Selfie Sem Filtros

Sem filtros, Toy mostra-se como nunca o viu

Convidado da rubrica SELFIE SEM FILTROS, Toy aceitou abrir o coração, numa entrevista reveladora.

"Acho que a música em mim nasceu primeiro do que eu. A minha mãe contava que eu, ao colo dela, com oito meses, já entoava, já tentava cantar. E lembro-me de, com cinco anos, ter ido para cima de um palco e tocar bateria… já 'arranhava' qualquer coisa. Vergonha foi coisa que nunca tive. Entrei para a escola primária, na dona Ana Biscaia, que era uma escola só de rapazes, porque era tão bem comportado (risos), mas tenho algumas recordações interessantes, como ter ido para o teatro com 11 anos e ter começado a perceber o que era palco, o que eram pessoas... Tinha uma voz muito aguda e comecei a aprender uns acordes de guitarra com o meu pai...", começou por recordar Toy.

Também o lado maroto e brincalhão se manifestou desde cedo: "Lembro-me de ter sido apanhado no quarto da minha irmã com a vizinha do terceiro andar. Eu tinha cinco anos e ela tinha três ou quatro. E o meu avô dizia que entrou e nós estávamos em cima um do outro. Não sei o que era... (risos) É a tal apetência sexual, que acho que se tem desde bebé. A apetência, o prazer, o toque e a visualização... Lembro-me de ver as raparigas mais velhas, quando tinha 11/12 anos, e de sentir uma atração muito forte, sempre me senti muito atraído por mulheres."

Foi, precisamente, nessa altura que o músico sofreu um enorme desgosto: "Comecei a namorar com uma rapariga que, infelizmente, passados três anos, morreu com leucemia. Foi o meu grande abanão, aos 15 anos. Cresci, assim, de repente. É, sempre, difícil, com 15 anos, perder-se uma pessoa de quem se gosta muito. Foi muito difícil lidar com isso. Durante um ano, andei um bocado a 'bater mal'."

Para trás, ficou, também, alguma rebeldia e teimosia, como contou Toy: "Sempre quis ser um homem, ser mais velho, adulto, independente, e, às vezes, são essas coisas que nos fazem tomar atitudes de rebeldia pura e muita teimosia. [...] A minha mãe batia-me, dia sim, dia sim, mas não era com força (risos), era como sacudir as moscas. Não estou a dizer que é a forma mais correta de educar. Eu considero que não, acho que toquei uma vez no meu filho e uma vez na minha filha, porque tinha que ser e porque vinha de uma educação [rigorosa]… mas, hoje, era incapaz. Claro que as coisas mudam, as pessoas mudam..."

Da infância, recordou, ainda, o facto de ser o mais novo de três irmãos: "Tinha um irmão do primeiro casamento do meu pai, mas a ligação não foi a mesma que tive com a minha irmã. A minha irmã é que sofreu muito comigo (risos), porque ela queria estudar e eu tocava bateria… Eu era mauzinho. 'Enforcava' as bonecas da minha irmã no varão da banheira... Uma vez, ela chegou ao quarto e eu tinha recriado uma orgia, com as bonecas em cima dos bonecos…"

Ter assistido ao casamento dos pais é outra das grandes memórias do músico.

"O meu pai casou com a mãe do meu irmão, mas o casamento durou muito pouco tempo, porque ele veio para Lisboa, para a tropa, e, depois, já não voltou para casa ou, quando voltou, aquilo já não 'bateu certo'. Mas não havia divórcio. Antes do 25 de abril, não havia divórcio, nem pela Igreja (que, ainda, não há, não percebo porquê), nem pelo registo. Entretanto, o meu pai conheceu a minha mãe e apaixonaram-se, então, a minha mãe era amante do meu pai. Depois, casaram quando eu tinha 13 anos. Foi muito giro (risos), cantei no casamento dos meus pais! O meu pai divorciou-se, finalmente, após o 25 de abril - uma das boas coisas que o 25 de abril trouxe, entre muitas, foi as pessoas terem essa liberdade, também, de não terem de levar com a mesma pessoa a vida inteira", frisou.

Foi quando Toy tinha 17 anos que se deu a grande reviravolta na vida do cantor, que casou e foi viver para a Alemanha, onde esteve oito anos.

"Nessa altura, conheci uma nova realidade. Ao princípio, foi entusiasmante. Com 17 anos, ser independente, casar, ter a minha casa, viver com a minha mulher... foi aquela loucura da independência, mas, depois, comecei a perceber que não era aquela a minha cena. A Alemanha não era o meu país, a filosofia de vida dos alemães não era a minha filosofia de vida e a única coisa que me ajudou foi a música. Formei um conjunto de baile, com portugueses, fui convidado para uma banda de new wave, com alemães, também toquei numa banda de jazz e estive num grupo de fado, em que tocava viola e cantava. Quando estamos fora, há coisas de que nunca pensámos sentir tanta falta. Só se percebe o que se ama, quando se perde. Tudo isto mexeu muito mais comigo durante aqueles oito anos, porque a saudade é, realmente, muito portuguesa. Sou muito fácil de rir, mas, também, sou muito fácil de chorar. Os sentimentos são isso mesmo: não termos filtros. Acabamos, sempre, por exorcizar os nossos sentimentos."

E, nessa altura, quem é que acreditava no músico? Toy não hesitou em responder: "Ninguém. O meu pai nem sequer foi ao meu casamento, porque pensou: 'Este maluco chega à Alemanha, casa-se e, depois, vem embora.' O que é certo é que, quando eu tinha 21 anos, o meu pai teve uma dificuldade financeira, e fui eu quem emprestou dinheiro ao meu pai para ele resolver o problema. A partir daí, o meu pai sempre acreditou em mim. Mais tarde, na altura do meu divórcio, por influência da mãe dos meus filhos, o meu pai ficou um bocadinho 'de candeias às avessas' comigo, mas eu contei-lhe tudo o que tinha acontecido, contei-lhe os erros que cometi, porque não sou perfeito, e os erros que vieram do outro lado, porque, num divórcio, há, sempre, culpa das duas partes, e ele, depois, percebeu. Acho que o primeiro degrau foi quando eu tinha 21 anos e o segundo degrau foi quando eu tinha 44. O meu pai, a partir daí, sim, nunca mais teve dúvidas em relação a mim. Quem confiou, sempre, em mim foram os meus filhos, tenho a certeza absoluta. Embora na altura do divórcio, talvez, a minha filha tivesse ficado um bocadinho… mas é normal. Enquanto o meu filho estava de saída de casa, ela ficou com a mãe e, às vezes, as conversas e as tentações de dizer ou de ouvir… Há muitas interpretações e muitas maneiras de dizer as coisas... Mas, felizmente, está tudo sanado."

"Acho que o casamento deve ser para a vida, mas nós não mandamos em nós. O coração não tem dono, não tem idade e, pronto, a vida continua. As pessoas têm que ser felizes e eu gosto muito de mim e acho que só consigo fazer os outros felizes, se estiver feliz. Se não estiver feliz, não consigo e, portanto, tive de procurar a minha felicidade para poder fazer toda a gente feliz", confessou, ainda a propósito da separação.

Fruto deste primeiro casamento, o cantor teve dois filhos. "O mais velho, o Leandro, tem 37 anos e é diretor de fotografia de cinema. Lembro-me de uma conversa que tivemos quando ele terminou o 12.º ano e me disse: 'Pai, vou para Medicina ou para Direito?'. E eu respondi-lhe: 'Não, filho! Tu gostas é de cinema. Se fores o melhor, vai dar!' E, se não é o melhor, anda lá perto. A Lara tem, agora, 29 anos. Quando chegou ao final do secundário, eu também lhe disse: 'Segue pintura, é o que tu gostas!' Eu sou mais um filho deles do que pai deles, porque sou o mais rebelde, o mais maluco, mas sou um pai muito preocupado com a felicidade dos meus filhos. A melhor palavra que se diz a um filho é 'não' e não se pode protegê-los demasiado, porque, senão, depois, amanhã, sem proteção, acontece-lhes o mesmo que acontece a um pássaro quando sai da gaiola."

Ainda sobre o casamento de 26 anos com a mãe dos filhos, Toy recordou: "Foi um casamento difícil. Houve umas partes melhores e outras partes piores… como em tudo na vida, como nas empresas, como nas relações entre amigos… Há as coisas boas e as menos boas. Nas partes piores, houve uma altura em que, realmente, o meu equilíbrio emocional não era o mesmo, em que a minha vida era perto de muita gente, - e eu sempre fui um rapaz que gostava de olhar para mulheres bonitas e, às vezes, perdia-me um bocadinho. Isso era uma coisa que estava controlada, só que, às vezes, atrás de uma mulher bonita, há uma pessoa interessante, e isso já vai para além da atração física. Ao longo da minha vida, tive algumas paixões, digamos assim. Cheguei a propor, inclusivamente, uma espécie de descanso de casamento, mas não tive, do outro lado, abertura para que isso acontecesse. Foi uma espécie de 'vamos dar um tempo, estou baralhado, não sei...' Mas nunca tive abertura para isso e, se calhar, na altura, abdiquei da minha felicidade, em benefício da felicidade da mãe dos meus filhos e deles próprios, porque eram miúdos, na primeira vez em que tentei dar um tempo. Foi muito complicado fazer essa gestão e pensei: 'Vou deixar de ser feliz, mas vamos ficar todos felizes aqui em casa e vai ficar tudo bem.' Só que fiquei um bocadinho revoltado com a situação e, se calhar, a partir daí, terei sido não um péssimo marido, nem um péssimo pai, mas um péssimo exemplo para a sociedade, enquanto homem. Não estive bem, não fui correto, mas foi o que, na altura, achei que podia colmatar um bocadinho a minha infelicidade sentimental. Até que, um dia, conheci a minha atual mulher e apaixonei-me a sério, e, aí, tive de pôr um ponto final no casamento, já não aguentei mais."

Daniela foi a mulher com quem refez a vida e a quem não poupa elogios.

"Na verdade, nós não escolhemos, as coisas acontecem, mas eu tive sorte. Adaptámo-nos, também, porque, ao princípio, foi complicado. A Daniela era uma miúda bastante mais jovem, já era divorciada, portanto, vivia uma vida completamente livre, e eu vinha de um casamento e fui para outro. Eu estava habituado a um sistema de vida e ela estava habituada a outro que não tinha nada a ver, por isso, tivemos que nos adaptar, e a vida é isso mesmo: cedências. [...] A Daniela é a mulher da minha vida, não tenho dúvidas nenhumas. Depois de a conhecer. Antes de a conhecer, não sei, até porque, quando eu casei a primeira vez, ela ainda não era nascida (risos)", brincou.

Na verdade, a diferença de idades nunca foi um problema, como sublinhou: "Sinceramente, não, aliás, não me sinto nada com a minha idade!"

Em 2009, o casal oficializou a relação pelo registo e, dez anos depois, casou-se pela Igreja Vetero Católica: "A partir do momento em que começámos a viver juntos, fomos ganhando os amigos que vinham da minha parte e da dela, - os que eram amigos ficaram, os outros não eram amigos - e fomos ganhando outros amigos, portanto, foi com essa gente toda que fizemos a festa. No fundo, foi fazer a festa."

E qual é o segredo desta relação? Toy não tem dúvidas: "O segredo é as tais cedências, é sermos menos impulsivos, é alguma experiência da minha parte, é darmo-nos muito bem, apesar de pensamos, sempre, de maneira diferente. Estaremos a viver, provavelmente, o melhor momento da nossa vida. Ao contrário de muitos casais que se divorciaram na pandemia, porque não estavam bem, para nós, foi ótimo. Imagina que a nossa relação era uma parede cheia de tijolos, acho que a pandemia veio rebocar a parede para ficar tudo direitinho."

Terem filhos em comum era um sonho de ambos, mas que acabou por não se concretizar: "Pensámos ter filhos logo em 2009. Se acontecesse, acontecia. Entretanto, não aconteceu, depois, não dava muito jeito, e, depois, começámos a hesitar… Agora, qual é o meu receio? Eu, até, gostava, mas, com esta idade, penso: 'Vou ser pai aos 60 anos... e quando o meu filho tiver a idade da Beatriz, eu tenho 70. Será que, com 70 anos, vou ter capacidade financeira para lhe dar a mesma vida que dei à Beatriz e aos meus outros dois filhos? Ou será que vou receber uma reforma miserável e ele vai reclamar e dizer: 'Os meus irmãos tiveram e eu não tenho!'. Esse é o meu receio! Não tenho o direito de pôr alguém no mundo para o tornar infeliz. É por isso que hesito muito. Se viesse, era bem-vindo, mas, sinceramente, preferia que não viesse."

Beatriz, de 19 anos, é filha de Daniela. Para o cantor, que recusa a palavra "enteada", é, também, uma filha.

"Não há enteados, há filhos, porque o amor é igual. Por que é que não há de ser? O que é isso do sangue? O sangue está aqui para nos ajudar a viver. Quem é que estudou junto? Quem é que ensinou as coisas? Quem é que pegou ao colo e foi pôr na cama? Isso é que é ser pai e ser mãe. Não é fazer! Fazer... a gente pode fazer meia dúzia de filhos, num instantinho. [A Beatriz] quer ser atriz, esteve em Cambridge, mas, com a pandemia, foi complicado e, agora, vai começar a estudar na ACT - Escola de Atores", contou.

Recordando o pai, Toy confessou que acabou por realizar, em parte, o sonho do progenitor.

"Acho que ele viu em mim o seu desejo realizado. [...] O meu pai foi um bocadinho frustrado na música. Era um homem que passava a vida a ver os homens a tocar guitarra e teve pouca sorte. Quando veio para Lisboa, meteu-se logo nas associações em que se podia tocar nas bandas e, portanto, era um homem dos conjuntos, mas foi, sempre, um amador na música, nunca teve muito tempo e nunca saciou a sede de ser um músico profissional. O meu pai dizia que música não era futuro, porque, para ele, não foi, e ele achava que, para mim, também não era. Era o pensamento dele e eu respeito muito. Foi por isso que ele me mandou estudar, e ainda bem que o fez, porque o saber nunca ocupou lugar. Agora, eu perdi tempo a estudar contabilidade e podia ter estudado piano ou outra coisa que fosse importante para um maior desenvolvimento musical. Eu não tenho nenhuma formação em música", lamentou.

O músico fez, também, questão de agradecer o papel que a irmã teve nos últimos tempos de vida do pai, que sofria de Alzheimer.

"A minha irmã foi muito importante nos últimos dias de vida do meu pai, porque me substituiu, muitas vezes, quando o meu pai precisava de mim e eu não podia estar. A minha irmã esteve, sempre, pelos dois. Os 'alzheimers' e as demência são, sempre, complicados e o meu pai já não estava entre nós, porque já não era o meu pai, já não me reconhecia, já não era o meu pai. Como eu costumo dizer: as pessoas só estão vivas enquanto pensarem. Quando deixam de pensar, deixam de existir. Lembro-me de, um dia, ele me dizer: 'Quem é você?' E eu: 'Então, pai?' E ele: 'Ah! És tu! Desculpa!'. Isto foi gradual e quando as coisas são graduais, se calhar, custa menos, não há aquela coisa do choque, porque tu vais-te apercebendo de que alguma coisa não está a correr bem", recordou.

"O aspeto mais positivo da última fase foi que o meu pai esteve lá em casa. O positivo disto foi poder estar perto dele, antes de ele se ir embora. Quando se perde alguém, é, sempre, muito complicado. Tu estás à espera, mas, quando acontece dói. Chorei muito a morte do meu pai e a morte da minha mãe. Lembro-me do último Natal com ele. O meu pai comeu e quis ir dormir, eu deitei-o no quarto e ele aparece-me à 01:00 horas com um sobretudo e perguntou-me: 'Então, vamos embora?'. De ano para ano, foi sendo, sempre, cada vez mais complicado. Lembro-me dos natais em que eu tocava, com o meu cunhado, com o meu pai… Depois, foi, sempre, piorando e sendo um Natal com menos gente", confessou o cantor.

Ainda sobre a mãe, contou: "A minha mãe foi-se embora com 61 anos. Foi, talvez, o dia mais difícil da minha vida. Eu costumo dizer: as pessoas morrem quando deixamos de olhar para elas como pessoas. Há pessoas que estão debaixo da terra ou nas cinzas e estão vivas, porque nós pensamos nelas, falamos nelas... e isso é manter as pessoas vivas. Aliás, é a única eternidade em que acredito, como agnóstico que sou. Não há vida depois da morte, na minha opinião. A vida depois da morte é mantermos as pessoas vivas desta forma. Agora, há pessoas que ainda respiram e que ninguém fala delas, ninguém as ama, ninguém as quer. Estarão vivas para alguém, mas para outras pessoas já não estão vivas. A vida é muito mais do que isso. 'Sou amado, existo'!

Também da progenitora guarda muitas recordações: "A minha mãe era muito asneirenta, como eu. Embora fosse setubalense de gema, parecia uma mulher do norte. O meu pai dizia sempre: 'Cuidado, vê lá o que vais dizer. Olha as pessoas.' O meu pai era tipo pai dela, era muito púdico… a minha mãe era o oposto. A minha mãe era como eu, de emoções muito fortes. Uma mulher super apaixonada, ciumenta, possessiva (isso eu não sou, já fui um bocadinho). O meu pai era mais frio e eu acho que tenho um bocadinho do meu pai, nesse aspeto. Sei cortar relações com uma pessoa para sempre, a pessoa deixa de existir para mim. O meu pai era assim, eu também sou um bocado assim. O meu pai foi a minha referência, a minha referência da honestidade. Não ficou nada por fazer, nem por dizer. O meu pai não via o irmão desde que tinha uns oito anos, quando o irmão foi para a argentina. E, quando o meu pai fez 70 e tal anos, eu ofereci-lhe um bilhete de avião e fomos à Argentina. Estivemos lá uma semana. Foi tão bonito aquele reencontro de irmãos, será, sempre, uma recordação brilhante e comovente."

"Quando perdes os pais, sentes-te órfão. É como o trapezista, que tem a rede… ele não vai usá-la, porque não vai cair, mas a rede está lá e ele sabe, portanto, se cair… e é um bocado essa sensação... Fiquei sem rede, mas, também, já tenho idade para ser eu a rede dos outros e, portanto, é esse o meu exercício", sublinhou.

E quem será que conhece o Toy como ninguém? O músico não teve dúvidas: "Os meus filhos. Talvez o mais velho me conheça ainda melhor, porque foi cúmplice em muitas coisas na minha vida, havia coisas que, provavelmente, só o Leandro sabia. E o João Pestana, que é o rapaz que conduz o meu carro, há 30 anos, para os concertos. Ele soube muitas coisas da minha vida, coisas que se foram passando e que eu não podia contar a ninguém. Eles diriam que eu era autêntico, que era um bocado doido... Mas sabem que, quando as coisas são de responsabilidade, eu estou, sempre, pronto e sabem que as coisas acontecem como deve ser. E que sou justo! Acho que ser justo é muito importante, mesmo quando temos de nos prejudicar. Ainda agora, com esta pandemia, em relação ao meu pessoal, tenho procurado ser justo: 'Vocês deram-me tanto, tenho que vos dar alguma coisa. Não há concertos, a gente arranja concertos. Pedem-me para ir atuar sozinho, eu levo-os e a minha parte do cachet vai para eles. Isso é ser justo! É dar trabalho às pessoas, é compensar as pessoas pelas descompensações que elas tiveram."

Olhando para trás, Toy confessou que, apesar de o percurso não ter sido simples, valeu a pena: "O caminho é difícil, mas por ser difícil é que é bom, porque as coisas fáceis são como o arroz doce. As coisas difíceis sabem muito melhor, quando aprendemos a gostar delas, e a vida é uma coisa muito difícil, é preciso aprendermos a gostar da vida e aprendermos a gostar de nós."

Já os rótulos são aquilo de que menos gosta: "Tenho cerca de três mil obras registadas na Sociedade Portuguesa de Autores, já fiz de tudo um pouco em termos de composição: música erudita, música para cinema, para teatro, para novelas, para outros cantores... Uma melodia é uma melodia, ponto final, e uma harmonia é uma harmonia! Não consigo perceber o que é isso dos estilos, sinceramente. Um cantor canta tudo. E não me venham dizer que há cantores de rock e cantores de fado. Um cantor que sabe cantar, canta tudo! Por acaso, até vou lançar um single diferente em outubro... O que gosto menos são os rótulos: 'Este é cantor de não sei do quê!' Põem-te um carimbo na testa. E tudo podes cantar a melhor coisa do mundo que não deixas de ser 'aquilo'. Sabes quando deixas de ser? Quando vais lá fora e gravas com um estrangeiro qualquer! Mas, enquanto estiveres aqui, nesta aldeia, tens um rótulo. Os rótulos, a mim, não me afetam, mas custa-me que as pessoas não tenham uma mente mais aberta para perceberem que cada um faz aquilo que quer, tem é que fazer bem! A música foi, sempre, uma certeza absolutíssima. Não tinha dúvidas nenhumas. Achava era que, no tempo em que estava parado, tinha que fazer outras coisas. Até porque o saber nunca ocupou lugar e, portanto, mesmo tendo tirado o curso de contabilidade e tendo ido para a Alemanha trabalhar numa empresa metalúrgica, sempre acreditei, tive, sempre, a certeza absoluta. Nunca pensei em desistir!"

Hoje, com 58 anos, tem, também, uma noção mais clara de quem são os amigos: "Tenho amigos neste meio. Amigos é o que não me falta, felizmente! E, hoje, tenho muita noção de quem são os amigos e os pseudo amigos. Cada vez mais!"

Já nas redes sociais, o músico tem-se deparado com fãs e haters. "Percebemos que temos uma série de gente que gosta de nós e uma série de gente que não gosta, claro, isso é normal! Quando vejo uma mensagem em que me chamam 'chulo', apago! Há muita maneira de ver as coisas. Tu podes olhar para uma cena e ver a coisa de maneiras diferentes. 'O Toy está em todas as televisões, é um chulo' ou 'o Toy desenrascou-se e conseguiu ir às televisões todas'. Mas, pronto, quando vejo algo que não me agrada, apago (risos). Já lá vai o tempo em que me chateava. Alguns, até, têm graça! Um conselho que eu dou a quem me ofendeu nas redes sociais: não se atrevam a ir chorar uma lágrima quando eu morrer e a dizer: 'Coitado, era tão bom artista...'. A pior coisa que podem fazer é falarem mal da pessoa a vida toda e dizerem que a adoravam quando ela morre ou quando está em baixo. O maior sintoma da inveja é mandar uma pessoa abaixo quando ela está lá em cima e dizer que é coitadinha quando está em baixo. A inveja é o cancro verdadeiro da sociedade, é o que mata tudo. Se nós ajudarmos os outros a subirem na vida, nós, também, somos compensados com isso. A ingratidão é outra coisa que me tira do sério, e o egoísmo, porque eu penso sempre nos outros, não penso só em mim. Antes de dizeres uma coisa a alguém, pensa sobre como é que gostarias que te dissessem as coisas, se estivesses no lugar desse alguém. Isto chama-se altruísmo. Tira-me do sério as pessoas serem egoístas!"

O endeusamento das figuras públicas é outras das coisas que o cantor dispensa: "Nunca me senti bem com isso. Eu costumo dizer que nós somos só pessoas normais, que têm a sua vida e o seu trabalho. Quando me fazem muitos elogios, não tenho assim muito presente... mas quando me ofendem, não me esqueço. Nunca fiz nada para receber elogios. Faço porque faço e, se receber elogios, fico contente, na altura, depois, já não me lembro. Eu costumo dizer que uma pessoa, quando tem talento, não precisa de ter comportamentos parvos para chamar a atenção. O talento chega para chamar a atenção! Não é por acaso que os meus músicos trabalham comigo há mais de 15 anos. Acho que tenho intuição. Claro que houve pessoas que se aproximaram de mim por interesse, tanto nas amizades, como nos relacionamentos amorosos. Eu, até, senti na grande maioria das vezes, senão todas, mas, às vezes, até, fingia que não sentia, porque, também, tirava algum proveito de algumas coisas. Acho que o segredo é tirares proveito de tudo aquilo que te acontece na vida. E eu costumo dizer que não me arrependo de nada do que fiz, porque as coisas boas foram boas e as más serviram para aprender e para começar a fazer melhor."

Do passado, há um episódio que o magoou especialmente e que não esquece: "Foi quando tive um filho que não era meu (risos). Tive imensos problemas com isso, tive de fazer testes… cheguei a ter de vir do Canadá para fazer um teste de ADN. E o filho não era meu! Mas escreveu-se muito. Alguns exageraram. Acho que, se alguém me quis prejudicar com isso, se virou o feitiço contra o feiticeiro, porque, depois, quando se soube que eu tinha razão, ainda fiquei melhor perante o público. Não me arrependi de nada do que fiz, mesmo as coisas piores, que não foram muitas e, também, não foram assim tão más, não mudava nada. Fazia, exatamente, tudo da mesma maneira, porque, se fizesse de outra maneira, não chegava a esta felicidade que tenho neste momento."

Ser alvo do escrutínio público foi algo a que se habituou: "Acho que é, sempre, muito difícil, para quem não nos conhece, fazer uma avaliação daquilo que nós somos. Ao longo da minha vida, ouvi muitas vezes: 'Achava que você era uma coisa e, afinal, é outra!'. Ser louco não é metermo-nos em substâncias. Temos de ter algum cuidado. Quando somos mais velhos, sim, podemos dar um passinho fora do sítio, mas isso são coisas que se devem fazer quando estamos muito conscientes do que estamos a fazer. E só há uma coisa que não se deve ter: vícios! Isso nunca se deve ter, seja que vício for. Não há vicio de beber, nem de jogar, nem de drogas… eu nem sequer fumo. Bebo vinho à refeição, ao almoço, mas, ao jantar, não bebo. Há aqui uma série de circunstâncias que são importantes, porque uma coisa é passarmos a nossa boa disposição, outra coisa é as pessoas confundirem a nossa boa disposição com outras coisas que, enfim, fazem parte da minha vida e que tenho muito orgulho em não esconder nada. Gosto muito de mim! A pessoa de quem mais gosto é de mim."

Lembrando o AVC que sofreu há 12 anos, Toy falou sobre as preocupações e as prioridades que tem atualmente.

"A minha preocupação é emagrecer, portanto, só almoço, o jantar é, sempre, fruta ou sopa, bebo muita água, evito beber demasiado... Acaba por ser uma forma mais saudável de viver. Faço desporto, tenho muita atividade. A minha grande preocupação são os meus filhos e, agora, a minha neta! Essas são as preocupações inerentes a qualquer pessoa de bem. Se eu morrer amanhã, não tenham pena de mim, nem chorem, porque já fui muito feliz, já vivi momentos maravilhosos, também tive momentos complicados, mas o meu ativo de felicidade é muito maior do que o passivo", frisou. 

"Se eu fosse uma canção, seria a 'Estupidamente apaixonado', porque é uma canção que tem a ver com a minha forma de estar na vida: ou se gosta, ou não se gosta, não vale a pena fingir que se gosta... e toda a minha vida tenho sido assim. Cada vez tenho sido mais puro, ao longo da minha vida. Aos 58 anos, acho que já não vale a pena ter filtros. Sou aquilo que sou, está à vista de toda a gente, e os poucos esqueletos que tinha no armário já os destruí, portanto, neste momento, não tenho telhados de vidro", rematou.

Relacionados

Patrocinados