Luís Mateus: "As mulheres não percebem nada de futebol?"

A Selfie lançou-me o tema, e é curioso que, também recentemente, recebi o pedido de uma aluna para que colaborasse na sua tese de mestrado em jornalismo, que abordava precisamente a temática do papel das mulheres na vertente desportiva da profissão.

Diretor Maisfutebol e Editor de Desporto da TVI
  • 17 set 2018, 12:28
Serão estas as adeptas mais fervorosas do Mundial 2018?
Serão estas as adeptas mais fervorosas do Mundial 2018?

Os dois temas, a questão em epígrafe e esse trabalho universitário, tocam-se, obviamente. Um jornalista desportivo precisa conhecer o meio em que trabalha e, no caso do futebol, a maior parte das suas especificidades, e as últimas décadas viram um crescimento da população feminina na profissão e, especificamente, a abordar o futebol como principal objeto.

Há uma comparação que poderá parecer fora de contexto, mas que ajudar-nos-á, acredito, a aprofundar o tema. Todos nós portugueses nos surpreendemos, sobretudo quando nos comparamos com outros de outras nacionalidades, com a naturalidade como que absorvemos outras línguas quase de penálti, sobretudo o inglês. Deve-se muito à forma como nos chega desde muito cedo, acompanhado por legendas e não dobrado, em todos os filmes e séries emitidos na televisão. Conseguimos expressar-nos tranquilamente e até com o tom certo, enquanto, ao mesmo tempo, ver um espanhol como Rafael Nadal a tentá-lo, depois de anos e anos no circuito a ser obrigado a fazê-lo, é no mínimo embaraçoso para o próprio. 

Quando avançamos para a discussão da questão de género no perceber de bola identificamos de imediato uma determinada predisposição para conhecer o jogo mais por dentro, sem dúvida maior no homem. Jogámos à bola nos pelados e rasgámos os joelhos no alcatrão, sonhámos ser Maradonas quando ainda não havia Ronaldos e Messis, brilhámos e falhámos em treinos de captação, fomos federados como se dizia na altura e, enquanto tudo isto se passava, víamos jogos, respirávamos futebol desde que nos conhecíamos, íamos colecionando conteúdo nos cantos mais recônditos, e entretanto também muitos perdidos, da nossa memória, e enchíamo-nos de recordações nos estádios na companhia dos nossos pais. 

São poucas as mulheres da minha geração que viveram tudo isto. Aí sim era uma coisa de género, uma objeção cultural, apesar da luta das marias-rapaz, e o seu direcionamento é bem mais tardio, se é que sequer chega a acontecer. Hoje, a predisposição continua maior no masculino, mas a diferença começa a diluir-se. Vejo-o muito na formação, seja no futebol ou no futsal, e estão paralelamente a ser levantados alicerces de ligas competitivas. 

O feminino ganha força, a todos os níveis. 

O paradigma ainda diz que a mulher parte atrás. Contudo, isso não significa que não possa terminar à frente.

Não é tão linear como parece, O homem tem mais ingredientes para poder fazer uma boa omoleta, mas pode não saber cozinhar. Pode ter argumentos para perceber melhor um balneário porque o viveu, identificar um grande jogador porque o defrontou ou viu passar toda a carreira nos ecrãs, e até vislumbrar triângulos desenhados nas movimentações no relvado porque teve um treinador obcecado por ligar bem as equipas. É tudo é verdade, mas será que todos permanecem com essa bagagem? Absorveu mesmo tudo o que viveu? Provavelmente, não. A larga maioria de certeza que não. 

O jogador está lá para jogar, não para perceber como joga, embora alguns consigam-no e tenham condições para prosseguir ligados ao futebol a partir do banco. É esses que em campo já demonstram o que vão ser e nos fazem completar oralmente com um sempre assertivo aquele vai ser treinador. O espectador quer ver o jogo em si, não precisa de o compreender. Está a vê-lo porque joga a sua equipa, o seu ídolo, ou porque gosta da emoção dos grandes jogos e dos grandes palcos. Porque quer que ganhe, para se vangloriar no café. Salvo algumas excepções é como empinar na véspera para um exame, sem compreender cada um dos processos. Decorar por repetição. 

Algo ficará sempre, mas sem compreender por que fazia o que fazia, o ex-jogador não conseguirá evoluir e adaptar-se. Falhará na missão como técnico. É preciso que volte à escola, nem que seja como complemento.

O rácio dos grandes jogadores que se tornaram grandes treinadores é bastante baixo.

Se não podemos exigir tanto aos jogadores como podemos fazê-lo aos homens na generalidade? Será que estes percebem mesmo de futebol?

O mesmo se passa com o jornalismo. Não se sabe mais de bola por ser-se homem. Sabe mais de bola quem parou para estudar e compreender o fenómeno e isso é independente do género. Há livros para ler, jogos para recordar e vários exercícios lógicos para fazer. Cabe às mulheres, que acrescentam sempre uma visão diferente do que vêem e muitas vezes melhor porque não estereotipada, combater a predisposição.

O exercício entre adeptos masculinos e femininos segue o mesmo raciocínio. Vou deixar para vós as habituais guerras do sexo.

As mulheres não percebem nada de futebol? Pode até ser, mas não percebo porquê!

Luís Mateus
Diretor Maisfutebol e Editor de Desporto da TVI

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