Entrevistas

Tânia Correia: "Procurar acompanhamento psicológico é um acto de coragem"

A SELFIE conversou com Tânia Correia para conhecer melhor a mulher, a mãe e a profissional por detrás da psicóloga que tem ajudado muitos pais a conseguir lidar com os desafios da parentalidade.

Gostaríamos de saber um pouco mais sobre si e o seu percurso como psicóloga. O que a motivou a escolher esta profissão e como tem sido a jornada até aqui?
Sempre senti uma forte paixão pelo comportamento humano, por descobrir o motivo pelo qual cada um de nós pode ter reações tão distintas. Acho fascinante mergulhar no mundo interno de alguém e desvendar os seus mistérios, trazendo consciência, paz e equilíbrio ao outro. Sabia que teria de trabalhar numa área que me ligasse aos outros e permitisse apoiá-los.
Chegar onde estou foi duro. Escolhi Psicologia há quase dez anos, numa época em que se recorria ainda menos ao psicólogo e em que muitos colegas estavam desempregados. Foi um salto de fé, baseado na paixão que tinha, e não nas portas que iria encontrar abertas. Como tal, tive de vencer vários obstáculos, agarrar-me firme às minhas convicções para não desistir no caminho. Hoje, sou muito feliz naquilo que faço. Tenho dificuldade em dizer que é um trabalho, pois vejo-o como uma causa que me move e preenche.

Ser mãe de duas meninas, em paralelo, deve ser uma experiência desafiadora e enriquecedora. Como equilibra esses diferentes papéis e de que forma a maternidade a influencia enquanto profissional e na forma como se conecta e se identifica com as histórias e os desafios partilhados pelas famílias que acompanha?
Há uns anos, criei uma definição de equilíbrio que me libertou: o equilíbrio é a escolha consciente daquilo que pretendemos desequilibrar. Todos os dias, alguma coisa fica para trás e não há problema nisso. Escolher de forma consciente o que irá ser dá-me a paz necessária para não me cobrar constantemente. Nos dias em que sou uma mãe fantástica e cumpro várias tarefas em casa, tendo a deixar vários aspetos laborais em stand by. Noutros dias, sou a empreendedora mais eficaz, risco tudo o que tinha na lista de tarefas, sabendo que não terei o mesmo nível de energia e disposição enquanto mãe. E assim vou vivendo o meu equilíbrio.
Ser mãe dá-me a humildade de que preciso para me conectar com as famílias. Conheço na pele o cansaço, o peso dos padrões, a culpa, o medo de ficar aquém daquilo que as nossas filhas precisam. Quando trabalho com pais não me vejo acima deles, mas sim de mãos dadas com eles.

Como vê a importância da saúde mental dos pais para o desenvolvimento saudável dos filhos?
Os pais são o solo que permite aos filhos germinarem. Nenhuma planta cresce forte e viçosa num terreno que não é fértil. Pais que cuidam de si, que apostam na sua saúde mental, são terreno fértil para filhos mentalmente equilibrados.
Tal como será difícil ensinarmos um filho a tocar guitarra se não soubermos tocar, também a saúde mental dificilmente existirá em crianças cujos pais não cuidam da sua.

Quais são os principais desafios que, atualmente, os pais enfrentam em relação à saúde mental? E como podem lidar com eles?
Os pais estão sobrecarregados. Existe uma certa romantização social sobre a carga que os pais conseguem suportar, como se isso os tornasse em verdadeiros "guerreiros", capazes de tudo. Acontece que este lugar não é motivo de orgulho e sim de preocupação. Temos cada vez mais casos de burnout parental. A sociedade espera que os pais estejam envolvidos na vida dos filhos, que sejam trabalhadores dedicados, que sejam excelentes filhos, amigos, que construam uma relação conjugal satisfatória, que façam exercício físico e se alimentem bem, assim como à sua prol. São muitos pratos a girar ao mesmo tempo e os pais "sem mãos" suficientes para segurar todos. Sinto que precisamos de ajustar expectativas, libertar os pais das cobranças da sociedade.
Paralelamente, somos o resultado de uma geração (dos nossos pais) que acreditou que os cuidados práticos bastavam. Como tal, temos grandes dificuldades emocionais, de comunicação, de vínculo, que ou nos desdobramos para não as perpetuar, o que é exigente e doloroso, ou ignoramos essa dor, fazendo como vimos ser feito, com grande impacto no nosso bem-estar, pois vamos mantendo essas feridas abertas sem que reparemos nisso.
Os processos terapêuticos são essenciais para que as pessoas se libertem das mochilas que carregam apetrechadas de aspetos das suas histórias, para que aprendam a sentir, para que conheçam os seus pensamentos, e, dessa forma, possam passar a escolher como agir.

Existem muitas mudanças na dinâmica familiar e nos padrões de parentalidade nos últimos anos?
Sinto que esta geração de pais está a fazer uma verdadeira revolução de afetos e vínculos. Muitos estão, de forma corajosa, a ser o adulto que lhes faltou, a dar o abraço que não receberam, a mostrar a empatia que não lhes ensinaram como mostrar, a acolher as emoções que outrora os forçaram a conter.

Como incentiva os pais a lidarem com a culpa e a autocrítica, que muitas vezes surgem na jornada da maternidade/paternidade? Quais são as principais estratégias que recomenda para promover um ambiente familiar saudável e positivo?
Um vínculo (elo de ligação) bem estabelecido é a base para uma comunicação positiva, para a compreensão, para a resolução dos desafios em conjunto.
Para se construir um vínculo seguro é necessário investir em criar uma relação de confiança com os nossos filhos, de empatia, de aceitação das suas experiências, de cooperação, de respeito pela sua visão permitindo-lhes ter uma voz ativa, de abertura para que explorem o mundo e simultaneamente de porto seguro para onde voltam a correr sempre que algo os assusta ou magoa.
Acredito que, tal como promovemos no nosso podcast Bem me Quer by Barral, é necessário os pais saberem mais sobre desenvolvimento infantil, perceberem as necessidades típicas de cada fase, como funciona o cérebro da criança, para que se possam ajustar e responder da melhor forma possível.

Como gere as emoções durante a consulta?
Depende das situações. O sofrimento das pessoas não me assusta, pois tendo a ver o seu potencial e o ponto onde iremos chegar através do nosso processo. Sei que aquelas feridas internas serão tratadas, que a pessoa terá oportunidade de conhecer a sua verdadeira versão, o que me permite não ficar presa à dor.
Confesso que o que realmente me emociona, levando às lágrimas, é o momento em que, depois de avançarmos no processo, as pessoas se conectam consigo, quando a sua essência (quem são) finalmente tem espaço para aparecer, com aquela luz tão bonita que sempre lá esteve escondida por detrás das sombras da sua história, quando finalmente se libertam da culpa, quando dizem como estão orgulhosas de si. É realmente comovente.

Como faz para não levar os problemas dos pacientes para casa?
Nem sempre é fácil fazer essa separação, pois não é um botão que se liga e desliga quando desejamos.
Existem alguns cuidados que tenho à partida e que me permitem fazer alguma prevenção, como não trabalhar diretamente temáticas que, para mim, a nível pessoal, são mais difíceis de gerir. É fundamental, enquanto profissionais, reconhecermos os nossos limites para que não exista um envolvimento excessivo nos casos, passando a trata-los como se de a nossa vida se tratasse. Tal coloca em causa um dos pilares dos processos terapêuticos - promover a autonomia do outro. Este último ponto também me ajuda a manter uma proximidade saudável.

Como faz para não estar sempre a avaliar e a diagnosticar os outros?
Não faço (risos). Confesso que acaba por ser automático colocar hipóteses sobre o funcionamento das pessoas e reparar nalguns detalhes, que aos outros passam completamente despercebidos (nunca fazendo diagnósticos pois não atuo dessa forma, nem é possível fazê-los sem uma avaliação mais séria). A parte que controlo é aquela em que escolho o que fazer com essa informação; posso decidir não aprofundar as questões, nem devolver às pessoas aquilo que podem não estar prontas, nem desejar, receber.

Como lida com a resistência ou o estigma que algumas pessoas possam ter em procurar apoio psicológico durante a jornada parental?
É lamentável que tantos adultos deixem de cuidar de si e, consequentemente, do bem-estar dos seus filhos, devido a crenças desajustadas, baseadas apenas no medo do desconhecido.
Procurar acompanhamento psicológico é um ato de coragem, uma vez que implica mexer onde dói, assim como de amor próprio e de amor pelos outros pois quando cuidamos de nós, estamos a assegurar que todos terão acesso à nossa melhor versão.

Além de trabalhar como psicóloga, é, também, autora de dois livros ("Menina, Mulher, Mãe" e "Laboratório de Emoções"). Quer falar-nos um pouco sobre esta faceta? Quais são os temas abordados nos livros?
A ideia de escrever estes livros não foi minha. Eles surgiram de repetidos pedidos por parte das leitoras da minha página, assim como de um levantamento de necessidades frequentes.
O "Menina, Mulher, Mãe" foca precisamente cada um destes “M´s” que nos compõem, os diferentes papéis dentro de cada um deles, a forma como se articulam e as dificuldades existentes em encontrar o equilíbrio entre si. Traz vários desafios que utilizo em terapia para que as pessoas atinjam um ponto de resultados efetivos. Quase três anos depois, continuo a receber mensagens de leitores (cada vez é mais lido por homens) sobre os resultados que obtiveram a partir dele.
O "Laboratório de Emoções", mais recente, trabalha sobretudo a temática da parentalidade e educação conscientes. Este divide-se em duas partes: a primeira, dedicada aos pais e educadores, que trabalha diversas temáticas dentro das emoções, pensamentos e comportamentos, tendo como pano de fundo o desenvolvimento infantil; a segunda parte, composta por duas histórias infantis, para crianças em diferentes faixas etárias, que permite aos pais trabalharem com as crianças os conceitos explorados na primeira parte, bem como conectarem-se com elas (há também a partilha do seu mundo interno).

Quais são as emoções mais intensas que vivencia ao escrever sobre maternidade, parentalidade e saúde mental nos seus livros ou mesmo na sua página de Instagram?
Talvez indo pelos sentimentos, e não tanto pelas emoções, escolheria o orgulho e a frustração. Orgulho por sermos cada vez mais pessoas a tentarem quebrar padrões, mas simultaneamente frustrada por esse número não evitar todos os relatos que me chegam diariamente sobre a forma pouco respeitosa como continuamos a tratar a saúde mental, sobretudo na infância.

Além das consultas, dos livros e, agora, da rubrica Bem Me Quer by Barral, na SELFIE, em que outras iniciativas está envolvida para promover a consciencialização sobre a importância da saúde mental na parentalidade?
Sou oradora em diversos eventos ligados à parentalidade e ao desenvolvimento humano, vou lançando várias campanhas de sensibilização, com diferentes formatos, centrados na temática da saúde mental, e estou prestes a lançar um projeto, que começará pelas creches, e que terá como objetivo mudar o paradigma da educação em Portugal, o que inclui a forma como nos relacionamos com as crianças.

Como encara o futuro desta rubrica e quais são as suas aspirações para o impacto que ela pode vir a ter na vida das pessoas?
Esta rubrica superou as expectativas de todos os envolvidos e, pelo feedback que vamos recebendo, do público em geral. Acredito que temos um projeto sólido, com real impacto e por isso com condições para continuar a existir, com novidades no formato e surpresas para quem nos acompanha.
Pelas muitas mensagens que fui recebendo, acredito que cumprimos o nosso propósito, trazendo consciência sobre si, assim como compreensão e respeito pela infância. Sei que várias pessoas têm mudado aspetos nas suas relações com os filhos graças a este projeto.

Ao longo dos últimos anos, quais foram os feitos e momentos mais gratificantes para si enquanto psicóloga, autora e mãe?
Enquanto psicóloga, ver tantos pais, tantas pessoas, a finalmente serem capazes de perceber o que sentem, o que pensam, a darem-se o colo que sempre lhes faltou, a nutrir carinho por si mesmos, mudando a forma como vivem as suas vidas, mais alinhadas com quem são, e trazendo isso para as relações com os seus filhos. É mágico!
Enquanto autora, ter lançado um primeiro livro que esteve em primeiro lugar nas livrarias, que já esteve em feiras internacionais e que é relido várias vezes pelas pessoas (uma espécie de companheiro para a vida).
Enquanto mãe, escolheria o momento em que, numa reunião de pais (1.º ciclo), as professoras falaram da empatia, da capacidade de resolver problemas do grupo, da identificação e expressão emocional da nossa filha mais velha, e do facto de ajudar as outras crianças sem ser notada. Foi a confirmação de que todas as sementes que fomos colocando ao longo dos anos deram frutos.

Qual é a maior realização pessoal que sente ao ver o impacto positivo do seu trabalho na vida das famílias que acompanha?
Aquilo que faço diariamente é uma extensão de quem sou, da minha essência. Apoiar o outro e vê-lo evoluir, ter uma voz na sociedade, é uma das formas de eu existir, de sentir que passo o dia com uma pessoa com quem gosto de estar, de me orgulhar no mundo que irei deixar para as nossas filhas.

Como lida com o peso emocional de lidar com situações em que a intervenção psicológica é necessária para garantir a segurança e o bem-estar de uma família?É importante, enquanto psicólogos, sabermos que o nosso papel é conduzir cada ser humano à sua melhor versão, lado a lado. Quando tomamos a dianteira, tentando puxar o outro, ou nos sentimos no papel de salvadores, perdemos a visão mais racional que também precisamos de ter, projecamo-nos e passamo-nos a ver a nós mesmo, ao invés de vermos o outro e aquilo de que precisa. É fundamental respeitarmos a autonomia de quem acompanhamos, o que passa por sabermos que têm o direito a gerir a sua vida, dentro daquilo que respeita a sua integridade física e psicológica.

Quais foram os momentos mais tocantes ou inspiradores da sua carreira como psicóloga e autora, nos quais se sentiu profundamente conectada aos desafios e às alegrias das famílias?
Uma vez, numa Feira do Livro de Lisboa, uma criança, que vinha acompanhada pela mãe, abraçou-me com força e agradeceu-me por ter ajudado a sua mãe. Segundo ela, desde que a mãe tinha começado a ler "o livro rosa" (o "Menina, Mulher, Mãe"), tinha mudado e, agora, eram mais felizes. Essa experiência marcou-me muito, pois deu-me a certeza de que toda esta dedicação vale a pena.

Qual é a mensagem emocionalmente mais poderosa que deseja transmitir aos pais que estão neste momento a enfrentar dificuldades em relação à saúde mental e à parentalidade?
Diria que aquilo que estão a atravessar é das oportunidades mais duras que a vida lhes irá apresentar. Chegarmos ao nosso limite é um convite para mergulharmos fundo e finalmente tratarmos aquilo que, até então, não nos impediu de funcionar, mas foi-nos travando e corroendo.
Algures dentro de si, há uma criança sentada, a sentir que não é vista, não é escutada, nem amada. É tempo de finalmente cuidarmos dela com todo o amor.
Todos merecemos viver e não apenas sobreviver. Não se contentem com menos do que isso.

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