novo e está inseguro, será que também o deixávamos à porta e não falávamos mais com ele? Acaba por ser quase absurdo", afirmou a psicóloga.

 

"Estamos a tentar evitar o choro, porque nos incomoda, porque não sabemos lidar com ele - porque também não nos permitiram chorar muitas vezes -, mas o choro não tem propriamente que ser visto como algo negativo."

 

Ainda que os pais possam ter-se informado sobre a escola, visitado o espaço e conversado com os profissionais, para a criança o processo é complexo. E ainda que os pais não possam tirar uma "licença de adaptação à creche", devem procurar mostrar à criança que o vínculo entre eles se mantém, e, com dedicação, com o contacto e com a validação emocional, aos poucos, ela vai conseguir ganhar a confiança necessária e sentir-se em segurança.

"Para as crianças, é tudo totalmente novo e desconhecido. Mesmo que tenham visitado o espaço e conhecido um bocadinho as pessoas, elas não têm ligação com elas e não foram elas que escolheram propriamente o sítio onde vão ficar. Portanto, com esta ideia de depositarmos a criança na escola e virarmos costas, estamos a tentar evitar o choro, porque nos incomoda, porque não sabemos lidar com ele - porque também não nos permitiram chorar muitas vezes -, mas o choro não tem propriamente que ser visto como algo negativo. Ele faz parte do processo de luto e da adaptação. O que não pode acontecer é a criança estar a exteriorizar e ficar em desamparo e não haver ninguém que a ajude. Porque, aí, teremos uma criança que está a desregular-se e que está sozinha nesse processo. Isso, sim, é negativo", alertou Tânia Correia.

 

"Até parece que somos uma má influência na vida dos nossos filhos, porque eles estão fantásticos e ficam desregulados quando nós chegamos. Isso não é verdade!"

 

É, também, muito comum, os pais ouvirem dizer que os filhos só se portam mal na sua presença, mas há uma razão para isto acontecer.

"A culpa que isso gera nos pais! Até parece que somos uma má influência na vida dos nossos filhos, porque eles estão fantásticos e ficam desregulados quando nós chegamos. Isso não é verdade! O que se passa é que, muitas vezes, as crianças estão em contenção. Como o objetivo é que elas não chorem, elas começam a conter o choro para agradar aos adultos, porque percebem que é o esperado ou porque aprendem que ninguém as vai tirar daquele estado (que é aquilo a que se chama 'desamparo aprendido)", reforçou a psicóloga.

 

"O desamparo aprendido é muito negativo, é a base de uma série de patologias."

 

Ainda sobre o desamparo aprendido, Tânia Correia frisou: "A criança aprende que quando está em sofrimento ninguém vai aparecer. Então, deixa de comunicar aquilo de que precisa, nomeadamente a partir do choro. Estar neste estado de contenção é o que faz com que, quando os pais chegam, saia tudo o que esteve contido durante o dia, porque são as pessoas com quem a criança está à vontade e em quem sabe que se pode apoiar. É claro que, ao início, é normal a criança fazer um pouco de contenção, mas se for ao ponto de estar ótima e ficar péssima quando os pais chegam é caso para os pais e a escola pararem para tentar perceber o que se passa, porque algo neste ambiente da escola não está a dar o espaço de que a criança precisa para sentir que se pode expressar. O desamparo aprendido é muito negativo, é a base de uma série de patologias que depois se desenvolvem. Mesmo que não chegue ao ponto de ser uma patologia, esta ideia de que tenho de aprender a conter emoções e de engolir o que sinto vai fazer com que, no futuro, nas minhas relações, isto comece a refletir-se: sempre que me sinto ativado, guardo, guardo... E eu não me adapto ao mundo se estiver a fazer isto. Isto não é uma boa adaptação."

 

"A criança chorar não é propriamente negativo, faz parte de um processo de adaptação, desde que esteja amparada. Quando eu desapareço ela vai sentir abandono, vai sentir que não sou uma figura confiável, que não tenho um comportamento previsível."

 

Também a ideia de que os pais devem desaparecer sem que a criança se aperceba e para que não chore pode trazer consequências.

"Nós andamos a fugir do choro de uma maneira... e isto, depois, impacta tudo. É quase um objetivo de vida garantir que a criança não chora. A criança chorar não é propriamente negativo, faz parte de um processo de adaptação, desde que esteja amparada. A criança está numa fase em que a base dela é a previsibilidade, é ela perceber mais ou menos o que que pode acontecer a seguir. Quando eu desapareço, evito vê-la chorar, o que, para mim, é ótimo, porque não senti dor, mas, quando ela se apercebe, vai iniciar uma série de processos: vai sentir abandono, vai sentir que eu não sou uma figura confiável, que não tenho um comportamento previsível, e ela vai passar a estar muito mais atenta a partir dali. Vamos ter crianças com perfis ansiosos. Como a criança sabe que os pais podem desaparecer, ela ainda fica mais presa a este medo de deixar os pais afastarem-se. Então, mesmo em casa, estas crianças passam a andar sempre atrás dos pais. Se houver um indicador de que os pais vão sair, a criança começa logo com comportamentos ansiosos e, aí, sim, vai chorar mais. E será um choro de angústia, porque não sabe o que que vai acontecer a seguir nem com o que pode contar", explicou a psicóloga.

 

"Se temos uma criança que emocionalmente não está regulada, ela não vai conseguir aprender."

 

E, aqui, faz sentido falarmos também sobre o tempo de permanência na creche durante o período de adaptação.

"A entrada para a creche ou o regresso à escola não é um período em que o fundamental seja a rotina. O fundamental é criar vínculo, é tornar aquele espaço um espaço conhecido e onde a criança possa sentir que pode ser ela. Ela vai acabar por se adaptar às horas. Agora, criar ou não criar vínculo vai acompanhá-la e tem impacto mesmo em crianças mais velhas. Não é só entrar e começar as aprendizagens. A criança precisa de ser conquistada, precisa de ganhar um elo de ligação com os adultos e com o espaço, até para a aprendizagem acontecer, porque, se temos uma criança que emocionalmente não está regulada, a parte cognitiva vai estar enfraquecida. A criança não vai conseguir aprender. E, depois, temos diagnósticos de dificuldades cognitivas. Mas a verdade é que a criança não tem nenhuma dificuldade cognitiva, ela está a passar por uma situação de desregulação emocional que a impede de aprender, portanto, o foco deve ser trabalhar a criança, quem ela é, para termos alguém estruturado, emocionalmente equilibrado, em que a parte cognitiva flui", afirmou.

 

"Deve ser um processo guiado pela criança, de acordo com o que é confortável para ela."

 

"Claro que nem sempre isto é possível, mas o ideal seria a criança ficar na creche por pequenos períodos, minutos mesmo. E, depois, estendermos se ela demonstrasse estar bem. Deve ser um processo guiado pela criança, de acordo com o que é confortável para ela. Muitas vezes, as creches e as escolhas não deixam os pais entrar, mas o ideal era que este processo de adaptação começasse por ser feito na presença dos pais para haver uma transição em que a criança tem ali alguém em quem confia e, à medida em que conhece melhor o espaço e as pessoas, vai sentido vontade de se distanciar e explorar mais até conseguir estabelecer um vínculo com a educadora, por exemplo. Fazemos apenas o que está ao nosso alcance. O objetivo não é gerar culpa, mas, sim, passar informação para que, se a adaptação do meu filho estiver a ser mais difícil, eu saiba que estes aspetos podem estar a impactar", alertou.

 

"Até aos três anos, as crianças não têm muita necessidade de contacto com outras crianças. Perto dos três anos, aí, sim, começa a haver mais esta abertura para o mundo e a haver muita necessidade de brincar, de interagir com outros miúdos da mesma idade ou mais velhos."

 

Mas será que há uma idade ideal para a entrada na creche? Para a psicóloga Tânia Correia não há dúvidas: "O conceito de creche não foi inventado de acordo com as com as necessidades da criança. Ele surge na altura da Revolução Industrial, porque as mulheres começaram a ir cada vez mais para as fábricas e era preciso que as crianças ficassem nalgum lado. Mas, na verdade, até aos três anos, as crianças não têm muita necessidade de contacto com outras crianças. Atenção: cada criança tem o seu perfil e algumas mesmo mais pequeninas têm mais necessidade, mas, ainda assim, o principal é o contato com o adulto, a interação de um para um. Portanto, nós esperamos que as crianças façam processos da adaptação em que é logo prazeroso para elas ficar com outras crianças, mas isso pode não acontecer. E, se não acontecer, é apenas a criança a ser criança, a respeitar aquilo que são as necessidades habituais dela. Perto dos três anos, aí, sim, começa a haver mais esta abertura para o mundo e a haver muita necessidade de brincar, de interagir com outros miúdos da mesma idade ou mais velhos."

 

"É uma dependência saudável e positiva para eu vir a ganhar autonomia. Autonomia vem sempre de dependência. Sempre."

 

Podemos ter ainda vários indicadores de que o processo de adaptação possa não está a correr bem: "Por exemplo, alterações do sono, alterações do apetite, alterações até de comportamento. Tal como um adulto que está num processo de luto: pode comer mais ou comer menos, passar a dormir mais ou passar a dormir menos... Tudo isso faz parte, mas se isso se mantiver muito tempo ou se for com uma intensidade muito grande, convém ser avaliado. Geralmente, ao início, as crianças ficam um bocado mais irritadiças, a atirar mais coisas para o chão, a dizer mais 'nãos'. Por exemplo, a criança que já ia sozinha à casa de banho, que já comia sozinha, que já ficava a adormecer sozinha, e, de repente, precisa que eu vá com ela à casa de banho, que lhe dê de comer, que lhe dê banho e que me deite com ela. Isso é natural e não é propriamente regredir. É um pedido de certeza de que nós ainda estamos ali para ela. Ela sente o afastamento e é como se ela nos perguntasse: 'Ainda posso contar contigo? Tu ainda vais estar aí para mim'. Ela precisa desta garantia, é uma espécie de dar um passo atrás para, depois, avançar à vontade. É uma dependência saudável e positiva para eu vir a ganhar autonomia. Autonomia vem sempre de dependência, sempre. Nós é que temos esta crença social de que a autonomia surge do nada. Há crianças que aprendem a funcionar sozinhas no desamparo aprendido, porque sabem que não podem contar com ninguém. Mas nós não queremos isso! Nós queremos uma criança que se apoia em nós, que quando pede estas provas quase do amor ('Estás aí, posso contar contigo?') nós respondemos, e ao respondermos ela tem aquele degrau que sobe e está pronta para continuar avançar."

 

"A criança fazer um desenho na minha mão e eu fazer um desenho na mão dela faz com que a criança sinta que um pedaço de mim permanece nela e vice-versa."

 

Há também algumas estratégias que podem facilitar um bocadinho estes processos, de manter o vínculo para a criança sentir que ainda estamos ligados durante o dia: "Por exemplo, a criança fazer um desenho na minha mão e eu fazer um desenho na mão dela faz com que a criança sinta que um pedaço de mim permanece nela e vice-versa. Também há pessoas que colocam um pouco do seu perfume na criança para ela ir sentindo o nosso cheiro e sentir-se ligada a nós. Também podemos construir adereços. Podemos comprar, mas fazer dá um cunho ainda mais pessoal se fizermos: uma pulseira, um colar, etc. Qualquer coisa que mostra que estamos a usar algo igual uma à outra e que continuamos ligadas. Para crianças mais velhas, podemos deixar mensagens na lancheira, no estojo... mensagens de amor e segurança para que essa ligação seja mantida durante o dia."

Até porque não nos podemos esquecer de que este não é um processo só da criança: "Continua a haver muito a ideia de que a adaptação é algo que a criança tem de fazer. A adaptação continua a ser um processo em que escolas às vezes se descartam um bocadinho. Quando a construção do vínculo depende muito de quem lá trabalha, depende muito da postura do adulto, da forma como a criança é acolhida, não depende do comportamento da criança, depende de como eu reajo àquilo que ela faz. Portanto, quando a escola diz que está a ser muito difícil a adaptação e compara a minha criança com outras... há crianças que demoram semanas, outras demoram meses. Dizem que ele/ela não se está a adaptar, mas o que é que a escola está a fazer para resolver? Nós precisamos de ter uma visão de equipa, na qual pais e escola se juntam para perceber quais são as necessidades da criança, o que é que está a faltar e como é que nós vamos responder. Queremos uma escola que ativamente tenta resolver o problema e não vê a criança como o problema. Muitas vezes, nós nem nos questionamos: a escola está a ser um ambiente de curiosidade para a criança? A escola está a moldar-se à criança ou espera só que a criança se molde a ela? Isso não é justo. Há crianças que não se adaptam e, sinceramente, ainda bem que não o fazem, porque isso era resignar-se e nós não queremos crianças resignadas. A criança cuja escola não quer que ela tenha voz e que não faça barulho é a criança que, amanhã, no trabalho e na vida pessoal dela, vão acusar de não ser assertiva, de não conseguir lutar por aquilo em que acredita. A criança que fica parada é a mesma que, lá à frente, vão dizer que não é proativa, que não tem capacidade de iniciativa. A criança que engole emoções é a mesma que, lá à frente, vai chegar, na melhor das hipóteses, à terapia de casal, porque não consegue expressar o que sente na relação, não consegue aprofundar relações. A questão que devemos colocar é: aquilo que nós estamos a cultivar agora é realmente aquilo que queremos que as crianças sejam no futuro quando forem adultas?"

Há, também, uma série de questões que devemos ir colocando para perceber como está a correr o processo de adaptação: "Quando nos dizem qualquer coisa sobre os nossos filhos, devemos perguntar o que é que está a ser feito? O que é que podemos fazer em conjunto para que isto venha a ser alterado e perceber como é que está a ser estabelecido o vínculo. Vamos receber os primeiros relatórios e são na base do: 'Ainda não se senta sozinho'; 'Ainda não sabe contar"... Mas será que a criança está num ambiente que permita essa aprendizagem? É importante percebermos se as portas da escola estão abertas para esta comunicação. E é importante os pais confiarem no seu instinto. Por exemplo, a parte do controlo do esfíncteres - quando há alterações é sempre sinal de alarme, porque, quando se desregula com o início da escola e se mantém, geralmente, é a parte emocional que está desequilibrada. Os pais têm um instinto capaz de identificar pequenas pistas na forma como a educadora recebe e pega na criança, na frase do professor quando a criança entrou na sala..."

E porque esta é uma fase propícia a alterações comportamentais, no próximo episódio da rubrica Bem Me Quer by Barral vamos falar sobre o grande desafio comportamental que os pais enfrentam: aquilo a que habitualmente chamamos "birras".

 

Tânia Correia | Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência | OPP: 24317

Relacionados