Entrevistas

Luísa Castel-Branco abre o coração em entrevista intimista: "O Francisco ensinou-me a confiar e a amar"

A propósito do mais recente livro, "O Amor É Uma Invenção dos Pobres", Luísa Castel-Branco reflete, em entrevista à SELFIE, sobre o amor e a falta dele.

O amor é mesmo uma invenção dos pobres?
Tem de ler o livro para descobrir qual é a minha tese [risos]. Hoje em dia, tenho imensas teses...

Cresceu com amor?
[Responde prontamente.] Não.

E é algo que está resolvido?
Era uma mágoa. Digamos que tudo está resolvido na medida em que uma pessoa consegue revisitar esse tempo e perceber que cada pessoa nos deu aquilo que podia dar. Mas a mágoa continua lá.

Os pais não tinham a capacidade de amar?
Primeiro, acho que tem que ver com a geração em que eu cresci. As mulheres dedicavam a vida totalmente aos maridos e os filhos vinham depois. Os homens também não eram ensinados a mostrar o mínimo de sentimentos. Acho que tem muito que ver com isto, mas também com a educação de um e de outro e com as vicissitudes que tiveram na vida.

Mas cresceu a saber que não tinha amor ou só mais tarde, quando foi realmente amada, é que se apercebeu disso?
Cresci a sentir que não era amada - com uma perceção absoluta - e sempre carente de amor e proteção.

Ia buscar isso a algum lado?
Não.

Então, cresceu amargurada?
Cresci revoltada. A amargura pode ou não vir depois. Mas eu também não era, de forma alguma, uma adolescente fácil.

Em que sentido?
Odiava ordens, odiava que as coisas tivessem de ser feitas como mandavam e sem qualquer explicação, odiava o poder que os adultos tinham sobre as crianças ou adolescentes... A rejeição da autoridade era uma coisa muito marcada em mim. Também odiava que as mulheres não pudessem fazer o mesmo do que os homens...

Isso trouxe muitos dissabores, não?
Trouxe imensos. Primeiro, a estranheza das outras pessoas. Comecei a fazer televisão aos 46 anos e entrevistava mulheres sobre o feminismo. A única pessoa que me disse que era feminista foi a Helena Roseta. As outras pessoas fugiam disso como o diabo foge da cruz. Estamos a falar de há 20 anos, quando o feminismo não era, como agora é, bem visto.

Acha que, hoje em dia, é bem visto?
Acho que sim... Hoje em dia, é muito cartão de visita. Mas, na maior parte das vezes, é muito mal defendido e muito mal compreendido.

Porque também é mal definido por algumas pessoas que o defendem?
É. No fim de contas, isto é completamente básico: as mulheres têm tantos direitos e deveres como os homens. É só isto.

Voltando ao amor... Com quem aprendeu a amar?
Há várias espécies de amor. O amor maior é, sem dúvida alguma, o que sinto pelos meus filhos. Sempre quis ser mãe, porque queria fazer o contrário do que tinham feito comigo. Tinha dois sonhos: escrever e ser mãe. Depois, amei duas vezes na minha vida. Acho que há uma enorme diferença entre o amor e a paixão ou o encantamento. O encantamento pode ser muito forte, mas depois apaga-se. O amor é uma coisa completamente diferente. É uma construção que começa no encantamento mas que, depois, se pode ou não construir. Eu tive sorte, porque amei duas vezes, o que é bastante bom.

É possível definir o amor?
[Longa pausa.] É a cumplicidade que se vai criando com outro ser humano em que os dois se reconhecem sem precisar de palavras. É o respeito que tem se de ter e que tem de se receber. É a igualdade que tem de se ter e que tem de se receber. Eu não sou casada, vivo em pecado. Já lá vão 27 anos. Se, ao fim de uns anos, se sentir a mesma atração e o mesmo fascínio pela mesma pessoa, então teve-se muita sorte.

Era o que eu ia perguntar: é uma questão de sorte?
Meu querido, a sorte é sempre o resultado de um trabalho muito árduo. Não acredito que seja de outra forma. É como educar os filhos: é algo que tem de se fazer todos os dias e a toda a hora.

Portanto, se lhe perguntar se tem alguma personificação do amor, diria o Francisco [Colaço] e os filhos.
Eu tenho sempre que definir o seguinte: primeiro, estão os filhos. Depois, na amor entre um homem e uma mulher, sem dúvida o Francisco. Que teve muitos momentos maus e difíceis! Mas, depois, tem outros momentos em que vale a pena. É desse equilíbrio e dessa caminhada a dois que, depois, se afere se vale a pena continuarmos juntos ou não.

E o amor comporta a dor?
Sim, desde que o respeito nunca seja quebrado.

É romântica?
Sou muito romântica, o que é uma incongruência com tudo o resto da minha vida.

É uma incongruência? Não será estar à procura de algo que nunca teve?
Se calhar... Acho que andei sempre à procura de amor e aceitação.

O que lhe ensinou o Francisco?
Ensinou-me imensa coisa... Ensinou-me a confiar, a amar, que é possível partilhar uma vida a dois, que duas pessoas opostas fazem, juntas, um todo... Isto tudo aprendi com ele.

O Francisco também é romântico?
Imenso! Traz-me rosas todas as semanas!

E a Luísa adora...
Adoro! De vez em quando, traz-me uma rosa vermelha e eu adoro. Somos tão pirosos que chamamo-nos de "amor" um ao outro. Em frente a toda a gente!

Esse é um dos segredos para manter a chama acesa ao fim de tantos anos?
Acho que sim. E rimo-nos os dois juntos. O humor é muito importante! Quando conseguimos rir-nos com outra pessoa, meio caminho está feito.

E nós, de uma forma geral, sabemos amar?
Acho que não. Tenho imensa pena dos jovens, se quer que lhe diga... Sempre achei que a razão para o meu primeiro casamento ter falhado tinha que ver com a minha falta de maturidade e conhecimento dos homens. Mas, depois, chegamos a esta altura e vemos que as pessoas têm vários parceiros e casam e descasam a uma velocidade doida! Há casamentos que duram dois, três meses...

Porque não há tolerância?
Não há. Porque alguém lhes disse que isto é tudo muito bom e muito bonito. Não é nada disso! Não podemos ter a mesma emoção que tínhamos no início passados tantos anos. Mas podemos criar momentos de emoção. Hoje em dia, as pessoas não investem. "Não há? Adeus!" A maior parte das pessoas casa-se a pensar que, se não estiver bem, separa-se.

Há solução?
Acho que sim. Já passámos por uma pandemia e achámos que tínhamos aprendido alguma coisa... A verdade é que há crise, há guerra... É nas dificuldades que as pessoas se unem ou rebentam. Se conseguirem ultrapassar as dificuldades juntos, o futuro é capaz de ser melhor. O que estou a dizer parece estúpido, mas uma das coisas que este amor de micro-ondas reflete é as facilidades todas com que temos vivido na última década.

Nesta nova obra, o segundo de três livros autobiográficos, fala também de memórias e da infância. Qual é a sua memória mais antiga?
Tenho muito poucas memórias antes dos 11 anos. Quando eu tinha 11 anos, a guerra rebentou entre os meus pais. Antes dessa idade, lembro-me de alguns momentos, mas muito poucos.

Perdoou os seus pais?
Sim. Eu não queria que o livro fosse em acerto de contas. E não é. Acima de tudo, debruço-me sobre a janela que foi o meu tempo de infância e juventude e vejo que tudo o que detestava nos meus pais era o melhor que eles sabiam. Daí eu contar a história de vida dos meus pais. Nenhum deles teve infância...

Mas chegou a ter uma conversa com eles?
Não, não... O meu pai morreu com 51 anos, de repente, com um ataque cardíaco. Mas falar com ele era como falar com uma parede. Com a minha mãe, tive vários desaguisados. Ela nunca achou nada daquilo que eu pensava.

Perdoou-os dentro de si, então.
Sim. Mas obviamente que a mágoa está cá.

Aprende-se a viver com essa mágoa?
Sim. Até porque aconteceram outros momentos ainda mais terríveis na minha infância, que também me marcaram profundamente. É muito difícil viver com eles, mas aprende-se a fazê-lo.

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