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André Carvalho Ramos lança livro escrito com "punhos de sangue": leia a entrevista!

André Carvalho Ramos conversa com a SELFIE sobre a obra A Última Fronteira. O jornalista da TVI e da CNN Portugal avança ainda uma novidade: vem aí um podcast.

Como surgiu a ideia de transformar A Última Fronteira num livro com o mesmo nome?
Na verdade, foi o inverso. Eu já estava a trabalhar neste livro quando surgiu a possibilidade de fazer o documentário. Quando cheguei à fase final do processo de escrita, avancei para as entrevistas que considerei fundamentais. Comecei, em virtude do meu percurso na área das migrações, a receber respostas afirmativas aos meus convites. Desde António Vitorino, à época diretor da Organização Internacional para as Migrações, da ONU, à Comissária Europeia Ylva Johansson. Todos aceitaram falar comigo em exclusivo. Foi então que propus ao meu diretor de informação, Nuno Santos, transformar parte do meu livro num documentário, aproveitando o acesso que estava a conseguir a estas personalidades absolutamente relevantes. O documentário conta as diferenças entre o acolhimento de refugiados ucranianos e de refugiados não-ucranianos. O livro é muito mais abrangente e inclui histórias no Mediterrâneo, na Grécia, na Polónia e nas duas guerras que hoje estão ativas: Ucrânia e Palestina. E, em breve, haverá um podcast, com um registo diferente, no qual estou a trabalhar neste momento.

Em algum momento dos oito anos em que trabalhou nesta investigação, projetou a publicação desta obra?
Desde o momento em que cheguei à Grécia, no pico da crise de refugiados, que decidi que ia escrever este livro. Fiquei a dormir nos mesmo locais onde estavam a pernoitar refugiados, fi-lo porque não queria ser um observador externo. Quis compreender a vida daquelas pessoas acabadas de chegar à Europa. Tinha um caderno, que guardei até hoje, onde tirei notas de tudo. A memória pode atraiçoar-nos e falhar-nos, sobretudo quando nos sentamos à frente de um computador oito anos depois .Então, guardei todas essas minhas notas: o cheiro dos campos de refugiados, os coletes deixados para trás, o silêncio da colina onde fui muitas vezes ver o mar. Registei nos meus cadernos todos os detalhes dos locais onde estive, em cerca de dez países, para conseguir trazer o leitor comigo a estes sítios e a viver exatamente o que eu vivi.

O que podemos encontrar neste livro?
No meu livro, quis contar sempre três histórias em paralelo: as histórias de quem foge, as suas motivações e os seus medos; as histórias dos países de origem e os porquês da fuga; e a história da Europa. Por vezes, falar apenas em "refugiados" permite que tratemos estas pessoas com indiferença. Mas, se falarmos do Omar, iraquiano, e conhecermos a história dele... Já será mais difícil sermos cruéis. O relato que faço neste livro é também o resultado de uma reflexão profunda, até distanciada, sobre as migrações na Europa. Por vezes, dou por mim a pensar se não podia ter sido mais generoso com a Europa. Mas, depois, chego sempre à mesma conclusão: e a Europa? Não podia ter sido mais generosa?

Porquê Paulo Portas para assinar o prefácio?
Tenho investido na minha especialização em Relações Internacionais. Voltei, inclusivamente, a estudar. E Paulo Portas é um dos grandes nomes de referência. É um pensador como poucos sobre o mundo e isso é evidente no comentário semanal que assina na TVI, o "Global". Normalmente, associamos a direita a posições mais conservadoras e reticentes ao acolhimento e integração de migrantes. Não que eu valide esta ideia, mas admito que seja um consenso generalizado. Por isso mesmo, quis desafiar alguém cuja área política é conhecida e que, ao mesmo tempo, pudesse contribuir, pelas funções governativas que exerceu, com uma reflexão mais aprofundada sobre este tema. É bom ouvirmo-nos e lermo-nos uns aos outros sem dogmas nem preconceitos. Este tema está cheio disso. O prefácio acabou por me surpreender e acredito que também surpreenderá os leitores.

Em A Última Fronteira, aborda as crises migratórias, para as quais, como jornalista, se tem voltado muito nos últimos tempos. Porquê o interesse nesta temática?
Arrisco dizer que as migrações são o grande tema polarizador da nossa sociedade. Sempre que se discute o tema, os argumentos inflamam-se muito rapidamente. É um tema que acende as maiores paixões e os maiores ódios. Foi assim comigo também. Quando vi, em 2015, a fotografia de um bebé sírio morto nas praias da Turquia, percebi que algo estava errado. Comecei a fazer o planeamento para a minha primeira grande reportagem e embarquei assim que pude. Tinha 26 anos, foi o meu primeiro grande trabalho. Era muito jovem e tudo aquilo marcou-me profundamente como jornalista e como homem. Ainda hoje, mantenho contacto com as pessoas que conheci na Grécia e que, hoje, estão em diversos países da Europa. Hoje, à beira das eleições europeias, vemos como as migrações voltam a ser assunto. É por isso que é importante que os jornalistas nunca desliguem deste tema, porque isso significa deixá-lo ser instrumentalizado pelos populistas.

Qual é o feedback que tem tido de leitores?
Muitos leitores escrevem-me a dizer que conseguiram transportar-se para os sítios onde eu estive. É a principal mensagem que recebo das pessoas mais diferentes. Elogiam a descrição detalhada que faço nas páginas do livro. Para mim, é uma missão cumprida. Era exatamente isso que queria e era esse também o meu grande desafio. Estou habituado a escrever para televisão e não preciso de descrever situações: as imagens mostram tudo. O documentário "A Última Fronteira", por exemplo, não tem uma única linha de texto meu. O livro é um exercício oposto. Temos de levar o leitor a ver o que nós vimos usando a palavra. A melhor coisa que me escreveram foi uma leitora que referiu que eu tinha escrito o livro com "punhos de sangue". Acho esta ideia fortíssima pelo que significa sobre a crueza das histórias que conto.

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