Entrevistas

Teresa Paula Marques: "Caminhamos para uma 'odiolândia'"

A psicóloga Teresa Paula Marques falou com a SELFIE sobre o mais recente livro, "Odiolândia", no qual aborda os perigos das redes sociais e reúne os testemunhos de várias figuras públicas.

O que a levou a escrever este livro?
Já há alguns anos me interessava por este tema, tanto que a minha tese de doutoramento incidiu sobre a problemática dos riscos e dos benefícios das redes sociais e o impacto de tudo isto no bem-estar e nos comportamentos de risco (relação do online com o offline). Quando, em 2018, fui alvo de ódio devido a ter apresentado o programa "Supernanny", senti necessidade de encontrar respostas para tudo aquilo que tinha acontecido. Comecei então a fazer mais pesquisas, a falar com pessoas que são frequentemente alvo de haters, com o propósito de  tentar perceber o que leva as pessoas a revelar o lado mais maléfico, quando estão à frente de um teclado, e de que modo deveremos agir para (sobre)viver emocionalmente, quando somos atirados para esse território a que chamei "odiolândia". 

Vivemos numa "Odiolândia"?
Infelizmente, estamos a caminhar a passos largos para que essa seja uma realidade. Basta estarmos um pouco atentos para vermos que, diariamente, surgem acesas polémicas nas redes sociais. As pessoas não trocam opiniões e pontos de vista, mas, ao invés disso, partem logo para o insulto e iniciam-se batalhas de ódio, muitas vezes, resultado de mal-entendidos. Os internautas não lêem as notícias até ao fim, ficam-se pelos títulos que são, frequentemente, enganadores e isso leva-os a agir de modo impulsivo e agressivo.

Quais os principais perigos das redes sociais?
Os riscos das redes sociais agrupam-se em cinco categorias: relativamente aos contactos que se estabelecem online; conteúdos que são publicados e partilhados; comércio; desrespeito pelos direitos de autor; e comportamentais. Nesta última categoria estão inseridos todos os riscos que têm impacto na saúde e no bem-estar, como é o caso das dependências e do ciberbullying.

Como lidar com o ódio nas redes sociais?
Ser alvo de ódio nas redes sociais não é algo fácil de gerir emocionalmente e pode até ter um impacto muito nocivo ao nível, quer da saúde mental, quer física. É preciso que todos percebam que o objetivo do hater é incomodar/agredir, portanto ficará bastante satisfeito se sentir que o seu propósito foi atingido. Assim sendo, a melhor estratégia passa por ignorar os comentários e bloquear o hater. No caso de haver ameaças, importa fazer uma captura de ecrã e denunciar o caso, quer aos administradores da rede social, quer às autoridades.

No seu caso concreto, continua a recebe muitos comentários deste tipo? Como lida com eles?
Neste momento, é muito raro ter comentários de ódio. Por vezes, surgem relativamente a terceiros, por exemplo quando publico uma fotografia com uma figura pública e há alguém que tece um comentário negativo relativamente a essa pessoa. Nesse caso, envio uma mensagem privada a esse internauta, dizendo-lhe que, na minha página, não admito esse tipo de comportamento e bloqueio-o, de imediato.

Acredita que esta "Odiolândia" se deve a uma vontade/necessidade de vivermos numa "Amolândia"?
Acredito que vai para além da falta de amor. Trata-se de uma carência de empatia, que vai crescendo, de modo assustador. As redes sociais transformaram-se num "caixote de lixo", no qual algumas pessoas despejam as frustrações, a inveja, a fragilidade emocional, a falta de autoestima, a ignorânia, a intolerância. Estes espaços virtuais possuem características que propiciam que tal aconteça, uma vez que tudo se pode fazer e dizer sob anonimato e gozando de uma enorme impunidade em termos legais.

 

Pode explicar melhor os mecanismos ao serviço do ódio: fake news e hoax?
O termo hoax designa um boato que se espalha na Internet, via correio electrónico ou redes sociais, e que acaba por se tornar viral. As fake news, ou notícias falsas, dizem respeito a "todos os artigos que apresentam opiniões, paródias, rumores, memes, abusos ou falsidades ideológicas". As fake news são estruturadas e podem ser diabólicas e têm como objetivo gerar lucro, enquanto os hoax são, frequentemente, resultado de brincadeiras.

 

Dos testemunhos que reuniu para o livro, qual o que mais a marcou?
Estou extremamente grata a todos os que aceitaram dar os seus testemunhos para o meu livro, porque foram como peças de um puzzle, que foram encaixando e permitiram construir uma imagem muito rica do que é ser alvo de ódio numa rede social. Vários me tocaram, mas em particular o relato da Fanny Rodrigues, quando confessa ter colocado a hipótese de acabar com a vida, a situação terrível que a Maria Botelho Moniz viveu ao ser alvo de perseguição online, os insultos dirigidos ao Pedro Crispim devido à sua orientação sexual, assim como o testemunho da Marta Cardoso por ser completamente "contra a corrente", isto é, por não ter redes sociais.

À luz dos mais recentes acontecimentos (ator Manuel Moreira denunciou mensagem homofóbicas ou o caso de bullyng contra um adolescente que acabou atropelado), quais os conselhos que daria para que as crianças não se tornem haters ou alvos de haters?
É necessário que, desde muito cedo, haja uma educação emocional, de forma a que as crianças desenvolvam a capacidade de empatia. Só assim conseguirão colocar-se no lugar dos outros e tratá-los como gostariam de ser tratados. Importa, também, que aprendam a gerir as frustrações, a aceitar um "não", a respeitar as diferenças e a desenvolver a capacidade de resiliência perante as adversidades do dia-a-dia. Deste modo, existem poucas possibilidades de se tornarem agressores online ou offline. Relativamente a tornarem-se alvos de ódio, é importante apostar na prevenção. Os pais devem informar-se convenientemente acerca do funcionamento das redes e ajudá-los a utilizá-las de um modo seguro e consciente. No meu livro podem encontrar um capítulo inteiramente dedicado à prevenção, quer no caso da criança ser o agressor, quer o agredido.

Qual o próximo projeto que tem na calha?
Neste momento, estou bastante focada no combate ao ódio nas redes sociais e tenho muitos convites para palestras dirigidas a pais e educadores. Em breve, sairá um livro sobre a temática da educação em tempos de pandemia, no qual colaborei e que reúne especialistas portugueses e brasileiros, e que é mais um projeto do qual me orgulho muito em ter participado.

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