Entrevistas

A primeira entrevista de Patrícia Ribeiro após sair da prisão: "Quero regressar aos palcos"

A cantora Patrícia Ribeiro concede à SELFIE a primeira entrevista desde que está em liberdade condicional.

Em meados de 2016, Patrícia Ribeiro foi condenada a oito anos de prisão por ter extorquido um empresário, ameaçando-o com a divulgação de fotografias íntimas. Além da cantora, também o namorado da altura (o relacionamento terminou já durante o cumprimento da pena) foi considerado culpado.

Seis anos depois, Patrícia Ribeiro deixou o estabelecimento prisional de Tires, em liberdade condicional, e é à SELFIE que concede a primeira entrevista desde que, segundo a própria, "renasceu". O que gostaria de dizer à vítima? Fez mais amigas ou inimigas na cadeia? Acredita no regresso à música? Conheça, agora, as respostas daquela que é considerada a primeira cantora transexual portuguesa.

Como estão a ser os primeiros dias de liberdade?
Fantásticos. O facto de poder estar junto da minha família e de ter acesso ao mundo exterior, ao fim de seis anos, é uma sensação diferente. É como se estivesse a renascer enquanto pessoa, a reaprender a viver em sociedade. É como se fosse uma criança a dar os primeiros passos.

Quando saiu?
No dia 21 [de novembro].

Como recebeu a notícia?
Eu tinha tido uma audição no final de setembro e, portanto, estava a aguardar uma decisão sobre se me seria ou não concedida a liberdade condicional. Confesso que estes quase dois meses foram mais sofredores do que os seis anos em que vivi em reclusão. Sou muito católica e foi também isso que me ajudou a ultrapassar as situações difíceis no meio prisional, porque nem sempre corre tudo bem. Mas sempre dei a volta por cima e consegui reerguer-me. Sempre fiz muitas orações. Deus esteve sempre comigo e foi-me concretizando sempre os meus pedidos, embora tenha sido difícil. Há aqueles feelings, aqueles sextos sentidos...

E houve neste caso?
Sim. Eu trabalhava na lavandaria da instituição e, no dia 21, estava irrequieta e ansiosa. Andava de um lado para o outro... Eram 11 da manhã quando uma colega se dirigiu à lavandaria e chamou por mim, dizendo-me que o senhor comissário queria falar comigo com urgência. As minhas colegas ficaram em alvoroço! Quando lá cheguei, ele olhou para mim e disse-me: "Vais embora". Perguntei se era mesmo verdade ou se ele estava a brincar comigo. Fiquei sem reação.

O que fez a seguir?
Pedi ao senhor comissário se eu podia dar a notícia, ali, à minha avó. Liguei-lhe e ela também ficou sem palavras. Eu disse-lhe que ia apanhar um táxi e que ia logo para lá. Depois, arrumei as minhas coisas rapidamente e saí. Só acreditei quando cheguei ao portão e percebi que, de facto, estava cá fora.

Como foi esse momento?
É uma sensação de libertação... É o recomeço de uma nova vida! Poder estar livre, solta, sem estar a ser controlada por alguém...

Pelo que percebi, não tinha ninguém à sua espera.
Não, porque foi tudo naquele momento... Geralmente, as libertações nunca são da parte da manhã. Fiquei tão nervosa...

Saiu em liberdade condicional.
Sim. Estive presa seis anos. A pena era de oito anos.

Teve saídas precárias?
Sim, ao longo deste ano. Ao todo, foram três.

Arrepende-se de ter feito o que fez?
Claro que sim. Foi uma fase negra da minha vida. Se fosse hoje, não o faria. Mas acho que todos nós cometemos erros. Aprender com os erros que cometemos e assumir os erros é o principal para podermos realizar uma mudança em nós. Mais vale tarde do que nunca para podermos redimir-nos dos erros. Este tempo serviu muito para eu refletir e interiorizar os erros que cometi, porque sei os danos que causei à vítima. Foi uma grande lição de vida, uma grande aprendizagem... Depois da reclusão, percebi que não há nada nem dinheiro algum que pague a nossa liberdade. A liberdade é, de facto, o melhor que podemos ter na nossa vida.

O que gostaria de dizer à vítima?
Que estou arrependida e que, se fosse hoje, não o faria. Tenho consciência dos erros e dos danos que causei, quer do ponto de vista emocional, quer da esfera pessoal e familiar. Peço-lhe imensa desculpa. Peço perdão pelos danos que lhe causei.

A Patrícia foi condenada juntamente com o seu namorado. Este relacionamento mantém-se?
Não. Estou solteira.

Terminou há quanto tempo?
Terminámos há dois anos. Mas, sobre isso, não quero falar.

Há pouco, disse que "nem sempre corre tudo bem". O que não correu bem enquanto esteve presa?
O percurso prisional passa por várias etapas. No início, há sempre uma fase de revolta, de não aceitação do meio onde estamos inseridas... E, de facto, no início, houve algumas dificuldades da minha adaptação ao meio prisional. Mas acho que isso faz parte.

Partilhava a cela?
Não. Por acaso, tive sempre o privilégio - por opção, por recomendação e, também, por alguma proteção por parte da direção do estabelecimento - de estar numa cela sozinha, enquanto estive em regime comum. Em regime aberto, já não eram celas, mas, sim, quartos. E eu estava num quarto sozinha.

Na prisão, fez mais amigas ou inimigas?
Ai... [Pausa.] A prisão é um mundo diferente, à parte da realidade. Tem de se saber viver dentro do meio prisional: observar mais, conter-se menos, dar menos palpites... Inimigas, não digo que tenha feito. Amigas, faz-se, mas é muito raro.

Fez alguma amizade?
Fiz, mas poucas.

Já era uma mulher de fé ou a prisão levou-a a isso?
Sempre tive fé. Deus acompanhou-me sempre nos momentos mais difíceis. Mas confesso que, dentro da prisão, precisei de agarrar-me a algo. E foi, de facto, na reclusão que aprofundei mais a questão da fé.

Rezava todos os dias?
Todos os dias. De manhã, ao acordar, e à noite, antes de me deitar.

A avó, de que falou há pouco, é o grande pilar da sua vida?
A minha avó, de facto, é a pessoa mais importante da minha vida. Mas foi ótimo também poder contar com a minha mãe, com o meu pai... Toda a família tem-me dado imenso apoio, força e coragem neste novo recomeço.

Em algum momento, sentiu que alguns elementos da família ficaram desiludidos consigo? Alguém lhe virou as costas?
No início, foi um choque para a minha família, mas nunca ninguém me virou as costas, porque também quiseram ouvir o outro lado. Graças a Deus. Foi um choque, sim, porque não tínhamos nenhum elemento na família que tivesse tido problemas com a Justiça. Eu também nunca tinha tido problemas com a Justiça. Teve um grande impacto na altura.

E perdeu amigos?
Acho que não eram amigos. Os amigos verdadeiros sobrevivem aos momentos mais difíceis. Os amigos veem-se, de facto, quando estamos num hospital ou numa prisão. Não vou mentir-lhe: foram muito poucos ou quase nenhuns os que permaneceram.

Agora, segue-se a reinserção social. Teme que seja difícil, ainda para mais sendo uma figura com algum mediatismo?
Estamos a viver, a nível mundial, um momento difícil. Tenho noção de que a economia está fragilizada, mas sempre demonstrei ter muita determinação. Sempre tentei reinventar-me e estou com muita força e com uma estrutura familiar bastante consistente. Estou motivada para começar uma nova vida, quem sabe na área da estética ou como cabeleireira. Sei que o meio artístico é muito instável. Claro que quero regressar aos palcos, mas sei que é mais difícil. Espero que não haja aquele estigma da reclusão e que haja oportunidades. Vou agarrá-las com muita força, porque, neste momento, preciso de todo o apoio.

Portanto, está à procura de trabalho.
Exatamente.

Mas acredita que vai conseguir regressar à música?
Espero que as portas, dentro do meio artístico, se possam abrir. De alguma forma, fui responsável por dar a cara por questões de identidade de género. Fui uma figura de referência. Por isso, acho que também seria bom que valorizassem essas questões no meio artístico e que pudessem dar-me as oportunidades de que, agora, necessito.

A identidade de género alguma vez foi uma questão dentro da prisão?
Aprendi a lidar com essas situações. Nem todas as pessoas têm a mesma abertura, mas, na generalidade, fui bem aceite. Não posso dizer o contrário.

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