Entrevistas

E esta? Pedro Crispim fala sobre tempos da tropa em entrevista imperdível!

Pedro Crispim fez uma revelação, em exclusivo, à SELFIE.

É muito estimado pelo público, mas esta página da sua história poucos conhecem.
Sim! Nunca falei disto publicamente.

Em que ano é que esteve na tropa?
Algures entre 1997, 1998.

Onde?
No Regimento de Comandos - Exército, na Serra da Carregueira, em Belas.

Nessa altura, ainda era obrigatório.
Sim, fiz parte do regime obrigatório. Confesso que, na altura, não estava com vontade alguma de ir à tropa. Além disso, também existia em mim o desconhecido. Não tinha noção alguma, não tinha pesquisado, não sabia o que eram a tropa e o regime militar. Passava-me muito ao lado.

Como enfrentou, então, o desafio?
A partir do momento em que lá entrei, só tinha uma solução em cima da mesa para resistir àqueles oito meses: transformar-me num bom militar. Rapidamente, tive essa noção.

Sentiu um grande impacto com essa nova realidade?
Absolutamente. Cá fora, era um selvagem, por assim dizer. Quando fui para a tropa, acabei por perceber a importância de existirem regras, de criar rotinas e de cuidar de algo. No fundo, ao dia de hoje, com 45 anos, sinto-me muito grato por ter passado por isso.

Voltaria a passar por um desafio desses?
Não [risos]! Não era algo que gostaria de repetir, porque foi muito intenso. Vejamos: na altura, era obrigatório e, quando assim é, existe, sempre, um certo sentimento de resistência. Trata-se de uma experiência que eu não pretendo repetir, seguramente. Atualmente, reconheço que fez sentido naquela fase da minha vida e considero que faz sentido se a pessoa tiver interesse em vivenciá-la ou se pretender fazer carreira nessa área. Caso contrário, ficará um sabor agridoce. No entanto, volto a dizer que me sinto grato por ter passado por isso, porque aprendi muito naqueles oito meses.

Revelou que se queria tornar num bom militar. Qual foi a estratégia que usou?
Tudo o que pudesse agarrar e fazer bem feito era isso que tentava. Esforçava-me para mostrar que era bom a fazer fosse o que fosse. Das coisas mais triviais do dia-a-dia, como descascar batatas, por exemplo, até ao facto de guardar o quartel, com uma arma, e estar de vigília. Não esquecendo, também, os exercícios desportivos, como flexões, carreira de tiro, elevações, corridas. Em suma, tudo o que punha em causa a nossa resistência. Aquilo era tudo novo para mim. Mas, ao mesmo tempo, também me desafiava, todos os dias, a ser melhor e a destacar-me pela positiva.

Esse esforço redobrado surtiu efeitos?
Sim. Isso aconteceu, de alguma forma. Na realidade, fui destacado dentro da estrutura da minha recruta e senti-me parte daquilo enquanto lá estive. Mas, para mim, foi um alívio quando, ao fim de oito meses, me abriram as portas para poder vir embora [risos]. Na minha cabeça, só pensava: "Se é para fazer, que seja bem feito". Levantava-me mais cedo do que a hora suposta, ia sempre além fisicamente do que aquilo que o meu corpo queria dar... Nas semanas de campo, tentei tirar o máximo daquilo fisicamente e cheguei a ver as alterações no meu corpo. Era mesmo muito desafiante.

É conhecida a exigência que impera nos Comandos.
Toda a estrutura era de profissionais dos Comandos, mas, naquela altura, estavam extintos e só voltaram em 2002. Eu não estava como Comando, não era esse o meu papel, era só um soldadinho de chumbo [risos], mas, na realidade, senti um bocadinho daquela energia nas pessoas, nas conversas, nos edifícios e nos desafios da recruta.

Lembra-se do seu primeiro dia na tropa?
Sim. Lembro-me perfeitamente do dia em que o meu pai me foi deixar lá, no dia e na hora que me foram atribuídos, senti... [Pausa.] Colocaram-me num género de jipe de caixa aberta, íamos todos sentados... Conforme me ia afastando do meu pai, do carro e dos outros pais que se foram despedir... Aquilo deu-me uma nostalgia gigante. Fiquei muito emocionado. Mas eu sabia que não podia vacilar, não podia mostrar fraquezas. Foi aí que percebi que tinha de me safar, que estava por minha conta.

Apesar dessa força de vontade, foi-se abaixo alguma vez?
Foram oito meses, em que muitas das vezes a vontade era a de subir por aqueles muros e vir para a minha vida, para o meu conforto. Tive de controlar muitas vezes as lágrimas. É muito desafiante física e emocionalmente. Ouvi de tudo. Somos constantemente espicaçados para reagir. Assisti a colegas a sofrerem mais, porque eram menos resistentes ou porque mostravam, mais facilmente, as emoções. Tornavam-se alvos fáceis para aqueles que tinham posições de liderança. Era injusto e deixava-me muito revoltado.

Foi o que mais lhe custou?
Posso dizer que sim. Não tínhamos voz ativa para nada. Custou-me, porque sou falador, gosto de dar a minha opinião. Odeio injustiças, considero-me uma pessoa justa e também bastante claro na minha visão, não só sobre mim, mas também sobre os outros. Havia coisas com as quais não concordava mas, se falasse, seria castigado.

Aconteceu alguma vez?
Sim, aconteceu uma vez ou duas vezes.

Quais foram os castigos?
Ou tinha mais tarefas, ou tinha de fazer flexões, por exemplo. Tinha de cumprir, ponto final. Foi a primeira vez na minha vida que me senti mais condicionado. Sou uma pessoa que tenho sede de viver. Gosto de estar e de falar e, ali, o meu mundo eram aquelas quatro paredes do quartel.

Sentia-se sozinho?
Muitas vezes! Aquelas pessoas não eram as minhas pessoas. Não conhecia ninguém até ali entrar. Era gente de todos os lados, mas, bom, todos nós tínhamos isso em comum. Só nos restava trabalhar em equipa. E a semana de campo foi muito boa para nos unirmos. Quando algum de nós fraquejava, vinha alguém e apoiava. Existia uma solidez entre os recrutas muito forte, porque só nos restava isso. Realmente, auxiliavam. Não havia perguntas, nem pedidos. Estávamos sempre muito atentos às necessidades dos outros. A todos os níveis. E, no meio de todas as obrigações, também havia momentos de felicidade, partilha, risota e união.

Que tipo de coisas desagradáveis é que vos faziam?
Lembro-me, por exemplo, de estarmos deitados nas camaratas e vinha um grupo de soldados para se meter connosco. Como eram graduados, pensavam que se podiam meter connosco. Pediam-nos para fazermos flexões às três da manhã. Estávamos sempre nesta corda bomba. Tínhamos a noção de que, se não acontecesse nada naquele dia, poderia acontecer no seguinte. Nunca sabíamos o que poderia acontecer. Estávamos sempre atentos e alerta. Mas tínhamos de manter sempre a postura, do início ao fim. Acho que isto me deu algum jogo de cintura e, enquanto homem, alguma resistência.

Como conseguia manter o equilíbrio?
Existiam várias camaratas e, naquele ano, muitas delas estavam vazias. Muitas das vezes, saía da minha e seguia por um corredor sem fim e ia lá para o fundo. Sentava-me, só para ficar em silêncio, só para me organizar mentalmente. Lembro-me, perfeitamente, dessa necessidade. Da minha privacidade, dos meus pensamentos, de ouvir a minha música. Sentia muita falta disso. Nas casas de banho, a privacidade também era pouquíssima. Aproveitava, quando os outros dormiam, para ir lá para o fundo e estar sozinho, em silêncio, para arrumar as minhas emoções, pensamentos e saudades. Fazia muito isso e sei que isso foi fundamental para o meu equilíbrio. Esses minutos que eu tirava para mim, durante a madrugada - e não eram muitos, porque todos os passos que dávamos eram controlados. Ia pé ante pé e já estava a transgredir as regras –, eram arriscados, mas compensavam. Se assim não fosse, seria ainda mais intenso. Ainda hoje faço a mesma coisa. Procuro, muitas vezes, o silêncio e a solidão, para me equilibrar e me tranquilizar.

Quanto é que recebia por mês?
Se não estou em erro, recebia cinco contos, 25 euros. Acho que foi o cachê mais baixo que recebi na minha vida [risos]. Deveria ter sido muito mais bem pago. Tenho a certeza de que fiz um excelente trabalho. Mas este valor era geral, todos os recrutas recebiam isso. E, feitas as contas, descobrimos que, com 25 euros, um fato verde e meia dúzia de coisas para tomarmos banho, conseguimos sobreviver e, no fundo, ser felizes.

O que aprendeu com a tropa?
Aprendi a descascar batatas, descobri como pintar paredes, aprendi a fazer uma cama e a arranjar peixe, por exemplo [risos]... Até esta altura, deveria ter uns 18 anos, não sabia fazer nada disso. E não é que em casa os meus pais não me dissessem para eu o fazer, mas, como não tinha de fazê-lo, nunca foi uma escolha minha fazê-lo. É aquela questão do facilitismo. Fingia-me de distraído e passavam essas tarefas. Mas, se, na tropa, não o fizesse, seria castigado. Ali não havia atalhos, soluções.

Houve algo que passou a valorizar mais?
A minha liberdade, sem sombra de dúvidas.

Mantém o contacto com alguém desses tempos?
Sim, mantenho o contacto com algumas pessoas que conheci nesse tempo.

Para terminar, considera que a tropa faz falta a muita gente, nos dias que correm?
Não e explico porquê. Acredito, piamente, que existem pessoas que não possuem sequer consciência de que precisam de alterar algo. E que, independentemente do que lhes aconteça, nunca aprendem e repetem sempre o padrão. Não estão interessadas em alterar nada na forma como lidam com os outros, como gerem os seus dias e a sua vida. Por isso, se não existe vontade e disponibilidade, não existem milagres. Muito menos na tropa!

Veja, agora, as imagens de Pedro Crispim na tropa, na galeria de fotos que preparámos para si!

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