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Pêpê Rapazote garante: "Quem faz novelas em Portugal está preparado para a guerra"

Pêpê Rapazote tem feito sucesso internacionalmente, em séries como "Rainha do Sul" ou "Narcos", mas brilha, também, em produções da TVI, sendo as mais recentes as novelas "Na Corda Bamba" e "Bem Me Quer". Em entrevista à SELFIE, o ator revela como concilia a vida familiar com a profissional e como gere os muitos convites que recebe.

Os projetos em que tem participado têm tido grande sucesso entre a crítica. Recentemente, a novela "Na Corda Bamba", na qual deu vida a Pipo, foi nomeada a um Emmy. O que representa para si este tipo de reconhecimento?
É um enorme orgulho, desde logo, porque traz imensa justiça a um projeto que, se calhar, não teve as audiências que seriam esperadas por parte da TVI, mas que premeia a escrita - uma escrita verdadeiramente internacional, com uma linguagem universal, de altíssima qualidade -, que, a partir daí, desenrolou uma fantástica realização, com uma equipa de realizadores incrível. Este é o reconhecimento de toda a cadeia de valores: desde a escrita, aos realizadores, aos atores, passando pela equipa técnica. Isso deixa-me imensamente feliz, porque, embora já soubesse do valor da novela, não estava à espera desta nomeação, mas acho-a muito justa. Só faltou ganhar!

Em que medida este projeto foi especial?
Muitíssimo especial. Não tenho pudor nenhum em dizê-lo e deixar tristes outras pessoas, eventualmente: foi, de longe, a melhor novela que já fiz, a todos os níveis! Porque o envolvimento artístico, a dramaturgia ao serviço do audiovisual, se assim se pode dizer, nunca tinha sido feito nestes moldes, em Portugal, comigo, pelo menos. Claro que não é a primeira novela que o Rui Vilhena escreve, longe disso, mas houve uma equipa de realizadores muito especial, que esteve aqui e que supervisionou, fazendo deste projeto um projeto verdadeiramente diferente e diferenciador. Como escrevi num post, no Instagram, quando soube que estávamos nomeados: "Independentemente do resultado final, gostava, mais do que tudo, que ficasse a forma, o método, a arte. E a pudéssemos replicar, vezes sem conta, em futuras produções." Essa é a grande vitória! Que "Na Corda Bamba" fizesse escola.

Agora, faz parte do elenco de "Bem Me Quer". Como está a correr?
É muito diferente do projeto de que estávamos a falar agora, mas está a correr muitíssimo bem. É um grupo de atores fantástico e não param de acontecer coisas na ação, o que, para os atores, e para mim, em particular, é muito bom. Nós nunca sentimos que estamos a empastelar e a dizer 'estes 30 episódios podiam ter saído da escrita, não aquecem nem arrefecem'. Nada disso! Estão, sempre, a acontecer coisas e acredito que esse é um dos motivos pelos quais o público fica agarrado a esta novela. Esse é, também, um dos propósitos fundamentais das novelas, dos folhetins, manter o público 'preso', com um gancho que deixa as pessoas ávidas do próximo capítulo. Esse propósito é muitíssimo bem cumprido em "Bem Me Quer".

Acredita no papel social da novela, principalmente em tempos de pandemia?
O papel social das novelas existe, sempre. Em qualquer outra situação, se conseguimos agarrar os espectadores ao ecrã, melhor ainda. Diria é que, nestes tempos de pandemia, para além do papel social que existe, sempre, as pessoas têm mais tempo, houve uma alteração grande na nossa vida, seja quem está em teletrabalho, quem está em layoff, quem tem um dia de trabalho menos preenchido e com menos distrações. Ou seja, ao chegar ao prime time e à hora de jantar, há mais vontade de ver uma novela destas, que possa prender mais o espectador à televisão. Isso, de facto, ainda é um impulso extra ao que esta novela vem trazer e isso sente-se. Sente-se e vê-se nas audiências! A resposta nas audiências tem sido espantosa.

Como tem sido gravar em tempos de pandemia?
Nós vamo-nos adaptando a estas novas rotinas, a estas novas obrigações, quando estamos em estúdio ou em exteriores, com o distanciamento, as máscaras, o álcool gel, etc. A mim, pessoalmente, continua a fazer-me muita confusão a falta de toque entre as pessoas, mas, relativamente ao trabalho propriamente dito, faz-me confusão que não possa haver um abraço ou um beijo se não for planeado, se não for planificado e se os atores não forem previamente testados. Um abraço ou um beijo na cara é uma coisa que, muitas vezes, sai naturalmente. E, aqui, se não estiver programado, temos de dizer: "Espera aí, que eu já não faço o teste há dez dias..." Isso interfere um bocadinho com a naturalidade, que é o mais orgânico nas novelas. Mas, que remédio, são os tempos que correm. Temos de nos adaptar a estas contingências que me aborrecem bastante, volto a frisar, mas já começa a fazer parte deste dia-a-dia e, assim, tem de ser. Senão não pensaríamos noutra coisa e estávamos pouco concentrados naquilo que é mais importante, que é o trabalho.

E em que ponto está a carreira internacional?
A carreira internacional continua muito viva e com muito desejo da minha parte em continuar a investir nela. No ano passado, aconteceram algumas coisas. Em março, estava no México a filmar, depois, vim para Portugal, fecharam as produções, e, dois dias, depois acabaram os voos... Havia uma série para começar nos EUA, que, por questões extremamente burocráticas, vistos de trabalho, etc., não foi avante. Foi uma pena, porque seriam cerca de seis temporadas, e, portanto, ia ser um projeto bastante longo. Mas continuo a minha aventura internacional e há muito boas perspetivas de, em 2021, estar a trabalhar no México.

Então, tem tido convites?
Sim, tenho tido convites e muito trabalho e, também, tenho recusado muitas coisas. Quando mudei de profissão, da arquitetura para a representação, custou-me encaixar que não pudesse aceitar mais trabalhos, que tinha de ser um de cada vez ou, eventualmente, dois, se fosse teatro e televisão ou teatro e cinema, porque o teatro é à noite. Mas faz-me muita confusão, porque, num atelier, contratam-se mais arquitetos e nunca se recusa trabalho, e é assim que as empresas vão crescendo... Mas tenho tido convites e tenho de os recusar. Neste momento, até março, não posso. Depois de março, já tenho imensos convites cá em Portugal, em Espanha e um projeto no México, que é o que está mais bem encaminhado. Há muita coisa, felizmente! Depois, há que ponderar outra tanta, porque, também, há família pelo caminho.

Como se equilibra a vida familiar com uma carreira internacional?
Não se equilibra. Quando estou fora, estou fora, e quando estou cá, estou cá. É o que é! Uma das coisas que gostava de conseguir, nestes próximos projetos, era levar a família comigo. Mas, obviamente, há a escola das crianças e a Mafalda [Vilhena, esposa do ator] também trabalha... Gostava de, estando a filmar no verão, os poder levar. Principalmente, se forem países da América Latina, países mais quentes, se for ao pé da água, dá para fazer uma praia e sempre passamos férias juntos. É isso que tenciono fazer, caso venha a concretizar-se este próximo projeto e, se não for neste, em outros, naturalmente.

O apoio da Mafalda é fundamental nesta aventura internacional?
Claro! Só poderia arriscar numa carreira internacional, com uma boa estrutura cá e a estrutura familiar é fundamental. Não poderia ser de outra forma e a Mafalda é o meu principal apoio.

Com dois pais atores, alguma das suas filhas mostra interesse na representação?
Para já, não há, ainda, escolhas. A mais velha [Júlia, de 15 anos] está no 10.º ano, em Humanidades, e, para já, não há intenção de seguir nada disto. Vai ter uma profissão séria! [risos]. Somos tão poucos nesta profissão com o desafogo suficiente de não ter a corda ao pescoço, no final de cada mês... Também já fiz teatro, a receber 80 contos [cerca de 400 euros] e a ter que pagar Segurança Social daí e a não sobrar nada... a contar os tostões. Ou seja, a percentagem daqueles que são bem sucedidos, a nível financeiro, é muito pequena. Como se vê, neste período de pandemia, em que a Cultura está, de facto, pela hora da morte. Os profissionais da Cultura vão passar muito, muito mal. É uma coisa que não vejo com os melhores olhos do mundo, não.

Mas o Pêpê arriscou mudar de uma profissão "séria" para uma carreira na representação...
Fiz esta mudança de vida com alguma segurança. Fui tirando um pezinho da Arquitetura e colocando mais um pé na representação. Isto foi um processo de mais de dois anos e só quando estava tudo estabilizado é que percebi: "Ok, vamos saltar completamente para o outro lado". Fui extremamente consciente na minha escolha e sem grandes riscos. Agora, uma filha... [risos] Antigamente, nós dizíamos: "Olha, vais ter de tirar um curso como deve ser e, depois disso, fazes o que quiseres da tua vida." Isto é tudo muito bonito, mas, na verdade, é estar a obrigar alguém a tirar um curso que, se calhar, não lhe interessa particularmente, durante cinco anos, só para ter um seguro de vida, se o resto correr mal. Também não estou muito de acordo com isso. O meu caso não foi esse, porque adorava arquitetura e continuo a adorar! Hoje em dia, vemos aparecer estas novas profissões, como os youtubers. Às vezes, pergunto-me como determinados youtubers vão ganhar a vida, daqui a uns anos, a fazer o mesmo tipo de coisas. Ou se adaptam muito ou, de repente, daqui a 20 anos, já ninguém quer ver um velho a fazer parvoíces em vídeos, no YouTube, não é? Mas, sim, há novas profissões a aparecer. Mas seja como for, a mais velha não está para aí virada e a mais nova [Leonor, de 10 anos], logo se vê.

Mencionou que tem alguns convites que tem de recusar: como faz essa triagem?
Estou numa fase da minha carreira, na qual, felizmente, posso fazer uma triagem dos trabalhos que faço. Faço uma triagem muito grande e, às vezes, dou por mim a pensar: "Como é possível estar a recusar isto de olhos fechados, se, há cinco anos, ficava excitadíssimo se me fizessem esta oferta?". Neste momento, recuso de olhos fechados, sem pensar duas vezes, porque temos de fazer escolhas e, felizmente, é bom sinal. Há escolhas cada vez melhores e cada vez mais oferta, mas, de facto, tem sido uma evolução tão rápida, que é estonteante. De qualquer forma, gostava de salvaguardar que seria feliz a fazer tudo nesta profissão, nesta e em outras. Não há aquela coisa de "cheguei lá acima, e agora? Agora, é, sempre, a descer…" Não, não interpreto o sempre a descer. Mesmo que se ganhe pouco, se for um projeto muito interessante, de palco, um projeto de teatro… Há sempre coisas fantásticas a fazer. E fazemos coisas muito boas neste país!

A Cultura tem evoluído em Portugal?
Muito! Haja dinâmica da parte de toda a gente. O problema é que não há política cultural em Portugal, para além daquela que afeta a museologia e a conservação de património. Mais do que os apoios ou a dinâmica, é um rumo que nunca existiu. E é isto que, depois, faz as companhias de teatro parecem uns pobrezinhos a pedir esmola, quando deviam ser os motores das mudanças das mentalidades de um país, de uma geração, de duas gerações, e acabamos por parecer uns pedintes. Teria muito mais a dizer sobre política cultural, mas, depois, parece uma frase batida de um partido qualquer... Podia estar aqui, duas horas, com as minhas ideias para a política cultural. Mas falta-nos, mesmo, uma política cultural, porque nunca existiu. Há umas medidas avulsas e, mesmo essas, extremamente controversas

Em seu entender, em Portugal, temos profissionais que são capazes de brilhar em qualquer produção internacional?
Quem faz novelas em Portugal, está preparado para a guerra. O esforço é tão grande e tão coordenado, tão forte e tão extenuante, que estamos preparados para todas as produções. Em qualquer lado do mundo, qualquer produção será mais suave do que uma novela em Portugal. É a minha experiência. Tudo é mais fácil e com mais tempo, mais calma e cuidado do que fazer novelas em Portugal e, por isso, saímos daqui preparados para tudo. Armados até aos dentes, com camuflado, arma ao ombro e vamos! [risos] Isso traz-nos uma humildade muito grande, o facto de fazermos novela e teatro cá. A humildade é muito importante e levarmos esta humildade connosco também nos prepara para outros embates, mesmo supostamente aqueles dos quais não estamos à espera. Isto é, se formos abertos a tudo, dispostos a tudo, quando saímos daqui, embatemos com muito maior facilidade nos desafios que se nos apresentam e é mais uma coisa boa. Mas isso eu poderia dizer da humildade, em geral, com toda a gente, estarmos disponíveis, dispostos a tudo… o embate é sempre mais suave.

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