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Pedro Pinto sobre novo livro: "A pandemia veio trazer o reforço de algumas mudanças estruturantes"

O jornalista Pedro Pinto lançou o livro "Conversas Globais" e explicou à SELFIE o que o motivou a escrever esta obra.

O que o levou a escrever este livro?
Este livro deriva de um programa que fiz na TVI24, da minha autoria, da minha conceção, com o mesmo nome, 'Conversas Globais', e no qual procurávamos, de uma outra perspetiva, olhando para o futuro, traçar aquelas que vão ser as principais influências que todos vamos sentir nas próximas décadas, em termos de robótica, digitalização, globalização, de EUA e China e consequências da própria guerra comercial, quem vai dominar este século XXI, ou qual vai ser o papel de Portugal. Olhando para o futuro, procurando responder àquilo que são cinco ou seis fatores ou traços estruturantes que vão marcar as nossas vidas e vão influenciar as nossas vidas, as vidas dos nossos filhos e por aí em diante. Nesse sentido, desafiei 27 personalidades, dos mais diferentes quadrantes da sociedade portuguesa, dos mais diferentes backgrounds do ponto de vista de conhecimento - sociólogos, economistas, filósofos, historiadores e gestores -, para refletirmos e perspetivarmos este século XXI. Entretanto, o próprio programa teve de parar, por causa da pandemia e, quando retomámos, incluí o tema da pandemia e as consequências e as mudanças que esta veio trazer para as nossas vidas. Portanto, é essa a análise, a reflexão, o olhar sobre o futuro e o presente, que está no livro e que achei que, depois das entrevistas na TVI24, seria interessante passar para livro, porque foram entrevistas com muita profundidade.

As 27 personalidades que inclui no livro foram todas entrevistadas no "Conversas Globais" ou teve de fazer uma seleção?
Foram todas entrevistadas no programa. Tenho de agradecer aos entrevistados, aos convidados do programa, porque a qualidade, a excelência do livro tem a ver com a excelência do seu pensamento e a excelência dos testemunhos que foram deixando, quanto às perspetivas que têm para o futuro e estou imensamente grato a todos os oradores deste programa e entrevistados deste livro.

No livro elenca mudanças em seis áreas estruturantes: qual a que o 'assusta' mais, sobretudo neste contexto de pandemia?
A pandemia veio trazer aqui o reforço de algumas mudanças estruturantes, que já se sentiam, mas que vieram a acentuar-se, claramente. No caso da digitalização, do comércio digital e do comércio online, por exemplo, nunca mais vamos voltar a ter uma apetência pelas lojas físicas, como tivemos há uns anos. Por outro lado, o teletrabalho, também, é uma mudança estrutural irreversível nas nossas sociedades, a noção de espaço e de trabalho é muito diferente porque, hoje em dia, para as empresas ter grandes estruturas físicas não faz muito sentido, porque 80% das pessoas não estão lá e a própria reinvenção do trabalho tem de ser concretizada, porque as pessoas estão muito mais desligadas e deslaçadas do próprio compromisso e da missão com a empresa, do que quando estão a trabalhar em grupo e a trabalhar junto umas das outras. Portanto, esta questão do teletrabalho vem levantar uma série de desafios. É algo irreversível e, no caso do tempo e da distância, é muito curioso, porque, se nós vivíamos muito próximos do trabalho por questões práticas, hoje em dia, se vamos ao espaço físico da nossa empresa durante um dia, de dois em dois meses ou de 15 em 15 dias, a noção de espaço e de tempo é completamente diferente e, se calhar, até podemos viver a 50 ou 100km do sítio onde trabalhamos. São tendências que são estruturantes, que vieram para ficar. O teletrabalho é uma delas, a questão do comércio online também, as cadeias de supply change, de oferta de produção mais curtas também vieram para ficar, o que vem pôr em causa um nível de globalização que foi muito mais acelerado do que é agora. Portanto, a globalização vai entrar num processo de desaceleração, não vai desaparecer, mas vai perder rapidez. Essas mudanças, acho que serão importantes e preocupam-me e, por outro lado, esta guerra estratégica dos EUA e da China por uma supremacia neste século XXI e por uma supremacia tecnológica é algo que também me deixa preocupado, no sentido em que, estamos numa corrida tecnológica entre duas superpotências e aquela paz duradoura, que tivemos desde a queda do Muro de Berlim, esfumou-se. Embora, não esteja a pensar numa guerra, em termos convencionais, há um nível de tensão que é um fator de alarme, como é óbvio.

O nível de alarme baixou com a derrota de Donald Trump?
Não, não vejo dessa forma, porque se trata de um conceito estratégico dos EUA, muito mais do que uma opção de Trump ou de Biden e que, aliás, já tinha começado com Barack Obama. Acho que a retórica vai mudar, claramente. Biden vai ser muito mais diplomata do que Trump foi, vai ser muito menos contundente e muito menos abrasivo do que Donald Trump foi com a China. Vai contar muito mais com os parceiros europeus, vai contar muito mais com os parceiros asiáticos, mas no âmago, naquilo que é o essencial da corrida estratégica com a China, nada muda e aí há um alinhamento estratégico entre democratas e republicanos. Eles sabem que a competição com a China é uma competição estratégica para liderar o século XXI e, por isso, a situação de tensão e de competição com a China vai acentuar-se e não vai mudar minimamente. Os dois partidos estão absolutamente alinhados na noção de que se não pararem, no ponto de vista da supremacia tecnológica, a China vai ser a grande superpotência no final do século XXI e os EUA não querem perder esse estatuto.

A pandemia veio reforçar o papel do Jornalismo?
Tenho uma visão otimista, relativamente ao futuro do Jornalismo, no sentido em que esta pandemia veio provar - enfim, se fosse necessário provar, mas veio deixar muito claro, - que o bom Jornalismo, a informação verdadeira e credível nunca teve tanto valor para o exercício da cidadania e para o exercício da democracia, como hoje em dia. Nós precisamos de um jornalismo sério, credível, que chega às pessoas com as informações e a atualidade que existem e que permite às pessoas tomar as melhores decisões possíveis. Nesse sentido, acho que a pandemia veio demonstrar o enorme valor e o pilar fundamental que é o Jornalismo no exercício da democracia, no exercício da cidadania e, nesse sentido, as redes sociais demonstraram, em sentido contrário, as suas limitações, a sua ausência de substância, de credibilidade e de veracidade. Todos os milhões de histórias e os factos alternativos que foram sendo inventados ao longo desta pandemia, quer por negacionistas quer por outro tipo de individualidades... Acho que nunca o valor do Jornalismo foi tão sério, tão elevado quanto hoje em dia e acho que as pessoas reconhecem isso. O trabalho do Jornalismo tornou-se ainda mais prioritário e tornou-se ainda mais importante.

O período da pandemia deu-lhe mais tempo para escrever?
Não! [risos]

Não há mais um livro na calha ou, pelo menos, ideia para a próxima obra?
Tenho dois romances históricos publicados, que me deram um imenso trabalho e um imenso gozo, Mais trabalho do que gozo, é verdade [risos]. O gozo vem à posteriori e, quando nós olhamos para trás e contemplamos o que foi feito, é mais fácil. Na altura, é um trabalho muito duro e que exige uma grande disciplina. Se não houver uma boa investigação, isso nota-se logo nas primeiras páginas do livro, porque, quando se fala num romance histórico, temos de nos colocar sempre na história e nos factos históricos que estamos a descrever. Não pode haver anacronismos nem discrepâncias entre aquilo que define a realidade e aquilo que nós estamos a pensar. É preciso um grande trabalho de pesquisa e um grande trabalho de mergulharmos no tempo em que estamos a descrever, seja o século XIII, o século XV, XVI ou o século XIX, como aconteceu no meu romance sobre Serpa Pinto… Portanto, isso exige um grande trabalho e uma grande disciplina para nos conseguirmos construir enquanto narradores credíveis e, ao mesmo tempo, construir personagens que sejam adequadas ao tempo sobre o qual estamos a falar. Este livro acabou por ser diferente, porque é um livro de entrevistas, já realizadas em televisão, em que eu tenho de transformar a própria comunicação numa comunicação escrita e lida, diferente de uma comunicação falada. Portanto, embora tenha sido trabalhoso, é um tipo de trabalho diferente, mais linguístico e não um trabalho criativo, digamos assim. Mas este tempo de pandemia acabou por ser um tempo muito mais exigente do ponto de vista profissional, porque as notícias acontecem, literalmente, ao minuto. Há uma grande torrente de atualidade e toda a redação teve de fazer um esforço enorme, ao longo deste ano, para corresponder a essa mesma exigência e é uma exigência crescente, por parte dos espetadores, porque, obviamente, as pessoas também olharam para a informação e olharam para os jornais como uma forma para tomar decisões. Houve claramente um regresso de espetadores ao formato tradicional dos jornais e à busca por maior profundidade e, nesse aspeto, o comentário fez muita diferença, que não tem nada a ver com o lado frívolo das redes sociais, em que tudo é passado pela rama.

Então, não há mesmo nada planeado para ser publicado a seguir...
Neste momento, estou a saborear o facto de ter terminado mais um livro. Daqui por uns meses, auto-imponho-me um novo desafio. Por agora, a vida continua tranquila e a saborear o facto de ter terminado mais um livro. Temos que saborear e comemorar aquilo que vamos fazendo, senão não desfrutamos.

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