O desfralde: entre a pressão social e o tempo da criança - Bem Me Quer by Barral (com Márcia Tosin)

A rubrica Bem Me Quer by Barral está de volta. Neste primeiro episódio, Cátia Soares recebe as psicólogas Tânia Correia e Márcia Tosin para falar sobre o desfralde.

 

A segunda temporada da rubrica Bem Me Quer by Barral arranca com um episódio sobre um dos momentos mais marcantes na vida de uma criança e que causa bastante ansiedade nos pais, o desfralde, e responde a muitas das questões sobre o tema que nos foram colocadas pelos seguidores nas redes sociais. Neste episódio, a coordenadora editorial da SELFIE, Cátia Soares, conta com a presença habitual da psicóloga Tânia Correia e de uma convidada muito especial: a psicóloga brasileira Márcia Tosin, fundadora do Movimento Neurocompatível.

 

"'Que feio, ainda usas fralda, ainda és bebé!' Isto é extremamente violento, é uma forma de humilhação." (Tânia Correia)

 

Não há dúvidas de que a criança vai dando sinais de que está pronta para o desfralde, mas a verdade é que a maioria dos processos de desfralde continua a não ser assim tão respeitadora e positiva, como ilustra Tânia Correia, fundadora da clínica 3M’s e da página de Instagram 3M’s Menina, Mulher, Mãe: "Por vezes, as crianças chegam e a primeira coisa que lhes perguntam é: ‘Ainda usas fralda? Com esta idade, ainda usas fralda?’ E fazem aqueles comentários: ‘Que feio, ainda usas fralda, ainda és bebé!’ Isto é extremamente violento, é uma forma de humilhação. Seria o mesmo que chegarmos a um local e nos abordarem em relação a uma competência que nós, por algum motivo, ainda estamos a desenvolver, e sermos abordados diretamente ali onde magoa."

 

"É o timing a nível de meteorologia que define se a criança vai começar o desfralde." (Tânia Correia)

 

"Como se a criança fizesse dois anos e o esfíncter ficasse pronto… Como se o desenvolvimento cerebral estivesse concluído aos dois anos... E não é assim", acrescenta Márcia Tosin.

Numa aparente busca pela gestão saudável entre aquilo que é incentivar a criança e respeitar o tempo da criança, os pais caem muitas vezes no erro de precipitar o desfralde mal chega o bom tempo por uma questão de comodidade. E o mesmo acontece nas creches e nos jardins de infância.

 

"O meio-termo é realmente o desfralde guiado pela criança." (Márcia Tosin)

 

"Não é um processo em que se avalia se a criança está pronta ou não para o desfralde. Depende do que dá jeito ao adulto. ‘Já está bom tempo. A mim dá-me jeito fazer isto agora, porque a roupa seca mais depressa, então, é mais fácil para mim’. Infelizmente, o que acontece na maior parte das instituições é que é o timing a nível de meteorologia que define se a criança vai começar, ou não, o desfralde. E é um processo que é aplicado a todos daquela sala. Veio o sol, vamos então todos desfraldar, quer queiram, quer não queiram. Não há uma leitura daquela criança em específico", lamenta a psicóloga clínica Tânia Correia.

 

"Parece que as crianças estão a trabalhar para empresas, que têm que cumprir aqueles objetivos mensais, senão não levam a comissão." (Tânia Correia)

 

E, aqui, entra também a pressão da sociedade, como descreve a psicóloga clínica Márcia Tosin: "A escola pressiona a criança, os pais pressionam a escola, a sociedade pressiona… E a criança está ali naquele processo, que seria um processo muito bonito, mas que facilmente dá origem a transtornos, por causa da violência que é pressionar e não permitir o bom desenvolvimento. Dizem-nos: 'Vai deixar a criança fazer tudo'; 'Vai deixar usar a fralda até aos 12 anos, até aos 15 anos, até aos 20 anos…'; 'Vai mamar até entrar na faculdade…'; 'Tem que existir um meio-termo'. Mas o meio-termo é realmente o desfralde guiado pela criança."

 

"Ninguém mais do que a criança quer deixar a fralda." (Márcia Tosin)

 

"Às vezes, parece que as crianças estão a trabalhar para empresas, que têm que cumprir aqueles objetivos mensais, senão não levam a comissão. A partir do momento em que o desfralde começa, quase que se mostra o quadro em que diz: ‘Quarta-feira, já não fez até esta hora, sábado de noite também já não fez…’ É tudo muito apressado!", sublinha Tânia Correia.

 

"As crianças estão a deixar a fralda mais tarde. O desfralde está mais próximo dos quatro anos." (Márcia Tosin)

 

No meio de toda a pressão, a criança tenta, ainda assim, fazer o processo ao seu ritmo, como explica Márcia Tosin: "Ninguém mais do que a criança quer deixar a fralda. A criança quer largar a fralda. Ela faz o processo de imitação social. Se ela vai para a escola, ela vai observar. Ela observa os adultos a usar a casa de banho. Então, ninguém mais do que a criança quer."

 

"Isto não é uma luta de poderes, isto é uma relação de cooperação!" (Tânia Correia)

 

No entanto, o desfralde está a ficar cada vez mais tardio. "As crianças estão a deixar a fralda mais tarde. Há uma pesquisa que mostra que o desfralde está mais próximo dos quatro anos aquilo que acontecia antes dos dois anos", revela.

 

"A partir dos quatro, cinco anos, o ideal é uma avaliação para perceber se a criança está com fobia, se está em zona de desfralde, se está obstipada." (Márcia Tosin)

 

Acontece que muitas vezes o processo de desfralde está associado a medo ou fobia, o que dificulta o processo e nem sempre é percebido da melhor forma pelos adultos, como alerta Tânia Correia: "Às vezes, há o pensamento de: ‘Agora, ele está a reter para me provocar, para ver se eu cedo, se vou dar a fralda outra vez! Mas eu não vou ceder!’ Isto não é uma luta de poderes, isto é uma relação de cooperação!"

 

"30% das crianças vão ter alguma disfunção grave, como uma disfunção sexual, uma perda urinária." (Márcia Tosin)

 

Para Márcia Tosin, os pais devem confiar, estar atentos e procurar ajuda, sempre que considerarem pertinente.

 

"Um processo forçado é um processo que eu estou a fazer para agradar alguém e isto a criança vai levar com ela para a vida toda." (Tânia Correia)

 

"A partir dos quatro, cinco anos de idade, se uma criança não completou o processo de desfralde, o ideal é uma avaliação com o médico pediatra, com o psicólogo infantil, com o fisioterapeuta, com algum profissional que realmente esteja capacitado para entender se a criança está com fobia, se está em zona de desfralde, se está obstipada", explica, antes de deixar um alerta: "30% das crianças vão ter alguma disfunção grave. Há prejuízos que podem ir para a vida inteira, como uma disfunção sexual, uma perda urinária em que a pessoa precisa de ir à casa de banho de 30 em 30 minutos."

 

"Os pais precisam de ser empoderados e de ter a oportunidade de lutar pelos direitos dos filhos." (Tânia Correia)

 

Tânia Correia é perentória neste ponto: "O objetivo do desfralde ser só a criança largar a fralda já é um problema à partida, porque este é um processo muito mais abrangente e muito mais profundo do que essa conquista. É o bem-estar e a associação que a criança faz ao processo todo. Um processo forçado é um processo que eu estou a fazer para agradar alguém e isto a criança vai levar com ela para a vida toda."

 

"Será que as crianças estão a desfraldar mais tarde ou será que estão, finalmente, a poder desfraldar no tempo que seria o tempo delas?" (Tânia Correia)

 

"Escute o seu coração, o que realmente parece plausível com o desenvolvimento, e acredite na criança, a criança é capaz", aconselha Márcia Tosin.

Para terminar, Tânia Correia também deixou algumas dicas valiosas aos pais que diariamente são confrontados com informação contraditória e que tantas vezes não sabem como agir para que este processo dos filhos seja mais respeitador e positivo, quer nas creches, quer nos jardins de infância: "É importante os pais estarem cientes de que eles têm direitos em relação àquela criança e que devem também ter voz nas várias instituições e não permitirem que as escolhas aconteçam só porque a escola assim o decide. Portanto, os pais também precisam de ser empoderados e de ter a oportunidade de lutar pelos direitos dos filhos. Vimos de uma zona em que era completamente imposto e agora parece até que as crianças estão a desfraldar mais tarde. Mas será que as crianças estão a desfraldar mais tarde ou será que estão, finalmente, a poder desfraldar no tempo que seria o tempo delas, que sempre teria sido assim se lhes tivéssemos dado essa essa oportunidade?"

No próximo episódio da rubrica Bem Me Quer by Barral, Cátia Soares vai estar à conversa com a psicóloga Tânia Correia e um convidado muito especial sobre o papel do pai. Não percam!

 

Bem Me Quer by Barral é uma rubrica sobre maternidade, parentalidade e saúde mental de pais e filhos. Neste projeto, a SELFIE conta com a psicóloga Tânia Correia e com o apoio da Barral, um parceiro que se preocupa, acima de tudo, com o bem-estar das famílias.

Tânia Correia | Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência | OPP: 24317

Márcia Tosin | Psicóloga especialista em Psicoterapia Comportamental e Cognitiva | Título de Especialista em Psicologia Clínica chancelado pelo Conselho Federal de Psicologia Brasileiro CRP08/10916

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