Selfie Sem Filtros

Wanda Stuart: "Cheguei a desejar a morte do meu pai, mas, passados uns anos, compreendi e perdoei"

Convidada da rubrica SELFIE SEM FILTROS, Wanda Stuart aceitou abrir o coração, para falar sobre a relação difícil com o pai.

relação com o pai nunca foi fácil, como recordou Wanda Stuart: "O meu pai era militar e tinha uma relação um bocadinho mais distante com os filhos. Era uma pessoas mais austera, impunha muita disciplina, não era uma pessoa de afetos, não sabia exprimir afetos. Acredito que ele gostava dos filhos, mas não o dizia e, portanto, era um bocadinho mais complicado. Depois, havia a agravante de eu ser artista. Quando ele descobriu que a filha mais nova ia ser artista, houve um choque muito grande. E, depois, eu sempre fui um bocadinho politizada e ele também. O meu pai era muito pela autoridade e eu era mais pelo contrário, então, tínhamos grandes discussões, chegávamos a confrontarmo-nos bastante um ao outro. Nos últimos tempos que vivi na casa dos meus pais, eu e o meu pai não nos falávamos. Para ele foi uma afronta ter uma filha cantora. Na geração dele, as cantoras eram vistas de outra forma. Há 50 anos, ser cantora era sinónimo de ser prostituta, na cabeça das pessoas. O meu pai, às vezes, dizia-me, com um tom depreciativo: 'A senhora cantora'. Mas a minha mãe, depois, contava-me: 'Ainda no outro dia, ele estava no café e dizia: 'Aquela é a minha filha'. No fundo, ele até tinha orgulho."

No entanto, para uma jovem, na altura, com 15 anos, não era fácil entender o pai, como confessou a artista: "Até porque ele era uma pessoa que transmitia alguma agressividade. Tive a sorte de ser a mais nova e já o apanhei com uma idade mais avançada, mais calmo, mas os meus irmãos levavam muita pancada e a minha mãe também. Agora, já se fala em vítimas de violência doméstica, mas, na altura, não se falava. Era o 'entre marido e mulher, não se mete a colher'. Cresci a assistir a isso e ainda tinha mais raiva ao meu pai. Levei algumas tareias. Muitas vezes, quando saía para cantar, sabia que, quando chegasse a casa, ia apanhar, mas ia na mesma, o que só demonstra o grande amor que tenho à profissão, porque sabia que ia apanhar quando chegasse a casa, mas isso, também, não me demoveu. Foi a profissão que me escolheu, sem dúvida nenhuma!"

Depois de se incompatibilizar com o pai, Wanda Stuart acabou por sair de casa e foi, então, que surgiu a participação na peça "Maldita Cocaína", de Filipe La Féria.

"Fazia de prostituta e de dealer de cocaína, portanto, era do melhor para um pai ir assistir! (risos) Estava em pânico, nesse dia, porque não sabia o que ele iria pensar. A minha sorte foi que o Ruy de Carvalho, a Manuela Maria, a Simone, o Curado Ribeiro, o Varela Silva - que eram pessoas que ele respeitava e que já tinham uma grande carreira - foram lhe dizer: 'Deixe lá a sua filha seguir esta vida, a miúda tem jeito e gosta disto, e, como vê, não é de mal'. Foi a primeira vez em que o meu pai chamou 'trabalho' àquilo que eu fazia, e isso marcou-me. Ele foi ao meu camarim, deu-me os parabéns e disse: 'Gostei muito de te ver no teu trabalho.' E disse para eu voltar para casa, que aquela era a minha casa. Eu expliquei-lhe que já não fazia sentido, até porque tinha uma vida muito diferente, com horários muito diferentes, e era uma pessoa notívaga, mas demonstrei-lhe que fiquei sensibilizada com o facto de ele ter dito para eu voltar para casa e que sentiu a minha falta."

A propósito daquilo que mudou a partir desse dia, Wanda Stuart não hesitou em afirmar: "Foi fundamental. Mudou tudo, porque também passei a vê-lo com outros olhos, comecei a respeitá-lo mais. Também já tinha 20 e alguns anos e comecei a compreender que se ele era fruto da educação que teve. Mas, com 15 anos, é difícil tu veres os teus irmãos e a tua mãe a apanharem pancada e não ganhares ódio à pessoa. Cheguei a desejar a morte do meu pai. Custa-me imenso dizê-lo, acho que é a primeira vez que estou a dizer isto. Eu, também, sempre fui rebelde, e nessa idade, há um choque de gerações. Mas, passados uns anos, acho que compreendi e perdoei. Hoje em dia, antes de subir a qualquer palco, peço ajuda ao meu pai, portanto..."

Para que esta reconciliação fosse possível, muito contribuiu a mãe da artista:  "A minha mãe e os meus irmãos mais velhos tentavam o mais possível que o meu pai aceitasse a minha escolha profissional e escolha de vida. Até para contar certas coisas ao meu pai, era com a minha mãe que eu contava, claro. Primeiro, tinha que contar à minha mãe, e as duas, juntas, pensávamos em como é que íamos transmitir ao meu pai, de forma a que ele não ficasse assim tão chateado. Claro que ficava na mesma, mas, pronto... Ainda para mais, a minha mãe gostava de cantar e percebia que eu tinha herdado dela esse dom e que tinha como objetivo levar a vida a usar esse dom que Deus me deu. Ela adorava ver-me no palco. Tenho pena de que ela tenha ficado cega, o que fez com que os últimos anos da vida dela não fossem aquilo que ela merecia, até porque foi uma pessoa que sofreu muito ao longo da vida e não merecia o final de vida que teve, mas acredito que ela, agora, esteja numa outra dimensão, sem sofrimento. Ela era de Cabo Verde e uma das maiores dores da vida dela foi não ter regressado à ilha onde nasceu. Tenho pena de não a ter conseguido levar lá. Acho que ela, agora, já lá deve ter ido, espero eu."

Questionada sobre se ficaram coisas por dizer, não teve dúvidas: "À minha mãe, não, e ao meu pai, também não. À minha mãe, sempre lhe disse que a amava muito e ela tinha perfeita noção de que eu era a 'menina da mamã' e que ela era a 'mamã da menina'. Era a pessoa que eu mais amava na vida e ela partiu com essa noção. O meu pai, como nós nos reconciliámos já na minha idade adulta, acredito que ele tivesse noção do quanto eu gostava dele, apesar de, muitas vezes, não concordar com a maneira de ser dele."

Leia a entrevista na íntegra AQUI

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