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Nelson Garrone, correspondente da CNN, surpreendido com jornalismo em Portugal: "Uma liberdade extrema"

Em declarações exclusivas à SELFIE, Nelson Garrone destacou as diferenças entre o jornalismo feito no Brasil e em Portugal.

Nelson Garrone
Nelson Garrone

Há mais de 20 anos que Nelson Garrone se dedica à profissão de jornalista. Além de ter passado pela GloboNews, Nelson Garrone é, atualmente, correspondente da TVI e da CNN Portugal e, numa entrevista exclusiva, concedida à SELFIE, reconheceu que, de acordo com a respetiva experiência, existem diferenças entre a prática do jornalismo neste e no outro lado do Atlântico.

"Em Portugal, há uma liberdade extrema. É algo com que ainda não tinha lidado. Parece que existe uma confiança extrema no profissional. Ninguém diz muito como vai ser, qual vai ser a pergunta... Dizem só que tenho de fazer um comentário sobre um determinado assunto e só tenho uma restrição: o tempo. Há uma liberdade muito grande, nunca interferem no meu conteúdo. E, às vezes, até pergunto como se diz uma determinada palavra em português de Portugal. Tenho de ser eu a ter essa iniciativa", começou por nos contar.

"No Brasil, é diferente. Se és um repórter e fazes o teu texto, ao passares o texto para o editor, a partir daí, o texto é do editor. Ele faz o que quiser com o texto. Em Portugal, não. Entregas uma reportagem - pronta e editada - e as pessoas recebem e põem no ar. Não alteram nada. Essa liberdade é assustadora e implica uma grande responsabilidade", acrescentou.

Para Nelson Garrone, no Brasil existe, igualmente, uma maior informalidade: "Uma coisa que acho curiosa no jornalismo televisivo em Portugal é a falta de relação entre o repórter e o pivô. Então, o pivô faz o lançamento para o repórter e o repórter nem o cumprimenta. Eu não consigo, porque, para mim, é uma conversa. Na minha primeira participação na CNN, quis saber os nomes dos pivôs para os cumprimentar. Também é mais comum, no jornalismo brasileiro, fazer uma brincadeira, uma referência jocosa - que não seja ofensiva -, a propósito do tema que estamos a abordar. Além disso, em Portugal, parece que os repórteres e pivôs se apresentam aos espetadores como se não houvesse uma relação. A minha ideia não é essa. Acho que há muita gente que quer ouvir a nossa conversa."

Na opinião do jornalista, as diferenças entre ambos os países não terminam por aqui: é que Portugal continua a conhecer muito do Brasil, mas o Brasil ainda conhece pouco de Portugal. Quais os motivos? Este é o ponto de vista de Nelson Garrone: "Há o impacto das novelas brasileiras em Portugal. Não é por acaso que os portugueses conseguem simular o português do Brasil, o que acho muito divertido. Acho que as novelas tiveram esse papel, para além da música brasileira, que é muito peculiar. É uma música com muita diversidade, havendo, sobretudo, a contribuição africana, a contribuição da percussão africana, o que deixa a música brasileira universal. E, depois, em Portugal, além da parte musical, compreendem a parte da letra. A indústria cultural aproxima. E o Brasil é 20 vezes maior do que Portugal. Então, há uma boa quantidade de indústria cultural que transborda para Portugal. O oposto já não acontece."

"Quando contei a algumas pessoas que ia trabalhar com uma estação televisiva portuguesa, elas partilharam comigo o que sabem de Portugal. Há a parte histórica - que aprendemos na escola - de Portugal enquanto país colonizador, a vinda da família real... Depois, cortamos para as ondas de migrações de portugueses para o Brasil. Houve uma época em que, aparentemente, os portugueses vieram para o Brasil como comerciantes e quase que monopolizaram as padarias. De política, não se sabe nada: só se tem a ideia de que o presidente, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, é simpático. E de cultura, havia um cantor que era o Roberto Leal. Era a referência que as pessoas tinham, porque ele interpretava uma música um pouco caricata, com uma dança do vira", sublinhou ainda.

"Ultimamente, houve uma migração de brasileiros para Portugal, que são brasileiros com mais dinheiro e conseguem a residência em Portugal a partir da compra de um imóvel. Perante os problemas que se fazem sentir no Brasil, houve uma elite que meio que fugiu para Portugal e tem a ideia de que é um país barato, com uma boa qualidade de vida e acolhedor. Então, somando tudo isso, que ideia os brasileiros têm de Portugal? Nenhuma! Por exemplo, ninguém sabe da subida dos alugueres. Cai o Governo em Portugal, morre um artista português... não há muito destaque no Brasil. Há um conhecimento limitado sobre Portugal e existe uma ideia ainda estereotipada e rasa sobre o povo português", completou.

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