"Ouro Verde": "Os momentos mais maléficos estão reservados para os últimos episódios"

A Selfie desafiou a autora de "Ouro Verde", Maria João Costa, a partilhar connosco os seus sentimentos relativamente à novela e às personagens.

Maria João Costa
Maria João Costa

Qual é que foi a cena mais impactante? 

Até ao momento, umas das que causou maior impacto foi o grande encontro entre o Jorge e o Miguel. Foi uma cena muito forte. Foram cinco minutos de cena, em que o Jorge diz quem é, revela que é o Zé Maria, e que está lá para fazer justiça e para o fazer sofrer. Até ao momento, destacaria essa, mas vamos ter mais. Acho que este é um bom exemplo e quem não o viu, devia ver, porque a cena é muito boa e só acontece porque temos dois grandes atores a contracenar. Atores que aguentam o peso que a cena tem. E eu, quando a escrevi, sabia que era longa, mas ela tinha que ser longa, porque tinha que ter aquele peso na história. Afinal, o Jorge esperou mais de 15 anos por este momento. E a cena tinha que ser assim: forte, pesada...

E o momento mais maléfico?

Os momentos mais maléficos estão reservados para os últimos vinte, trinta episódios. O último bloco tem ali umas coisas muito maléficas e que têm a ver com o Jorge. É quando ele se torna mais perverso. Vai ser interessante, porque é inesperado. Mas há muitos momentos maléficos, desde o começo da novela, como as coisas que a Vera vai continuar a fazer. Também há algo que tem a ver com a morte da Catarina - uma morte muito violenta, que o Miguel provoca e deixa que o filho seja acusado em nome dele.

Algum arrependimento, em relação ao percurso de uma personagem?

Arrependimentos, propriamente ditos, não tenho nenhum. Há coisas de que tenho pena, porque, na história, podiam ser diferentes, mas teve tudo a ver com limitações, questões de produção e disponibilidade dos atores, que têm um determinado tempo programado para gravar e não podem estar a gravar além disso, ou têm que sair mais cedo da novela. São questões que se impõe, que não dependem de nós e que nos obrigam a fazer mudanças na história e a fazer acertos. O caso da Neném foi um deles. E eu tive pena, porque a Neném poderia ter ficado mais algum tempo na história, mas foi totalmente impossível ela continuar. Tinha a mãe doente, no Brasil, uma mãe com mais idade que estava a precisar dela e a atriz não podia ficar mais tempo em Portugal. Mas acho que, no final, acabou por ser interessante para a personagem do Jorge, porque lhe «tirou o chão» e ficou mais fragilizado, precisando muito da Bia. Portanto, apesar de eu ter pena da saída da Neném, não diria que é um arrependimento, porque é algo que não controlei. Mas esta é daquelas cenas que mais lamento na novela.

Qual é que foi o seu episódio preferido?

É difícil ter um episódio preferido, mas há momentos que nos ficam. Há um momento que toda a gente vai, sempre, recordar, que é aquele primeiro encontro e primeiro olhar, à porta da fazenda, entre o Jorge e a Bia, em que se reencontram, ao fim de tantos anos e se reconhecem, de alguma forma. Há um momento em que o Jorge tem uma grande conversa com o coronel Cavalcanti, na fazenda, e lhe diz que, um dia, tudo isto será seu. É uma conversa longa que, também, me marcou bastante. Outros momentos, como aquela conversa do Jorge e do Miguel, aquele grande embate, em que ele lhe diz ao que vem e tudo mais. Há imensos momentos, como quando a Bia descobre quem é o Jorge. E há um episódio, que me lembro de ter visto recentemente, que gostei imenso: quando o Miguel descobre que a Rita lhe roubou o dinheiro e corre atrás dela com uma pá na mão e entra em casa, atrás dela, e lhe quer bater. Ela até conta à família toda que o Bernardo é filho dele e não do António e, ainda no mesmo episódio, uma confusão com a Rita, numa sequência muito boa. Vai haver muitos episódios com interesse. Gosto muito dos três últimos episódios que escrevi, que vocês ainda não sabem o que são. Não acreditem em tudo o que leem nas revistas. Muitas coisas são inventadas. Os três últimos episódios vão ser muito bons e têm uns finais inesperados, que vão ter que ver para entender, mas acho que vão gostar.

Qual é que foi a personagem que deu mais trabalho a construir?

É evidente que há personagens que nos dão mais trabalho, porque têm de estar sempre em cena, como é o caso dos núcleos principais, que nos obrigam a ser criativos, em relação ao que lhes acontece. Tem de estar sempre a acontecer qualquer coisa a esse núcleo, portanto, nesse sentido, talvez sejam mais trabalhosas. Não há uma ou outra personagem que seja mais trabalhosa. É um todo que dá mais trabalho. Como todas as histórias se cruzam, na verdade, é muito difícil nomear uma personagem. Acho que a novela foi muito trabalhosa como um todo. A criatividade dá algum trabalho, porque nos obriga a pensar um bocado, a fazer pesquisa... Isto é uma maratona.

Tem uma personagem favorita?

É muito difícil para um autor ter personagens preferidas, porque todas habitam no nosso coração e todas fazem parte de nós, são família quase, de algum modo: os bons e os maus. É evidente que gosto muito do protagonista, o Jorge Monforte. Ele é o motor disto tudo, sem ele a história não existia e ele não é o herói clássico, que segue, em linha reta, à procura da justiça. Ele tenta encontrar essa justiça de uma forma, às vezes, um bocadinho dúbia e pouco linear até, e eu gosto disso nele, porque lhe dá mais camadas enquanto personagem. Ele é uma pessoa para a qual alguns meios são lícitos se lhe permitirem atingir determinado fim. Ele não é capaz de matar, tem alguns limites morais, mas não tem problemas em ver o Miguel aniquilado e destruído. Não se sente culpado por vê-lo mal. E se o puder ver sofrer vai ter prazer nisso. Ele não é o típico bonzinho. É evidente que o Jorge sofreu muito às mãos do Miguel, mas ele podia ser tão bom que seria incapaz de desejar mal a alguém, mas não é o caso. Ele é incapaz de matar. Aliás, se ele quisesse matar o Miguel não teria ficado 15 anos à espera. Ou teria mandado matá-lo. Mas ele queria mais do que isso. Ele passou 15 anos a preparar uma vingança, mas, mesmo que ele não tivesse feito nada, a justiça divina chegaria na mesma. E o que eu quero dizer com isto é que, às vezes, nós perdemos muito tempo na vida com projetos de vingança que, depois na prática, só nos fazem perder tempo, parar, bloquear, em vez de avançar em direção a outras coisas que podem ser boas para nós. Este amor da Bia vem salvá-lo, nesse sentido, vem fazê-lo viver de novo, apesar de todos os problemas que lhe traz, e fá-lo perceber várias coisas, nomeadamente que ele iria ver o Miguel ser castigado, de uma forma ou de outra, porque o Miguel teria sempre um final muito penoso à espera. O Jorge vai perceber que há pessoas que são tão mazinhas e diabólicas que ele perde um pouco o pudor em relação à morte e não se importa que elas morram. Ele continua incapaz de matar, mas pode deixar morrer, ou seja, se ele tiver que decidir entre a vida ou a morte de alguém, ele é capaz de decidir que essa pessoa morra. Quando, talvez, no início da história, ele fosse incapaz disso, mas com tudo que acontece a seguir, ele percebe que realmente há gente que não faz falta nenhuma. E isso é uma das grandes transformações dele. E eu acho que isso o torna uma personagem interessantes. Mas ele faz isto pela arte da manipulação. Ele vira um pouco as pessoas umas contra as outras. Com eu digo, às vezes, digo, mete o rato na jaula do leão e deixa-os ali aos dois. Portanto, quem é que mata? O leão ou quem pôs lá o ratinho? E, portanto, acho que ele se vai tornando um bocadinho perverso nisso, bastante perverso, até. Mas vai crescendo, porque ele percebe que há diferentes maneiras de fazer justiça e a Bia aqui é muito importante para ele, no sentido da redenção. A Bia permite-lhe essa redenção, do amor o libertar dessa raiva, dessa angústia, que ele sentiu ao longo destes anos todos. O amor leva-o para um lugar acima e a Bia tem um papel muito importante por causa disso. E ela própria tem um processo. Ela é muito ingénua no início e vai crescendo, vai-se tornando mais madura e vai aprendendo a confiar no Jorge. Vai aprendendo a ficar do lado dele, apesar de tudo, e chega a um momento em que o Jorge precisa muito da Bia. Sem ela talvez não tivesse força para ir até ao fim, mas, independentemente disso, há outras personagens de que eu gosto. Gosto muito dos vilões, porque os vilões permitem-nos dar muitas nuances às personagens e o Miguel é um excelente vilão. É um grande vilão, porque tem muitas nuances. Ele também não é um vilão clássico, no sentido de ser só maligno ou só fazer maldades. Ele, pelo caminho, baralha-se um pouco. Há momentos em que ele, quase, deseja ser bom, mas percebe que não poderia, porque fez tanta maldade para trás, que o passado o persegue. Por um lado, ele tem aquela sede de poder e de ambição, mais forte do que ele. Ele não suporta a ideia de passar pela vida, como um comum mortal, de viver sem destaque, sem poder ou sem dinheiro. Isso, para ele, não é viver. Ele chega um bocado a esta conclusão. Isto é mais forte do que o resto, assim como a maldade, que também se impõe. Mas eu gosto muito das oscilações que ele tem. Ele entra em várias crises, que lhe vão colocar vários dilemas pessoais sobre a sua própria existência. Ele poderia escolher a redenção, fazer as pazes com tanta agente, e corrigir as asneiras que fez, mas ele faz exatamente o oposto. Ele entra naquela lógica que não tem nada a perder e, aí, revela a sua verdadeira natureza, que é má. E é vilão até ao fim. Depois, há outras personagens de que eu gosto muito, curiosamente três, que nem existiam em nenhuma sinopse, mas que mal eu comecei a escrever a novela, logo no primeiro episódio, senti falta delas, e vocês vão-se rir porque são personagens fundamentais na história, mas que eu só descobri ao escrever o primeiro episódio. São o Lúcio, o Otelo e o Joaquim. Na primeira cena percebi logo que faltava ali gente e tornaram-se vitais na história e cresceram imenso e, à volta deles, todo um universo de gente. É engraçado porque o Otelo e o Joaquim são dois grandes malvados, de que eu gosto imenso. Gosto muito dos três, pelas diferentes formas como eles funcionam. Divirto-me imenso com a Rita, como é evidente, que teve para ser, desde o início, esta tia louca, que só diz disparates, mas aconteceu uma coisa muito engraçada que foi a relação dela com a Laurinda, e esta também foi inesperada. E é importante dizer isto para perceberem como um projeto de construção de uma novela é tão dinâmico. Por mais que se escreva sinopses, só quando começamos a escrever, e aquele universo ganha vida, é que começamos a perceber as necessidades que a história tem. E, então, é ai que nascem as coisas mais interessantes da novela. É evidente que temos que ter um fio condutor que é sólido, mas a história fica mais rica com estas coisas que vão aparecendo. E isso é muito orgânico. A Laurinda, que nem existia como personagem e era para ser um elenco de apoio, e quando eu percebi que era a Ana Saragoça, então, aí, surgiu esta loucura da Laurinda. Rimo-nos muito a escrever as cenas, porque elas formaram uma dupla muito bem conseguida. E a Laurinda vem humanizar a Rita. Há, ainda, uma personagem nova que surge a trinta capítulos do fim, que é a Maria Teresa, que vem dar uma volta muito grande e eu gostei imenso dela. Ela é séria e sofrida, mas é muito divertida. De um modo geral, estou contente com todos. Às vezes, destaco os papéis mais pequenos, porque me surpreendem, como o Cassiano Carneiro, que me surpreendeu muito com o Edson, tal como o Nuno Pardal a fazer de António ou como a Sílvia Pfeifer a fazer de Mónica, que está muito realística e sofrida.

Relacionados