Começa que já não é feito por um cozinheiro, mas, sim, por um Chef, dito com sotaque franciú e a fazer boquinha: Chef.
Mas, pior do que isso, é o facto de o hambúrguer já não ter molhanga. Sim, molhanga da boa, daquela que nos engordura as mãos e acaricia a alma.
Agora, há "suculentos aromas a envolver a carne", seja lá o que isso for. Vai-se a ver e já nem a carne vem do vaquedo comum, daquele que rumina e tal. Agora, deve vir de bovinos morfologicamente superiores, com oito pernas e chicha ariana.
No hambúrguer já nada é como era.
O primeiro desafio é ver quem põe mais coisas lá dentro: carne, tomate, queijo e bacon é apenas o princípio.
Hoje, um hambúrguer a sério tem 130 andares, é arquitetonicamente evoluído e tem vista desafogada.
Também vem em versões para todos os gostos: versão vegetariana, versão vegan, para intolerantes ao glúten, intolerantes aos hidratos de carbono, e, com jeitinho, para intolerantes ao hambúrguer.
Também vêm com 130 andares.
Para comê-los, sem deslocar o maxilar, é preciso uma boca com os talentos da Cicciolina.
Depois, o pão: ele é hambúrguer em pão de sementes, de centeio, de milho, em bolo do caco, em pão de forno de lenha, em pão integral, em pão caseiro e até em pão colorido. É o Tinder da padaria: muitos pães à procura de uma dentadinha.
Seguem-se as batatas: em palito ou redondas, batata-doce ou normal, agora a trend são as cascas de batata, carinhosamente apelidadas de "lascas". No fundo, foi aquele dia em que se acabaram as batatas no restaurante, o Chef olhou para o caixote do lixo e pensou: "Hmm, se calhar até pode funcionar…". E funcionou.
(Só para que conste, o tipo que teve esta ideia é o meu ídolo.)
O molho para as batatas: m[ô]lhos ou m[ó]lhos? Depois de meia-hora de discussão inútil, os m[ô]lhos variam entre a maionese, a maionese com alho, o molho agridoce ou o molho da casa (que, normalmente, é a maionese, mas com salsa por cima). A criatividade é a mãe de todos os m[ô]lhos.
Por fim, o toque de génio: gourmet. Esta simples palavra mudou os hambúrgueres para sempre. É que estes não são os hambúrgueres do tasco da nossa rua, nada disso. A provinciana hamburga deu lugar a um sofisticado burguer, com sotaque nova-iorquino.
O que antes era feito com sal e margarina, agora, é feito com sal, margarina e classe. Muita classe. Imensa classe. Às vezes, com mais classe do que carne. Continuamos uns alarves, mas, agora, em chique.
O que se queria um prato simples, hoje, é um prodígio da engenharia culinária. Nem a saudosa Filipa Vacondeus fez tanto, e muito fez ela com restos de bofe.
O hambúrguer, tal como o conhecíamos, está reformado e emigrou para o nosso imaginário.
Hoje, o hambúrguer já não é um mero hambúrguer: é um avanço civilizacional. Com molho da casa.