Andreia Miranda: "Meter a colher"

66 dias. 12 pessoas mortas em contexto de violência doméstica, entre as quais uma criança.

Jornalista
  • 26 ago 2019, 11:35
Andreia Miranda
Andreia Miranda

Escrever isto, vezes e vezes sem conta, faz mossa. Ser jornalista não significa deixar o coração em casa quando se vem trabalhar e por isso, ter de fazer, em março, um balanço sobre as vítimas de violência doméstica em 2019 mexeu (também) comigo.

Enquanto jornalistas, temos não só o dever de informar como de fazer chegar a informação de forma mais simplificada e rápida a quem nos vê e lê e, pelos vistos, a informação de como pedir ajuda não estava a chegar às vítimas de violência doméstica da forma mais simples possível. Outro dos nossos deveres é mostrar aquilo que querem fazer esquecer e, neste caso, as vítimas não podem, nunca, ser esquecidas.

Por isso, criar o STOP Violência, tornou-se imperativo para tentarmos consciencializar a sociedade de que, infelizmente, a violência doméstica acontece todos os dias e não só quando aparece nos jornais. 

Este ano, o número de número de presos preventivos por violência doméstica cresceu 72%, o que significa que os juízes estão a aplicar com mais frequência as medidas de coação mais gravosas aos suspeitos. O sistema começa a mudar, mas ainda não é suficiente, até porque o número de vítimas mortais continua a aumentar e neste momento são já 18. É preciso fazer mais e isso está nas nossas mãos.

A violência doméstica é um crime público e cabe a todos dizermos STOP à violência doméstica. O ditado "entre marido e mulher ninguém mete a colher" há muito que deixou de estar na moda e, se há violência - seja ela física ou psicológica - mete-se a colher para que a mesma pare. 

Está nas nossas mãos fazer mais pela violência doméstica. Dar voz às vítimas. Mostrar aos agressores que a violência não é o caminho. Mesmo que para isso seja necessário usar todas as frases clichés que todos ouvimos diariamente, encolhemos os ombros e assobiamos para o lado: "quem te ama, não te agride", "quem gosta de ti, não te controla", "se ele te ama, não te bate", "se ela te ama, não te diz com quem podes ou não falar".... 

Se conhece alguém que é vítima de violência doméstica, denuncie. Ajude a vítima a procurar apoio. Dê-lhe o seu apoio, o seu tempo, para que ela não se sinta desamparada. Ajude-a a dizer STOP Violência

A mim, enquanto jornalista, cada notícia que tiver de escrever sobre crimes de violência doméstica vai continuar a doer-me tanto como a primeira porque continuo a não conseguir perceber como é que alguém maltrata outra pessoa que ama. Como é que um pai mata uma filha porque não quer que a mãe fique com a sua guarda, uma filha maltrata a mãe porque esta não lhe entrega todo o dinheiro da sua parca reforma ou um ex-companheiro decide tirar a vida à mulher que diz amar porque ela decidiu seguir com a sua vida? Confesso que não percebo e que vou continuar a ter muita dificuldade em perceber. 

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