Filipa Serejo partilha capítulos do seu primeiro livro

Jornalista da TVI, Filipa Serejo juntou-se a duas amigas, Ana Rita Bivar e Alexandra de Jesus, para lançar o livro "You Got a Message". Com a Selfie partilha, em primeira mão, dois capítulos.

Ana Rita Bivar, Alexandra de Jesus e Filipa Serejo
Ana Rita Bivar, Alexandra de Jesus e Filipa Serejo

A espantosa profecia do fim do mundo ou nem por isso…

Querida Filipa,

Essas unhacas assassinas serão um prenúncio do fim do mundo?
Desde o princípio do mundo, que metade da população vive obcecada com o seu fim e a outra metade, a fazer tudo para que isso aconteça.
Francamente?
Acho que ainda não recuperámos daquele arrufo que Deus teve com o Adão e Eva.

Estávamos no princípio dos princípios e havia um Jardim criado por Deus sem herbicidas e transgénicos, porque os americanos, ainda não existiam. Nesse Jardim, Deus, primeiro fez o Adão, perfeito, alto, espadaúdo e disse-lhe que disfrutasse e comesse de todas as árvores menos de uma.
Como Adão se sentia sozinho, tirou-lhe uma costela e fez a Eva. E quando tudo corria bem no Jardim do Éden e o Adão e Eva, viviam na mais pura das inocências como vieram ao mundo, apareceu a serpente e como aquelas “amigas da onça” que só dão maus conselhos, disse à Eva para comer a maçã da árvore proibida para ficar a conhecer o bem e o mal e deixar de ser trouxa. Eva, curiosa e na sua inocência, colheu uma maçã e deu-lhe uma dentada e generosamente, ofereceu-a ao Adão para que também experimentasse. Imediatamente, os olhos de ambos abriram-se para um mundo novo e a primeira reação, foi envergonharem-se, porque estavam nus e cobriram-se imediatamente com umas folhas de figueira.

Não disseram nada a Deus, que só veio a descobrir da asneirada que tinham feito, quando um dia estava passear pelo Jardim do Éden e os encontrou cobertos pelas folhas de figueira.
De imediato, Deus percebeu o que se tinha passado e perguntou a Adão:
-“Mas quem te fez conhecer que estavas nu, senão o ter comido da árvore, que eu te tinha ordenado que não comesses?”

E foi aqui que Adão borrou a pintura toda e respondeu armado em queixinhas:
-”A mulher que me deste por companheira, deu-me do fruto da árvore e comi.”

Podia ter mentido, ou assumido a culpa, mas não, escondeu-se cobardemente debaixo das saias de Eva, neste caso, a folha de figueira de Eva.
Deus, já um bocado enfurecido virou-se para Eva e disse:
-”Porque fizeste isso?”
Ao que a pobre respondeu:
 - “A serpente enganou-me e comi.”
E pronto, a partir daqui foi o descalabro!

Começou pela cobra que ficou logo ali amaldiçoada e condenada a andar de rastos e a comer terra até ao fim dos seus dias. A seguir foi a Eva e todas as mulheres. De castigo, Deus multiplicou todo os seus trabalhos, condenou-as à dor do trabalho de parto e a serem dominadas pelos homens para sempre.
Depois, chegou o momento de saber o castigo do Adão…
Senta-te, porque nem vais acreditar. O Adão foi condenado a ser agricultor e a viver à mercê do tempo e do que terra lhe dá. Estás à espera de mais alguma coisinha? Então continua sentada, porque é só.
A coisa é de tal forma acintosa, que a Humanidade não recuperou até hoje e se Deus fez o que fez por causa de uma maçã, imagina se aparecesse agora, que o mundo está transformado numa Babilónia, o que não nos faria. Provavelmente um dilúvio, mas desta vez sem direito a Arca.
Com esta consciência e porque Deus aparece cada vez menos, por ter sido ultrapassado pelo deslumbramento nas novas tecnologias, muitas pessoas no seu subconsciente, estão à espera de um castigo de dimensões bíblicas, como o fim do mundo.
Começou por estar marcado para o ano 2000, mas não se passou nada. Depois houve nova marcação para 2012.

Dessa vez, as previsões para o fim do mundo eram de tal forma convincentes, que houve pessoas que se mudaram para uma aldeia isolada dos Pirinéus, conhecida por ser o lugar mais seguro do mundo em caso de catástrofes. E também dessa vez o mundo não acabou.
De qualquer das maneiras, quem se mudou para os Pirinéus saiu a ganhar, foi viver para um lugar de sonho, cheio de gado e aldeias que não têm casas com azulejos.
Por aqui, que também é um lugar seguro para esperar pelo fim do mundo, mas onde os azulejos proliferam, têm o pavor do Apocalipse. Uma vizinha, que ao contrário de mim, tem televisão e me dá todas as notícias pela varanda, tempo, inclusive, com oscilação das temperaturas e tudo, no outro dia dizia-me:
-Ai Dona Iana, isto vai de mal a pior... até a natureza está morrer. No outro dia estava com o meu homem a matar as ervinhas da horta e reparei que até as andorinhas estão a morrer, caíam no chão e as borboletas também. São os sinais que o fim do mundo está próximo Dona Iana…

- Ó senhora Alzira desculpe que lhe diga, mas isso da bicharada andar a morrer toda na sua horta não é normal. Conte-me lá, como matou as ervinhas da horta?

-Ora essa! Com o remédio das ervas que deixa tudo limpinho, limpinho e com pouco trabalho.

-Então aí tem a explicação para o seu Apocalipse! Foi o herbicida que deitou que matou os insectos e as andorinhas. Os insectos morreram envenenados, as andorinhas que são insectívoras, comeram-nos e morreram também. E tinha já alguma coisa nascida?

-Umas couves muito tenrinhas para a sopa que comemos ao almoço.

-Pois senhora Alzira, se quer um conselho, deite-as para o caixote do lixo e não volte usar o remédio para matar ervas, porque o que aconteceu às andorinhas, vai acabar por lhe acontecer a si.

-Não Dona Iana, toda a vida usámos o remédio e deixa tudo limpinho, limpinho. Agora vou rezar o terço, que este mundo bem precisa, é o fim dos tempos Dona Iana, é o fim dos tempos…

O próximo fim do mundo estava marcado para a sexta feira passada, se esta mensagem te chegou, é porque ainda não foi desta e não há razão para ficares alarmada. Porque amiga, isto não é o fim do mundo, é só o fim da picada!

Ana Rita

Senhor Armindo, o calceteiro

Querida Ana Rita,

Não me venhas agora com teorias da conspiração… Também tu?
Já me chegam os esquemas malucos do senhor Armindo, o calceteiro que anda a assentar pedra à porta da minha casa!

Nem calculas o que tem sido a minha vida. O homem está convencido que o mundo inteiro conspira contra ele, que vai acabar os dias a bordo de um cargueiro, enfiado num contentor, no meio de toneladas de pedra da calçada e de grades de minis. Imagina a loucura…

Segundo o senhor Armindo o esquema está montado:
- Eles andem aí menina, mortinhos para deitarem a mão a isto tudo. Bá por mim, já estebe mais longe. Um dia destes forram tudo a betão armado e bendem esta marabilha aos amaricanos ou aos ingaleses. Ai não tenha dúbidas. A mim não me enganam eles.
Sou burro belho, já cá ando há muitos anos. Esta cantilena, que eles inbentaram, de que a calçada não é boa para cegos e coxos traz água no bico. Bai bêr…Quando derem por ela já começaram alevantar os paralelos no Marquês e bão por aí afora até chigar ao Rossio. O D. Pedro, lá do alto, se bê isto até dá boltas no túmulo!

Amiga não aguento mais!
Bem tento não dar trela ao homem, mas os miúdos deliram com o estaleiro que aterrou aqui na rua. Martelos, marretas, carrinhos de mão, forquilhas, picaretas, calhaus e areia a perder de vista. Para eles, o senhor Armindo põe o Bob o Construtor num chinelo e arruma com o Manny Mãozinhas a um canto. Para mim, o diacho do calceteiro é a encarnação do Freddy Krueger, não me deixa dormir e arrasa comigo acordada:
 -Menina, os seus filhos são um berdadeiro encanto e lebabam jeito para coisa. Dabam uns bons aprendizes, não fosses eles andarem aí. Como já benderam tudo o que habia para bender, agora bão despachar esta beleza para pagar a Díbida Pública.

Isto é material de primeira colidade, custa uma fortuna. Sabe quanto pedem por o metro quadro? 70 aerios, a pedra branca. Se for a preta, pode chigar aos 250. Já biu o dinheirão. É o nosso pitroleo. Querem dar cabo dele e de nós calceteiros. Bai ser uma razia desgraçada. Quando tiberem alevantado a calçada toda da cidade, arrancam também a nossa estátua, ali na Rua da Bitória, e transformam a nossa escola num hotel. Não é o que andam a fazer ali Baixa, a fichar tudo o que é estabelecimento? Atão!

Minha querida, diz me tu…
Como é que eu desmonto a teoria da conspiração do Senhor Armindo? O homem é um bicho. Maior que o rinoceronte de D. Manuel I. O rei que só saía à rua quando fazia anos. Parece que o animal era tão fino como sua Alteza Real e como não podia sujar as patorras de lama, lá mandaram forrar o chão que ele pisava com pedra. Se o maldito rinoceronte não estivesse morto e enterrado, esganava-o bem esganado. Ficava o assunto resolvido. Não havia nem calçada portuguesa, nem senhores Armindos doidos varridos.

Acho que vou embarcar na loucura do homem. Logo quando me cruzar com ele vou mudar de discurso:

- Viva senhor Armindo! Estive a pensar no que me disse e acho que tem toda a razão. Eles andam mesmo por aí! Querem acabar connosco, as mulheres portuguesas, as únicas no mundo que conseguem desfilar como gazelas neste chão maravilhoso, com saltos de doze centímetros. Sabe o que lhe digo, são uns estafermos.

Se fossem espertos aproveitavam os nossos dotes e criavam assim uma corrida tipo; cem metros com barreiras em pedra da calçada. Arrebatávamos o ouro, a prata e o bronze e fazíamos boa figura lá fora. Está a imaginar uma inglesa ou uma americana a correr de saltos colina acima, colina abaixo? Estatelava-se ao comprido, não acha senhor Armindo? Temos que salvar o chão que pisamos a todo o custo.

Conte comigo para arrasar com eles, que andam por aí. Quando eles chegarem avise-me, está bem? Damos-lhes uma marretada, enfiamos essas almas no carrinho de mão e vamos despeja-los ao Tejo. Que me diz?

Filipa