Uma das novidades desta oitava edição do Lisboa Games Week foi o ciclo de conferências LGW TALKS, em que se debateram os grandes desafios do mundo gaming com destaque para o tema das mulheres nos jogos, que tive a oportunidade de moderar.
Continua a ser importante (e necessário!) falar sobre a representatividade da mulher que joga ou trabalha em qualquer outra área dos videojogos, como é o caso de Mafalda Duarte, produtora e diretora do estúdio independente de videojogos "Telescope Games", na Alemanha, e que representa a "Woman In Games", na qualidade de coordenadora do programa de embaixadoras mulheres que trabalham em todas as áreas dos videojogos.
Em debate esteve a importância do trabalho das marcas, que espera-se (cada vez mais) que procurem ativamente ouvir as mulheres e as suas queixas para serem parte integrante da mudança e ajudarem a elevá-las, sem que exista apenas um aproveitamento da temática, como sublinhou Nuno Melo Cristino, diretor criativo na empresa alemã de publicidade Build a Rocket, que se dedica a gaming e Esports (gaming engloba todo o tipo de jogos, enquanto Esports refere-se a competição).
Acresce o tema da representação das mulheres nas personagens femininas dos videojogos - tantas vezes sexualizadas – e a forma como as mulheres são tratadas nos servidores. A má experiência online é inegável e os problemas são universais. O bullying e o assédio são reais e desencorajadores, fazendo com que as mulheres não se sintam incluídas nem bem-vindas.
Fala-se também muito no skill gap entre homens e mulheres nos videojogos, mas tendo em conta que, aparentemente, as diferenças físicas não são limitativas, há quem defenda que as mulheres evoluiriam mais a jogar com homens e que podem inclusive vir a jogar tão bem ou melhor do que os homens, se tiverem os mesmos apoios e se tivermos tantas mulheres quanto homens a jogar.
Falta, por isso, um espaço seguro (ou vários!) para que possam crescer e evoluir. Falta mentoria e redes de apoio. Falta criar condições para que as mulheres também possam estar nos grandes palcos como os homens.
É assim que nascem projetos como o "Videojogo, Disse Ela", uma comunidade de networking para jogadoras e mulheres que trabalham na indústria do gaming, fundada por Vanessa Vieira Dias, product marketing manager na área do gaming e do metaverso.
É assim que surge também o festival "Girl Gamer", fundado por Telmo Silva, em Macau, em 2017. Nessa altura, era o único festival mundial para mulheres. Ciente de que era preciso trabalhar o problema de raiz, porque existiam muitas equipas femininas que não evoluíam por não terem os apoios necessários, e de que era necessário criar um ambiente seguro que promovesse as skills das jogadoras, este festival surge com o intuito de criar oportunidades, mudar o mindset, motivar, inspirar, apoiar, dar role models às novas gerações de raparigas e normalizar. Mas o caminho nem sempre foi fácil e logo no primeiro ano do festival, uma marca saltou fora ao saber que o evento era destinado apenas a mulheres.
"Seria importante haver mais festivais como este, mas o objetivo é que ele deixe de existir por já ter cumprido a sua missão", sublinhou Telmo Silva, lembrando a geração de meninas que brincavam com Barbies enquanto os meninos brincavam com Gameboys ou a geração das meninas que, no máximo, jogavam SIMS e não jogos tipicamente de rapazes.
O reconhecimento é também ele um fator importante e no caso do "Girl Gamer" todas as jogadoras são medalhadas, para que se sintam validadas e apoiadas, o que também contribui para aproximar as famílias.
E por falarmos nas famílias, ficou um alerta para os pais que já têm o hábito de ir ver, por exemplo, os treinos de futebol dos filhos mas que ainda não têm o hábito de ir ver os filhos jogar no computador nem demonstram interesse pelos jogos ou pelos colegas com quem estes passam tempo a jogar online. Tudo isso faz parte da mudança cultural/geracional que está a acontecer. A sociedade em geral – e sobretudo quem não joga videojogos – ainda tem dificuldade em encarar o ato de jogar videojogos como uma qualquer outra modalidade. O preconceito é real. Não é a mesma coisa que dizer que vamos ali jogar padel. Quem joga videojogos é tantas vezes rotulado como "um nerd, solitário, que percebe de computadores".
Neste contexto, a designer Joana Pinto, que também faz parte da organização do "Girl Gamer", partilhou que também ela foi rotulada quando trabalhava na área do mobiliário de luxo e descobriram que era gamer. E porquê, se há tantos profissionais de diferentes áreas - médicos, advogados, banqueiros, etc. - que jogam videojogos todas as noites? Vamos continuar a acreditar que afeta o lado profissional?
O preconceito intensifica-se ainda mais quando se teima em encarar o videojogo como uma ferramenta negativa, sem se olhar também para os benefícios, como as skills que os jogadores desenvolvem de liderança, espírito de equipa, ligação à comunidade, entre outras.
E, não, não é um objetivo ao alcance de todos e há que ter consciência disso, por mais horas que se dediquem aos jogos. "É mais difícil ser-se atleta de Esports do que jogador de futebol", frisou Telmo Silva.