"Um Hino ao Algarve", por Laura Ravéra

A alma salgada não nasce connosco, mas tenho a certeza de que se impregna aos primeiros contactos com o ar dali. Mas não é da maresia, ou da areia fina, há uma magia que se sente e é escusado tentar explicá-la.

Jornalista
  • 3 set 2019, 09:00
Laura Ravéra
Laura Ravéra

O Algarve dos algarvios, e dos milhões de veraneantes no verão, tem pessoas resistentes como a grés de Silves. As gentes do Sul, tomadas por um sotaque, mais ou menos carregado, aqui e ali, são feitas de coragem. As pessoas daquelas terras, por vezes esquecidas, têm o poder do mar e a resiliência da serra.

As aldeias têm nomes de histórias, e as estradas sem nome vão dar sempre àquela velhota que viu morrer o marido e os filhos. O prémio pela vida dura chega mensalmente ao banco que fica a 20 quilómetros da aldeia onde não para a camioneta, porque nunca parou. Foi toda a vida doméstica, fartou-se de trabalhar e, por isso, tem a sorte de ter garantidos os pouco mais de 200 euros (graças ao marido) mas que "já é bom", porque “há quem nada tenha, menina”.

O Algarve dos grandes é enorme, porque tem pessoas dentro. E vida. O que de mais bonito a vida tem. Ali, o pão do dia e a fruta da época, às vezes, nascem nas maçanetas das portas, cujas chaves lá ficam esquecidas, da parte de fora. E, também ali, nascem polémicas sobre a "ganância" do homem, que desce sorrateiramente o apartamento alugado à beira mar para plantar o sombreiro e reservar um lugar ao sol: o mesmo que não receia que o levem, porque a segurança, embora ameaçada, ali ainda é o que era. E por que não ver as coisas assim? Sem turras.

O Algarve é muito meu, mas eu sou mais dele. O "copo meio cheio" aprendi ali. Porque o vanguardista stress só o alcança quem o procura. Aprendi que os dias têm calmamente 24 horas, o ano inteiro, e, por isso, nada há que apressá-las.

O Sul é um paraíso postal o ano inteiro. É uma lufada de ar fresco de inverno e um calor que aquece milhões de almas de verão.

À primeira vista (e à milésima) é tudo bom, mas não o é por acaso. É porque é feito por pessoas. Talvez importasse falar delas. Essas que, não ironicamente, passam as "passinhas do Algarve" e as privações impostas por uma fraca economia de inverno, que os impostos ignoram, sem misericórdia… essas que passam pelos abusos laborais, durante os meses de calor tórrido, que não cabem nas enchentes que chegam de todo o lado.

É sim, um Hino ao Algarve. Porque nem quando o verão desilude, este pequeno enorme paraíso feito de pessoas… ousa falhar.

Laura Ravéra
Jornalista

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