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Assédio moral: quando ir trabalhar se transforma numa tortura

O assédio no trabalho é uma violação dos direitos humanos e uma forma de discriminação.

Psicóloga Doutorada em Psicologia OPP - 916
  • 1 mar, 15:50
Teresa Paula Marques
Teresa Paula Marques

Quando falamos em assédio moral, ou mobbing, referimo-nos a palavras, comportamentos ou atitudes que ocorram reiteradamente, com o objetivo de humilhar, intimidar ou manipular uma pessoa no seu local de trabalho. Frequentemente, estas ações são acompanhadas de gritos e ameaças como, por exemplo, ir reportar à entidade empregadora que o colega cometeu algum erro. Daqui, resulta que o trabalhador passa a viver num ambiente que vai afetando negativamente a sua dignidade e a sua autoestima pessoal, social e profissional.

O mobbing pode ser classificado em função da posição hierárquica do agressor em relação à vítima. Considera-se vertical, quando é perpetrado por um superior hierárquico, horizontal, quando ocorre entre colegas, e misto, quando os colegas, por cumplicidade ou por medo, se aliam ao superior e passam a ser cúmplices deste. 

 

"O mobbing pode ser classificado em função da posição hierárquica do agressor em relação à vitima."

 

Desconhece-se a dimensão real deste problema, uma vez que as vítimas, frequentemente, não apresentam queixa com medo das represálias. No entanto, um estudo da CITE, realizado em 2016, revelou que 16.5% dos trabalhadores e trabalhadoras portugueses/as já vivenciou uma situação de assédio moral no trabalho. Por seu turno, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou 160 queixas em 2022, o que representa um aumento de 166% em relação a 2019. No entanto, estes números estão muito abaixo do que se efetivamente se passa.

O assédio moral, à semelhança do que acontece com o assédio sexual, não é crime em si mesmo, isto é, o que é considerado crime são os comportamentos que se encontram presentes neste tipo de atos. Para além disso, tratando-se de um crime semipúblico, tem de ser o próprio a apresentar queixa às autoridades competentes, que incluem a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e o Ministério Público.

 

"O assédio moral, à semelhança do que acontece com o assédio sexual, não é crime em si mesmo."

 

Um dos principais problemas com que a vítima se depara, ao apresentar queixa, é a dificuldade em provar os factos, já que as testemunhas são fundamentais e tratando-se de trabalhadores na mesma empresa, dificilmente estes se disponibilizam a ajudar o colega, temendo serem eles os próximos alvos. Este aspeto faz com que a vítima se sinta muitas vezes isolada, sem apoio e sofra em silêncio ou opte por entrar em baixa médica por lhe ser difícil aguentar a pressão.

 

"Certo é que assédio acaba por "contaminar" todo o ambiente da empresa. "

 

Certo é que assédio acaba por "contaminar" todo o ambiente da empresa. Apesar de evitarem comentar o que está a acontecer com o colega, pouco a pouco, todos os trabalhadores passam a ter conhecimento. A situação vai-lhes necessariamente causar mau estar e até constrangimento. A acrescentar a tudo isto, atualmente a sociedade está muito mais desperta para a importância dos ambientes saudáveis e o impacto que estes têm quer na saúde física e mental, assim como no rendimento de trabalho. Posto isto, apesar de a vítima ser a mais lesada, a empresa acaba por sair também prejudicada por ficar associada a atos que nada abonam a seu favor.

 

Segundo a lei portuguesa, citada pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), considera-se assédio moral atos como:

Estabelecer sistematicamente metas e objetivos impossíveis de atingir ou estabelecer prazos inexequíveis; atribuir sistematicamente funções estranhas ou desadequadas à categoria profissional; não atribuir sistematicamente quaisquer funções ao trabalhador/a - falta de ocupação efetiva; apropriar-se sistematicamente de ideias, propostas, projetos e trabalhos de colegas ou de subordinados sem identificar o autor das mesmas; desprezar, ignorar ou humilhar colegas ou trabalhadores/as, forçando o seu isolamento face a outros colegas e superiores hierárquicos; sonegar sistematicamente informações necessárias ao desempenho das funções (…) sendo, no entanto, o conteúdo dessas informações facultado aos demais trabalhadores e trabalhadoras; divulgar sistematicamente rumores e comentários maliciosos ou críticas reiteradas sobre colegas de trabalho, subordinados ou superiores hierárquicos; dar sistematicamente instruções de trabalho confusas e imprecisas; pedir sistematicamente trabalhos urgentes sem necessidade; fazer sistematicamente críticas em público a colegas de trabalho, a subordinados ou a outros superiores hierárquicos; insinuar sistematicamente que o trabalhador ou trabalhadora ou colega de trabalho tem problemas mentais ou familiares; transferir o/a trabalhador/a de sector com a clara intenção de promover o seu isolamento; falar sistematicamente aos gritos, de forma a intimidar as pessoas; marcar o número de vezes e contar o tempo que o trabalhador/a demora na casa de banho; fazer brincadeiras frequentes com conteúdo ofensivo referentes ao sexo, raça, opção sexual…; comentar sistematicamente a vida pessoal de outrem; criar sistematicamente situações objetivas de stress, de modo a provocar no destinatário/a da conduta o seu descontrolo.

Se estiver a ser vítima de assédio, antes de denunciar certifique-se que está emocionalmente fortalecido/a para aguentar que aí vem. Crie uma rede de apoio, fale com os seus amigos e família e conte-lhes o que se está a passar. Existem também grupos nas redes sociais que o/a podem ajudar, tanto através da partilha de experiências, como a indicar o que deve fazer. Além disso, fale com o seu médico, procure um advogado e não prescinda da ajuda de um psicólogo. Tenha sempre presente que a sua saúde está acima de tudo, por isso faça o que for necessário para se manter equilibrado/a e forte durante o processo.

 

RECURSOS IMPORTANTES:

ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho (pode fazer a queixa online)

APAV - Associação de Apoio à vítima; Tel: 116 006

CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego; email: geral@cite.pt

Grupo privado (Facebook) - Basta de assédio no trabalho

OPP - Perguntas e respostas sobre Assédio no Trabalho - documento disponível na página da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Prof. Dra. Teresa Paula Marques
Psicóloga Doutorada em Psicologia OPP - 916

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