Psicóloga Tânia Correia explica o que acontece quando deixamos as crianças a chorar sem apoio

Um dia, um professor que tive contava, com orgulho, o método infalível para o filho ter deixado de chamar e chorar à noite.

Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência / OPP: 24317
  • 5 abr, 11:46
Tânia Correia
Tânia Correia

Durante a noite, após o filho chamar pelos pais, trancou-lhe a porta do quarto. Do outro lado a criança chorou, esperneou, mas o pai, certo da sua missão de educar, não cedeu. Algumas horas depois, aconteceu o impossível: a criança deitou-se e adormeceu sozinha.

Depois dessa noite, tudo mudou: o menino nunca mais chamou pelos pais.

Incrível, não é? Até seria, se fôssemos apenas feitos de resultados.

Ao longo do tempo, as descrições feitas pelo pelo professor sobre a relação com o filho denotavam um claro afastamento emocional, mas que era muito valorizado como "o meu filho não deu trabalho nenhum"; "o meu filho resolve tudo sozinho, nem precisa de falar com ninguém"; "desde aquela noite nunca mais o vi chorar".

Naquela noite, a criança aprendeu uma lição: nos momentos mais desafiantes só podia contar consigo. Ainda que com a melhor das intenções, aquele pai não tinha educado o filho, tinha alterado a maneira como este se via a si (mais desprotegido) e aos outros (incapazes de o ajudar).

As experiências das crianças não geram apenas resultados (que, às vezes, até parecem muito positivos), elas são compostas por processos.

Bater resulta, mas implica um processo de aprendizagem de submissão através da violência ou de a usar no futuro como forma de poder.

Deixar a criança a chorar sem apoio resulta, mas implica um processo em que ela aprende a contar só consigo e a desconfiar dos outros.

Obrigar a criança a "engolir o choro" resulta, mas implica um processo de total desconexão emocional que a deixará mais susceptível a desenvolver ansiedade e outras dificuldades emocionais.

Não nos centremos naquilo que parece resultar, mas, sim, nos motivos pelos quais parece resultar. Cada resultado pressupõe um processo que será uma aprendizagem para a vida toda.

Resulta? Mas o que é que a criança aprendeu com isto? Esta é a grande questão.

Texto de 3m’s - Menina, Mulher, Mãe

Tânia Correia
Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência / OPP: 24317

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