Recorrendo ao Facebook, Rita Marrafa de Carvalho revelou que foi vítima de maus-tratos psicológicos, por parte e um ex-companheiro. "Pensei muito antes de deixar que os dedos cumprissem o desígnio da cabeça. Pensei nos meus que, depois, leriam os maiores impropérios de quem sabe pouco e entende menos. Os comentadores de teclado, a fermentar ódio e ignorância. Pensei muito para, depois, deixar de pensar demasiado. E escrever. Por mim e por todas as mulheres. Pela minha filha. E por ti. Há um tipo de violência que não se vê na pele. Não se prova a olho. Não se fotografa numa esquadra e não se mede em tribunal. Há um género de violência que não é crime, que não condena ninguém, que não está inscrita no Código de Processo Penal. Os maus-tratos psicológicos são a forma mais discreta e subtil de exercer poder e humilhação", começou por escrever a jornalista.
"Existem entre casais formas de bullying encapotado e agressivo, disfarçado de incentivo, camuflado de investimento, travestido de apoio. A forma mais abjecta e patológica de humilhar aquele com quem se vive e obrigá-lo a ser o que não é. Partilhei um ano e meio de vida com um e só há pouco tempo me apercebi que foi demasiado. E só há pouco tempo tive a plena consciência que aquilo que ouvi e senti foi bodyshaming. Por ser algo tão pouco debatido, por ser algo que costumamos encarar como reparos de somenos importância, tendemos a menosprezar os danos internos que causam. Aprendi a rir quando me dizia, ao almoço: 'Mas vais repetir?' Ou quando tirava uma fatia de queijo de entrada e sentia o olhar reprovador acompanhado do: 'Também tens aí tomate cherry.' Já engoli com mais dificuldade um amuo, quando vestia uma camisa que resultava num: ' Fica demasiado justa nos braços e não te favorece.' Ou a diária insistência: 'Quando é que vais para um ginásio? Só te fazia bem.' Ou os términos dos abraços da manhã, que se pontuavam com um: 'Só te falta perder dez quilinhos.'", recordou Rita Marrafa de Carvalho.
A jornalista continuou a enumerar as situações em que foi alvo de comentários sobre a forma física: "Quando se veste o 36, depois de longos meses de disciplina e rigor, aceitar que o meu corpo é uma máquina perfeita de sintonia e equilíbrio, que me faculta dançar, mexer, sorrir e andar de forma saudável, é um processo nem sempre simples, quando se vive com o preconceito, quando se dorme com a fobia. Por isso, o meu sorriso já não se fixava no rosto, quando se repetiam as fotografias a dois até não se evidenciar o meu 'bracinho gordo'. E morria qualquer músculo do canto da boca para o sinal de acomodação, quando o dedo indicador me passava pelo queixo, camuflado de ternura e acompanhado ' deste queixinho duplo fofo'. Deixou de haver qualquer esgar de condescendência, quando, perante uma foto minha com 50 quilos, suspirou: 'Quando vi esta foto, apaixonei-me por esta pessoa. Podia voltar a ser esta pessoa.'"
"Eu era aquela pessoa. Nunca o deixei de ser. Só passava menos fome e era profundamente mais feliz... para deixar de ser, aos poucos, com a referência insistente e declarada à obsessão com o peso dos outros, quando, na praia, sentados na areia, com a brisa quente de julho, olhando os outros corpos que desfilavam molhados, me disse: 'Tenho nojo de banhas.' Gelei por dentro. 'Sinto nojo de gente gorda.' Semicerrei os olhos: 'Também tenho o que chamas de banhas. Incomoda-te?'... Sem respirar fundo ou equacionar que o peso das palavras têm a velocidade de um cometa e o poder destrutivo de um governo de [Donald] Trump, respondeu, com rapidez: 'Sim, incomoda.' Comecei a fletir as pernas, para dali sair, enquanto ouvia: 'Sabes que ainda tens peso a mais e não te tens esforçado.' Sacudi a areia das nádegas, enquanto ouvia: 'Sabes que te amo, mas não me sinto bem com o teu peso.' Peguei na toalha, vesti a t-shirt S e os calções M, enquanto ouvia: 'Vais-te embora? Há assuntos tabu? Não se pode falar do peso? Não tens espelhos?' Coloquei os óculos escuros, e do alto dos meu metro e 65 e 63 quilos respondi: 'Sim. Não me sinto bem ao pé de ti.'", escreveu Rita Marrafa de Carvalho.
"Nesse dia, soube, claramente, que a toxicidade daquela pessoa transbordava o seu próprio corpo, aspirava o ar circundante, condensava-se em seu redor. Nesse dia, não havia mais sorrisos para lhe dar. Não havia nada para oferecer. Deste tipo de violência poucos falam. Poucos confessam. Poucos partilham. Suaviza-se, pinta-se de incentivo o bullying, maquilha-se o bodyshaming, escondem-se défices de caráter. O pouco tempo que vivi de perto esta realidade ensinou-me, da forma mais cruel, que a agressão estética pode começar em casa, nas mãos de quem gostamos, entre as paredes onde vivemos. E o que me fez sorrir, meus caros, foi perceber esta ilustre ironia: o bully, que pela minha vida passou, escreve, agora, sobre feminismo e racismo, sobre o bem e o mal, a tolerância social e cultural, na farsa dos dias com que se burla e aos outros", acrescentou a jornalista.
No final, Rita Marrafa de Carvalho deixou um conselho: "Ao final do dia, um axioma único se impõe com uma premissa singular: não há amor sem amor-próprio. Não há amor no desamor. Não há amor onde o meu amor não cabe. Porque, em amor, não se pedem larguras, não se exigem padrões, não se convencionam estereótipos. Um amor XL será sempre cego a todas as medidas."