"Clotilde e a força da razão", por Pedro Sepúlveda

Nos últimos tempos, as agressões de professores a alunos reabriram a polémica da violência nas escolas. Muito debate, muita indignação, mas, sinceramente, não compreendo. Para mim, um professor bater num aluno chamava-se, simplesmente, "Aulas da professora Clotilde".

Copywriter TVI
  • 13 jan 2020, 16:10
Pedro Sepúlveda
Pedro Sepúlveda

Nós chamávamos-lhe "Clotilde cara de botilde". Não só porque éramos putos estúpidos, mas, principalmente, porque ela era feia e má.

A Clotilde era uma senhora pequenina, com metro e meio por metro e meio. Uma chaimite em forma de ser humano, larguinha nos lados e no mau génio. Sim, a professora Clotilde tinha uma característica muito especial: quando não sabíamos uma resposta, dava-nos vendavais de porrada, como nem o Chuck Norris dava aos traficantes de droga. Era uma forma muito própria de ensinar.

A sua principal arma era o estalo bem aviado nas fuças, que punha qualquer um nocaute. Nem o Pardal, o tipo mais encorpado da turma, saía incólume, depois de um encontro com a mão da Clotilde. O pobrezinho ficava com os olhos trocados e o cabelo em todas as direcções. E não era para menos, pois a mão da Clotilde parecia uma Nissan Vanette, ótima para trabalhos pesados e fácil de estacionar no bolso. Só sabíamos que tínhamos sido atropelados por ela quando acordávamos.

Mas a Clotilde não se ficava por aqui, não, não ficava. O arsenal da cabra era vasto e imaginativo.

Outro dos seus métodos de ensino à força era dar-nos com o ponteiro de madeira, ou, caso estivesse mais próxima de nós, com o apagador de giz na cabeça. Eram pancadas secas na tola, que nos punham a recitar Fernando Pessoa que nem poetas. Para o Pardal, “fogo que arde sem se ver” tem um significado muito mais profundo do que para o resto dos mortais.

Mas a sua prática de ensino mais peculiar era o arremesso de giz às nossas cabeças. Isso mesmo, arremesso. Por que não ter exercício físico no incentivo à aprendizagem? Bem pensado, melhor executado. Lá vai alho.

Devo dizer, aliás, que ela tinha um estilo lindo, uma técnica perfeita, com souplesse de braço, que soltava o giz em slow-motion, dos seus gordos dedos, até aos nossos pequenos crânios. Era agressão-Arte em movimento.

Que o diga o Pardal, que ainda hoje tem buracos na cabeça à conta do giz que levou na mona.

A régua de madeira era universal, qualquer professor que se prezasse tinha uma. A Clotilde tinha duas; Uma para nós, e outra só para o Pardal, que era mais fortezinho.

Brutais ou não, justificados ou não, a verdade é que com os métodos da professora Clotilde fiquei bem preparado para enfrentar o mundo real. Mais que não seja, bem preparado para levar nas trombas.

Nunca mais soubemos dela, depois de sairmos da escola. É normal. Crescemos, tornamo-nos adultos e fomos à nossa vida. Mas, infelizmente, há pouco tempo, descobrimos que faleceu. Não nos deram muitos pormenores, apenas que morreu de causas naturais - embora as más-línguas digam que foi atropelada pelo Pardal. O que, no fundo, seria perfeitamente natural.

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