Tratando-se de um programa de entretenimento, o "Big Brother" tem tido também a capacidade de colocar o público a discutir temas muitas vezes fraturantes. Questionam-se determinados comportamentos e põem-se em causa valores e crenças há muito enraizados na nossa sociedade. Este grupo de participantes não foge à regra e um elemento imediatamente se destacou, já que coloca em cima da mesa a questão da identidade de género, um assunto delicado e ainda envolto em preconceito.
À partida, todos acreditamos que vivemos num país livre, mas o certo é que só em 2018 foi decretada a lei que "estabelece o direito e proíbe qualquer discriminação em função do exercício do direito à identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais". Nesse mesmo ano, realizava-se, em Viseu, a 1.ª Marcha Pelos Direitos LGBTI+. Mas não são as leis que mudam mentalidades, isso leva o seu tempo.
Antes de tudo, é necessário percebermos o que significam alguns conceitos, começando pelo acrónimo LGBTQIA+, que é utilizado para designar as orientações sexuais e as identidades de género. Cada letra representa uma categoria: L (Lésbica); G (Gay); B (Bissexual); T (Transgénero); Q (Queer); I (Intersexo); A (Assexual); e o sinal mais (+), que indica inclusão de outras que não estejam representadas.
A orientação sexual diz respeito ao desejo sexual predominante de uma pessoa, que pode ser por alguém de um género diferente, igual ou de mais de um género. Em linhas gerais, consideram-se heterossexuais as pessoas que sentem desejo por pessoas de sexo diferente, enquanto homossexuais por pessoas do mesmo sexo.
Quando nos referimos à identidade de género, já estamos noutro campo, uma vez que este conceito está relacionado com a perceção que cada um tem de si mesmo, isto é, se interiormente se identifica com o seu género biológico ou não. Assim sendo, se uma pessoa nasceu com órgãos sexuais masculinos, é socialmente esperado que a sua expressão de género combine com o universo masculino, em termos de roupa, voz, estilo, comportamento, etc. É neste ponto que algumas categorias não se encaixam, de entre as quais as pessoas não-binárias.
Os/as não-binários/as sentem que a sua identidade de género está algures entre o que se considera masculino e o que é do universo feminino, ou até constitui algo completamente diferente e muito pessoal. Daqui resulta que tanto a sua identidade como a expressão de género não estejam limitadas ao masculino e feminino. Por exemplo, podem usar roupas tipicamente masculinas e, ainda assim, o modo como falam e se comportam remeter muito mais para o que se considera feminino. Em resumo, a identidade de género não está ligada diretamente à anatomia física ou atração sexual, mas sim à forma como uma pessoa se identifica internamente.
É então compreensível que todos se sintam um pouco baralhados quando alguém se assume como não-binário/a. porque é uma realidade completamente nova. Tudo se complica, quando isto implica a utilização de pronomes neutros, como "elu/delu", em vez de "ele/dele" ou "ela/dela", e "ile", como alternativa a "ele" ou "ela", linguagem ainda pouco utilizada ou até desconhecida por muitos.
Ainda assim, o que importa reter é que todas as pessoas têm o direito a serem respeitadas, independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género. Para isso, contribuirá que, no início das relações, haja cedências de parte a parte, ou seja, que a pessoa não-binária evite de se sentir ofendida se os outros não souberem como lidar com ele/a, assim como os outros se deverão mostrar recetivos para mudar as suas crenças pré-concebidas, muitas vezes baseadas em preconceitos. Como diz a frase icónica de Fernando Pessoa: "Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se". E o certo é que todos temos a lucrar se a nossa sociedade se tornar mais tolerante e inclusiva.