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Vanessa Silva é uma das protagonistas de "Chicago": "Ensaiámos em 12 dias. Foi em tempo recorde!"

Numa entrevista exclusiva à SELFIE, a atriz Vanessa Silva falou sobre os desafios de ser uma das protagonistas do musical "Chicago" e fez um balanço do percurso na representação e na música.

O musical "Chicago" já está em cena, há quase um mês. Que balanço é que faz, até agora, deste trabalho?
Faço um balanço bastante positivo. Acho que toda a gente está a gostar da peça, desta nova versão, que é muito diferente da anterior. Eu e a Inês [Herédia, a outra protagonista da peça] somos muito diferentes das meninas que estavam antes [as atrizes Soraia Tavares e Gabriela Barros] e que estiveram magistrais, nas duas últimas temporadas. Mas acho que está a correr muito bem. A sensação que eu e a Inês temos é que está a correr muito bem. Estou muito, muito feliz e muito grata, por fazer parte deste projeto.

Como é que surgiu a oportunidade de fazer parte deste musical?
Não surgiu. Fui chamada para um casting, como as outras meninas todas. Fui um bocadinho a custo, porque já estava noutro projeto [a peça "Espero por ti, no Politeama"] e achava que não ia ficar neste. O que só prova que temos de acreditar em nós próprios e que estamos constantemente a sermos surpreendidos. Portanto, fui a essa audição e fiquei no dia. Foi tudo muito rápido. 

Já tinha visto o filme, de 2002, baseado no musical?
Vi, muitas vezes. E, também, vi o musical. Vi três vezes: cá, na Broadway e na West End.

E foram fontes de inspiração para o seu trabalho, na peça?
Claro que sim. Principalmente, o filme, que é aquilo a que temos acesso mais rapidamente e porque acho que a adaptação foi maravilhosa. No entanto, quando chegámos à hora de trabalhar, tivemos de cumprir as diretrizes do Diogo [Infante, encenador do musical]. Foi uma mistura.

Teve alguma preparação física, em especial, para a peça?
Não, não houve nada de específico. Já estava a cantar e a dançar muito na peça que estava a fazer antes e, então, foi só dar continuidade ao trabalho.

Qual é o maior desafio de "Chicago"?
No fundo, o maior desafio é juntar as três áreas: cantar, dançar e representar. Mas também acho desafiante não "voar", ou seja, não fazer para além do que me foi pedido e me é permitido fazer, porque, quando fico confortável com as personagens, ainda para mais num musical que amo, há a tendência de dispersar e fazer uma "coisinha" aqui, uma "coisinha" ali, a mais. Acho que a maior dificuldade é manter tudo limpo e apresentar, ao público, a peça tal e qual como a ensaiámos. Tal como deve ser. Acho que é essa a maior dificuldade: não dispersar.

Do que mais gosta na personagem que interpreta, a Velma Kelly?
Não há nada que eu não goste na personagem. Ela não é malvada, nem velhaca. Acho que ela é um produto de uma vida menos boa e do que teve de passar para chegar aonde chegou e ter o que tinha. E, depois, ainda assim, "passam-lhe a perna" e ela toma uma decisão menos boa, mas que, ainda assim, eu entendo, embora não seja justificável. Gosto da força dela, gosto que ela finque o pé nas coisas que quer e que tenha uma opinião muito forte. E que ela tenha de pôr uma capa de diva e de velhaca para as outras meninas, embora seja bondosa.

A peça retrata os loucos anos 20. Esta era uma década que já a fascinava?
Não, particularmente. Gosto da onda musical, do jazz, mas não é uma época à qual me sinta muito ligada. Sou mais dos anos 50.

Por que motivo tem esse fascínio pela década de 50?
Não sei... Cresci sempre com uma paixão pela época. Talvez seja a junção da moda com a onda musical. Houve muita coisa que veio que, se calhar, já não era tão nova, a nível do blues e do jazz, mas que chegou com mais força. Acho que também tem a ver com as divas da altura, que são as que venero, como a Judy Garland.

Como é que tem sido trabalhar sob a encenação de Diogo Infante?
É uma maravilha! É uma paz... Ele é de uma generosidade... É mesmo uma pessoa muito, muito generosa. É muito inteligente, muito sábio, gosta de partilhar, que é algo que valorizo imenso, porque gosto de aprender. É muito fácil trabalhar com ele. Uma pessoa está sempre feliz. É uma maravilha. Estou eternamente grata por esta oportunidade.

O facto de o Diogo Infante também ser ator influencia nessa forma como lida com outros atores?
Acho que sim. Começa, principalmente, aí. O Diogo sabe como dizer as coisas, sabe como cada um gostaria de ouvir ou não. E, depois, tem a visão de encenador, mas também não deixa de ter uma visão de ator e isso contribui para que tire o melhor de cada um de nós. Ele acaba por ter a visão que nós também teríamos, a nível de tratamento da personagem.

E como tem sido a parceria com a Inês Herédia? Já se conheciam antes, certo?
Sim, é verdade, já nos conhecíamos há alguns anos. A parceria tem sido incrível. Digo já, de caras, que esta é uma jornada que não queria fazer com mais ninguém. Estou muito grata por ser a Inês e acho que é mútuo. Como somos muito amigas, há uma cumplicidade e há uma amizade que, depois, suporta tudo o resto. Nós ensaiámos a peça em 12 dias. Foi em tempo recorde! Foi tudo muito rápido e houve uns dias de cansaço, se calhar mais incómodos emocionalmente, e é bom que a pessoa que esteja ao nosso lado e a partilhar o palco seja uma pessoa tão próxima, tão amiga. Facilita muito mais as coisas. E nós somos muito honestas uma com a outra. Portanto, se houver alguma coisa que achamos que não está bem, nós dizemos. Temos honestidade, acima de tudo.

Já lhe tinha acontecido ensaiar uma peça, em tão pouco tempo?
Não, foi mesmo em tempo recorde! Nunca me aconteceu nada parecido!

Imagino que tenha sido um desafio...
Foi o maior de todos. Foi ter isto pronto a tempo, dentro daquilo que o Diogo imaginava. E fazermos, minimamente, jus àquilo que já tinha estado em cena, há dois anos. Não nos podemos esquecer que é um espetáculo que já estava em cena há muito tempo e que, no fundo, está em reposição, comigo e com a Inês a substituirmos. É sempre um bocadinho ingrato, mas é bom e desafiante, nesse sentido. Temos de manter o calibre.

O que este trabalho lhe tem acrescentado como pessoa e como profissional?
Como profissional, acrescentou-me muita coisa. É uma oportunidade nova, para mim, porque é um sítio diferente, é um registo diferente, apesar de ser teatro musical. Mas são outras pessoas. Além disso, fez-me dançar, outra vez, o que é sempre o que custa mais: a junção de cantar, dançar e representar. Ter de dançar muito e fazer, exatamente, o que os bailarinos fazem é duro. Portanto, tive de trabalhar muito, a esse nível. A nível pessoal, tem sido incrível. Tanto eu, como a Inês, temos sido recebidas como se fizéssemos parte do projeto, desde o início. Tem sido maravilhoso. Havia colegas que já conhecia e com os quais já tinha tido o prazer de trabalhar, mas, com outros, não e formou-se uma família nova. É, sem dúvida, a "família Chicago", o que nós sentimos, todos os dias.

Em 2022, completam-se 20 anos desde que participou num programa da TVI, a "Academia de Estrelas", que foi importante para o começo do seu percurso. Pode-se dizer que, desde então, "Chicago" está a ser um dos trabalhos mais marcantes?
Sim, sem dúvida. Por várias razões pessoais e profissionais. É uma das peças mais importantes que já fiz, na minha vida.

E que memórias guarda dessa participação na "Academia de Estrelas"?
Por um lado, sinto que houve uma mistura de conceitos de um reality show, com um talent show, o que, na minha opinião, não devia ter acontecido. Nós estávamos lá para cantar, dançar e representar. Por outro lado, trouxe-me amigos para a vida, pessoas de quem gosto muito. Ensinou-me muita coisa. Ensinou-me muita coisa que não quero ser. Abriu-me os olhos para muitas coisas. E, além disso, tive professores maravilhosos, como o António Feio, o [coreógrafo] Paulo Jesus, a Lídia Franco... Houve muita partilha boa.

Se pudesse dar um conselho à Vanessa dessa altura, o que diria?
Se calhar, daria conselhos mais pessoais. A nível de trabalho, diria para manter a postura, que é a mesma, ao longo de 26 anos de trabalho: olhar sempre em frente e nunca pisar em ninguém, porque não há necessidade. Cada um tem o seu espaço e, eventualmente, ao seu tempo. Acho que diria, apenas, para ter paciência. Tudo iria acabar por chegar, como está a chegar agora.

No seu percurso, soma participações em espetáculos de revista. Como é que esses trabalhos foram importantes para que seja a profissional que é hoje?
A revista representa uma grande parte da minha atividade profissional, o que é ótimo, porque, nesses espetáculos, há uma barreira, com o público, que é quebrada, o que nos faz aprender muito. Sinto-me privilegiada por ter feito revista, durante tantos anos, e, de facto, fez de mim a profissional que sou hoje.

Recentemente, antes mesmo de se preparar para o "Chicago", deu vida a uma personagem transexual em "Espero por ti, no Politeama". Foi um grande desafio?
Sim, foi um miminho que o Filipe [La Féria, encenador da peça] me deu. É uma causa que me é próxima, assim como outras ligadas à comunidade LGBT. Senti-me uma sortuda, por poder tentar explicar às pessoas um tema que ainda é tão incompreendido, o que me faz muita confusão. É uma coisa que queria mesmo fazer. Se tivesse a opção de falar sobre um tema, seria sempre dentro dessa área, porque as pessoas são mal informadas. A construção da personagem foi complexa, porque, como era uma revista, por vezes, ficava difícil não ir pelo caminho da caricatura e nós não queríamos ir por aí. Queríamos manter sempre o máximo respeito, por este tema. Foi difícil a construção da personagem, até por ter pessoas próximas que estavam a passar pelo mesmo, mas acho que fiz bem aquilo a que me comprometi. Pelo menos, os meus amigos que foram ver a peça e já passaram - ou estão a passar - por essa transformação saíram agradecidos. E era isso que queria: que as pessoas se sentissem representadas e que soubessem que não estão sozinhas. Que nós lutamos com eles.

No geral, recebeu muitas mensagens de espetadores que se identificaram com a história dessa personagem?
Sim, até tive a oportunidade de mostrar, na altura, ao Filipe. Eram mensagens de pessoas que não conhecia, que tinham passado pelo mesmo processo e que estavam muito agradecidas e muito emocionadas, porque se sentiram bem representadas. Sentiram que estava a fazer com respeito e com amor. Era, também, uma forma de educar os espetadores, sobretudo um público que tem uma idade mais avançada, que é o público habitual das peças do Filipe. E, assim, informamos as pessoas sobre a transexualidade, que não é um bicho de sete cabeças.

Sente que é essa a função do ator: informar, educar...?
Acho que essa é a função do ator, sobretudo numa revista. Chamar a atenção para temas que, por vezes, nos passam, porque não temos tempo, porque temos uma vida corrida e, depois, não andamos tão bem informados e tiramos ilações desnecessárias. Por isso, acho que o dever do ator, num trabalho que seja realista, é esse: ajudar a educar.

Acha que há, ainda, preconceito com o teatro musical, especialmente com a revista, na própria classe artística?
Acho que há muito. Acho que a revista vai ser sempre considerada como algo menor, banal, bairrista. É uma luta que vai continuar. Ainda assim, as coisas estão melhores, as pessoas vão, felizes, ver revista e percebem que não é, de todo, um género menor. É até mais difícil de fazer, por ser algo relacionado com a atualidade, por ser informativo e por tentarmos dizer a verdade, a sério, mas, também, a brincar. Se calhar, por retratarmos a realidade dessa maneira - de uma forma direta -, é que é mais duro de ouvir.

Como foi não pisar um palco de teatro, durante tantos meses, no decorrer da pandemia?
Esses meses foram vividos da mesma forma como vivi o resto da minha vida: com esperança. Durante esse tempo, estive sempre ligada ao [Teatro] Politeama, ainda que não estivesse a trabalhar. Estive um ano e meio, em casa, embora houvesse uma previsão de que, assim que possível, íamos fazer o "Espero por ti, no Politeama". Portanto, fiquei em casa, com esperança e fé. Não sou uma pessoa que fique triste, apesar de ter sido difícil: foram muitos meses sem receber e as contas chegavam sempre. Mas nunca deixei de encarar tudo de uma forma positiva.

Vê com preocupação a crise que a área da cultura está a atravessar, também por causa da pandemia?
Diz bem: "também por causa." Porque os problemas já eram anteriores à pandemia. A Covid-19 não veio ajudar em nada. Acho que todos vemos com alguma preocupação o que se está a passar com a cultura. Claramente, não estamos bem. Não há soluções para uma série de problemas, tal como nunca houve. Mas temos de seguir em frente e tentar ajudar no que for possível para continuarmos a fazer disto vida. Porque, neste momento, está complicado...

Apesar de ter um percurso tão rico, na área da música, nunca lançou um álbum próprio. Nunca foi um objetivo ou, simplesmente, nunca surgiu essa oportunidade?
Quando saí da "Academia de Estrelas", um dos prémios era gravar um álbum, mas as coisas não correram bem. Houve muito trabalho que foi para o 'lixo'. Mas também acho que nunca foi um objetivo. Considero-me atriz e, não, cantora. Toda a vida cantei, porque foi preciso, um dia, e, depois, fui cantando e cantando... Na verdade, sou atriz e gosto de cantar as histórias dos outros à minha maneira, porque acho que, mesmo que sejam as histórias dos outros, nós temos sempre alguns pontos, em comum. E é só dizê-las de outra forma. E, aí, assento mais o meu lado de atriz. Apesar de escrever - e escrevo para outros intérpretes -, quando chega a hora de contar histórias, sinto que sou mais feliz, ao cantar as histórias dos outros.

Qual é o próximo objetivo profissional?
Gostava de fazer mais ficção, em televisão. É algo que não fiz muito, cá. Gostava de viver essa realidade mais de perto ou, pelo menos, durante mais tempo do que aquilo que me foi permitido, no passado. Acho que é assim a única coisa que me falta fazer: séries, novelas... Também queria fazer cinema. Gostava de experimentar.

Finalmente, por que motivo é que os nossos leitores não podem perder "Chicago"?
Não podem perder, porque é incrível! Mesmo que já tenham visto a versão anterior, têm de ver esta, porque é muito diferente! Se gostam de boa música e de bons bailarinos, têm de ver! A adaptação que o Diogo fez é genial, é bonita, é brilhante, é engraçada... Não podem perder o Miguel e o José Raposo [dois dos atores que integram o elenco], não podem... É uma gratidão poder partilhar o palco com eles. Não podem mesmo perder!

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