Entrevistas

Wanda Stuart sobre a filha, Eva: "É uma emoção dividirmos o palco com os nossos filhos, não há preço"

Aos 15 anos, Eva Stuart não tem dúvidas de que ser cantora e conta com o apoio da mãe, Wanda Stuart, que não podia estar mais orgulhosa do percurso da filha.

Como têm vivido estes tempos de pandemia?
Wanda Stuart: Não tem sido fácil, porque, como toda a gente sabe, o setor da cultura foi altamente afetado, mas lá vamos fazendo o que podemos. Continuo com o meu grupo Kids on Broadway, mesmo durante a quarentena, continuámos a trabalhar, algumas vezes online e, depois, quando as coisas amainaram um bocadinho, já comecei a ter aulas presenciais. Continuei, sempre, a trabalhar, mesmo em quarentena, o que me deu alguma sanidade mental, confesso. Depois, comecei a preparar, também, um espetáculo, que já tinha tido em cartaz, "Wanda Stuart canta Piaf", e que, durante os serões do Casino Estoril, organizados pelo Henrique Feist, tive a possibilidade de fazer esse espetáculo online e gravá-lo, para poder, depois, mostrar para preparar propostas - quando não se pode estar no palco, tem de se trabalhar em bastidores, para se poder vir a estar no palco, outra vez. Portanto, é um espetáculo que retomei e estou a tentar levá-lo a palco em teatros, em parceria com autarquias. Claro que é, sempre, triste termos pouca gente no palco e pouca gente na plateia. Quando fiz o espetáculo, no Casino Estoril, online, tinha a plateia completamente vazia, não havia palmas e temos de reconhecer que não é, de todo, a melhor forma para se trabalhar, porque o artista precisa de público, sem dúvida nenhuma.

Como é atuar para uma plateia vazia?
W.S.: Foi difícil, mas muito emotivo, precisamente por causa disso. Por ter uma plateia vazia, as cadeiras estavam lá, mas não tinham ninguém. Uma coisa é estar em televisão, sozinha, em frente a câmaras, sabemos que vão estar milhões de pessoas, depois, a assistir, mas outra coisa é estar no teatro, a fazer um espetáculo - que, ainda para mais, é um espetáculo cheio de emoção, que conta a história da vida da Piaf, que não foi, de todo, uma vida muito feliz -, e ver aquelas cadeiras vazias dava um nó na garganta. Aliás, estou com um nó na garganta só de falar nisso. É muito complicado, mas temos de ter esperança que as coisas voltem a uma normalidade possível.

Tem mais algum projeto em carteira?
W.S.: Agora, também, estou no Bairro Alto, com dois espetáculos, às quintas e sábados, no restaurante Café Concerto, de um amigo meu, que já tinha este tipo de casa em Nova Iorque, em Manhattan, onde iam grandes artistas da Broadway, depois dos espetáculos, para beber uns copos, conviver, fazer umas Jam Sessions, como se costuma dizer. Foi exatamente assim que comecei, nos cafés, restaurantes. Foi um voltar às origens. É um tipo de espetáculo que não é fácil. Pessoalmente, sempre gostei de ver a cara das pessoas, enquanto canto ou represento, e ver a reação imediata delas, mas confesso que este trabalho, de Café Concerto, está tão próximo das pessoas, que é muito difícil. Chega a ser quase intimidante. Confesso que, já há uns tempos atrás, mesmo antes de acontecer esta pandemia e quarentenas, tinha vontade de voltar a fazer esse tipo de espetáculo, porque gosto da proximidade com o público, gosto de sentir o público mesmo ao pé de mim, embora isso, às vezes, me deixe um pouco mais nervosa, porque estou próxima deles e qualquer erro fica mais percetível. Voltar ao palco é bom, porque estar em casa, fechada, sem poder trabalhar, não só é economicamente muito mau, porque as contas continuam a cair ao final do mês, mas, também, a nível de sanidade mental. Uma pessoa poder sair de casa e fazer aquilo de que gosta, poder produzir coisas, fazer coisas e sentir-se útil é realmente muito importante. Além disso, sempre fui uma artista que trabalhou muito em eventos corporativos, mas, agora, está tudo praticamente parado e, portanto, estamos à espera de melhores dias.

E a Eva, o que tem feito?
Eva Stuart: Além de estar no grupo Kids on Broadway, tenho-me dedicado aos estudos. Estava num curso de Economia, mas não estava muito satisfeita, e mudei para Artes Visuais. Quando fui para Economia, pensei que dava para conciliar com a minha opção A, mas, depois, não me senti feliz. Senti mesmo que aquilo não era meu, faltava-me criatividade. Consegui mudar de área e, agora, estou a tentar acompanhar os meus colegas, porque entrei um mês e meio depois. Mas está a correr bem. Durante a pandemia, o facto de não conseguir ver caras, para mim, é muito estranho. Pelo menos, quando crio música, quando faço arte, preciso de ter bases de dia a dia, preciso de ver caras, preciso de ver acontecimentos, e esta pandemia veio travar tudo.

W.S.: Ela estuda muito, gosta muito de aprender e está-se a sair muito bem. Está com boas notas, o que é muito bom.

Como foi a estreia da Eva nos palcos?
E.S.: Estreei-me, com seis anos, no Teatro Rivoli, no Porto. Naquele momento, não tinha noção da importância daquilo. Para mim, aquilo fazia parte do meu dia a dia. Era só fazer o que via a minha mãe a fazer. Na peça, era a protagonista, juntamente com a minha mãe e com outros cantores. Era sobre Natal e, claro, sobre uma menina que acordava para ir a meio da noite ver se o Pai Natal existia e, em vez de encontrar o Pai Natal, junto à árvore, ela encontrou o espírito do Natal. Era um homem vestido de branco e era, nada mais nada menos, do que o senhor Eládio Clímaco.

W.S.: Foi um espetáculo apelativo ao espírito de Natal, da bondade e da solidariedade. Era todo protagonizado pela Eva. A Eva era a primeira atriz/cantora a entrar no palco e foi engraçado, porque, quando eu e o pai dela criámos este espetáculo, nem nos lembrámos que ela só tinha seis anos [risos]. O espetáculo foi-nos encomendado pela Câmara Municipal do Porto e teve três apresentações, no Rivoli, com casa cheia. Antes de o pano abrir, a miúda estava, sozinha, no palco, numa cama, como se estivesse a dormir, e eu e o pai olhámos um para o outro e dissemos: 'E se ela bloqueia?'. Se ela bloqueasse, o espetáculo ia por água abaixo, completamente, porque ela era o fio condutor. Ela entrava em praticamente todas as cenas, só saía do palco, duas ou três vezes, para trocar de roupa, e o profissionalismo que ela entregou, até nos bastidores, o não falar para não se ouvir, desde fazer as trocas de roupa, em silêncio, saber as deixas que ela tinha para entrar e sair de cena... foi incrível! Depois, foi a primeira vez que cantei com a Eva, num palco. Cantámos a 'A Whole New World', do Aladino, em português, e confesso que estava tão nervosa, tão nervosa, que me enganei na letra e ela, automaticamente, deu a volta por cima e não se desmanchou e ainda me apertou a mão, tipo: 'Estou contigo'. Ela percebeu que a mãe estava nervosíssima, porque, realmente, é uma emoção dividirmos o palco com os nossos filhos, não há preço. Para ela, era natural, nem sentiu o peso da responsabilidade.

Foi mesmo assim, Eva?
E.S.: Era como se estivesse em casa, a brincar. Não me lembro muito bem, agora, como é que me sentia, se me sentia nervosa ou não, mas do que me lembro é que, para mim, aquilo era natural. Era só fazer o que eu via a minha mãe fazer. Era como se fosse um jogo ou uma brincadeira, não senti a importância, a responsabilidade.

Foi, aí, que percebeu que queria seguir a carreira artística?
E.S.: Isto vai parecer muito lamechas... [risos] Não sei explicar quando, mas acho que foi desde sempre, porque ficava, sempre, fascinada com o que a minha mãe fazia. Com todos os termos de arte, não só de cantar, dançar e representar, mas, também, de pintura, escultura. Sinto que vim com o propósito de fazer isto, não me imagino a fazer outra coisa. Sempre disse que queria ser cantora ou algo relacionado com arte. Nunca me questionei: 'Será mesmo?'. Acho que já estava muito explícito, na minha cabeça, que era mesmo aquilo.

W.S.: Depois, ela foi estudar para o Instituto Gregoriano de Lisboa, onde eu, também, há 30 e tal anos, estudei música, A Eva teve mais aulas do que eu, porque comecei a trabalhar muito cedo, a cantar profissionalmente e abandonei o curso. Nunca estudei um instrumento, para além do canto. E a Eva, quando comprámos um piano, começou logo a praticar, gostou imenso. Primeiro, começou pelo violoncelo, mas, depois, tinha dores nos dedos, porque ainda era muito pequenita. Os instrumentos de cordas são aqueles que, quando se põe um dedo um bocadinho ao lado, começa, logo, a desafinar e ela, como tem um ouvido daqueles que não perdoa nada, começava-se a irritar com ela própria. Depois, experimentou o piano e adorou, e, a partir daí, ela começou a compor. Tinha 11 ou 12 anos e eu fiquei muito orgulhosa, obviamente, mas muito surpresa, porque não esperava que fosse tão cedo. Realmente, os miúdos, hoje em dia, são muito mais precoces. Fiquei muito orgulhosa, especialmente por ela compor temas que falam sobre a vida, não são temas fúteis. Há uns dois anos, a Eva estava a ver notícias sobre aqueles incêndios na Amazónia e ela subiu, foi para o quarto, e passado um bocadinho, chamou-me para ir ouvir uma música que ela tinha feito. Fico pasmada com a facilidade com que ela fala sobre a vida, sobre as coisas que são importantes para a idade dela e, portanto, isso ainda me deixa mais orgulhosa. Ela sempre foi interessada, sempre quis aprender, vai, muitas vezes, para a Internet pesquisar coisas e gosta de ter opinião sobre as coisas. É bom, para mim, sentir que ela não compõe sobre coisas fúteis. É muito fácil, hoje em dia, os miúdos irem por esse caminho. Ela gosta de ir a fundo nas questões.

E.S.: Temas que sejam mais comerciais, para mim, é muito difícil compor...

W.S.: Nós temos gostos muito diferentes, é engraçado. Mesmo falando na nossa arte, a voz da Eva é uma voz fantástica e tem uma tessitura fabulosa, tem um instrumento vocal fenomenal, mas a maneira de cantar dela é completamente diferente da minha. É um estilo muito diferente de voz, que acho muito interessante, até porque, assim, também evita certo tipo de comparações.

Conhecendo as dificuldades da carreira artística, a Wanda nunca teve receio pelo futuro da Eva?
W.S: Tenho, sempre, esse receio, porque a luta dos artistas, principalmente, em Portugal, é muito grande, é uma luta constante, diária, e só quem tem muito amor à arte é que consegue ir ultrapassando as dificuldades e não desistir. Muitas vezes, pensamos: "Será que não era melhor desistir e ir por outro caminho que me desse mais estabilidade?". Daí, se calhar, nós termos influenciado um bocadinho a Eva a ir para Economia, o que resultou num erro. O plano A é ser artista, mas, também, tens de ter um plano B, porque podes não ter sorte - porque, também, é preciso ter sorte -, podes não vir a ter sucesso, porque ter talento não é sinónimo de vir a ter sucesso e, mesmo tendo sucesso, há muitas dificuldades a serem ultrapassadas. E nós, em Portugal, sabemos a falta de apoio que os artistas têm... Ela foi para Economia, até porque adora Matemática, mas, realmente, não se sentiu feliz e tenho que reconhecer que as pessoas, por mais que, até, tenham uma vida mais estável financeiramente, se não fizerem aquilo de que gostam, não são pessoas felizes. E aquilo que mais quero é que a minha filha seja feliz, mesmo tendo que batalhar muito, mas, pronto, isso, também, faz dela um ser humano maior. Acredito que as dificuldades, muitas vezes, nos trazem força. O que não nos mata, torna-nos mais fortes, como se costuma dizer, e acredito tanto na felicidade dela quando ela é artista e está a fazer aquilo de que ela gosta. Portanto, tive que reconhecer que ela não estava no caminho dela, não estava feliz e o que eu quero é ver a minha filha com um sorriso na cara, quando vem da escola, não como ela estava, que vinha, sempre, infeliz...

E.S.: Para além de não ter tempo nenhum para o meu plano A - e isso punha-me, ainda, mais triste, porque sabia que gastava quase o meu tempo todo a fazer aquilo de que não gosto - depois, não ter tempo para fazer aquilo de que gosto, senti que não era justo.

De que forma a sua mãe a inspira?
E.S.:
A minha mãe inspira-me, a todos os níveis, mas, em termos profissionais, a força que ela tem, para lutar pelos seus direitos e pela arte, é o que me deixa mais orgulhosa. Para além de ser uma artista fantástica. Pronto, já está a chorar! [risos] Como mãe, é a melhor mãe do mundo! Para além de me apoiar, sempre, em tudo, deixa-me à vontade para lhe perguntar seja o que for. Somos as melhores amigas!

A Eva foi uma filha muito desejada. A Wanda nunca sentiu o desejo de ter mais filhos?
W.S: Houve uma altura em que a Eva pediu um irmão, mas a vida não me proporcionou que tivesse engravidado e tivesse um filho ou mais uma filha. Adoraria ter tido mais uma menina, mas, realmente, a Eva preenche-me, a todos os níveis. Costumo dizer que ela superou tudo aquilo que eu esperava/ansiava ter numa filha. Sempre quis ter uma filha, não é que não goste dos meninos, mas sentia que queria ter uma menina. Depois, podia vir um menino, se a vida me proporcionasse isso, mas queria muito ter uma filha, a quem eu fosse chamar Eva. Não me pergunte porquê, foi, sempre, um sonho, nem sei explicar porquê. Pedia muito a Deus que me desse a possibilidade de ser mãe de uma menina, a quem iria chamar Eva.

E.S.: Acho que, quando pedia um irmão ou irmã, era mesmo porque, como era filha única, tinha de brincar sozinha. Pedia aos meus pais para brincarem comigo, mas, claro, nem sempre podiam [risos]. À medida que fui crescendo, já não sinto essa necessidade. Acho que, se tivesse um irmão ou uma irmã, a conexão que tenho com os meus pais iria ser bem mais distante. Não é pelo facto de não me darem atenção ou algo do género, mas acho que, sendo filha única, tenho uma maior ligação com os meus pais do que se tivesse um irmão ou uma irmã.

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