Entrevistas

Isaura sobre novo single: "A arte serve para nos fazer pensar e desafiar os limites"

A propósito do lançamento do novo single, "A Viagem", Isaura concedeu uma entrevista exclusiva à SELFIE, na qual aborda o papel desafiante da arte.

"A Viagem" faz parte do seu primeiro álbum em português. Por que motivo é que houve esta mudança da língua inglesa para o nosso idioma?
Sempre escrevi e cantei em português. Editar em inglês era uma escolha muito mais estética, por entender que fazia mais sentido na sonoridade que estava a explorar, na altura. Para mim, o idioma é como escolher entre vestir uma camisola azul ou vermelha - gosto de ambas, sinto-me bem em ambas; depende, sim, da estética que quero para mim, naquele dia. Agora, quis explorar a minha sonoridade em português em vez de querer executar uma sonoridade que já tinha na minha cabeça.

Quais são as principais diferenças entre compor em inglês e em português?
Acima de tudo, para mim, tem a ver com a escolha de palavras, as métricas e até a forma de cantar terem de ser adaptadas. Qualquer coisa cantada em inglês soa bem, quase. Em português, nem tudo me é plausível e a forma como se diz certas palavras tem de ser muito mais cuidada para se conseguir uma estética mais pop, eletrónica e alternativa.

Nas redes sociais, chegou a afirmar que esta é uma das suas canções favoritas de todas as que já fez. Por que motivo gosta tanto deste tema?
É uma canção sobre viver, sobre ir à procura do que se quer. E acho que é evidente ser uma canção sobre sermos fiéis a quem somos, ir em frente, mesmo que mais ninguém compreenda o nosso caminho. É uma canção com uma letra muito transparente e direta, que vive num instrumental mais ousado e que sei poder ser um pouco menos "comercial". Acho que a arte serve para isto, para nos fazer pensar e desafiar os limites e as fronteiras.

Não é só o tema que é especial, para si: o videoclipe também, visto que a própria Isaura o considera como "um sonho tornado realidade", por ser gravado em película. Por que motivo fez questão que este vídeo fosse filmado em 16mm?
Sou uma amante da fotografia analógica, o mesmo com o vídeo. Hoje em dia, é muito dispendioso filmar a película, porque há menos casas de revelação, menos câmaras e só meia dúzia de loucos é que abraça estes desafios. É um sonho tornado realidade, porque é especial filmar e não saber ao certo o que lá está! Fazem um ou dois takes, porque não há filme para mais, manda-se revelar e espera-se que tenha corrido tudo bem. Hoje em dia, vivemos na era dos excessos, tudo é ilimitado; filmar assim é uma analogia perfeita de que cada frame, cada segundo que vivemos, é especial e irrepetível.

A letra deste novo single fala sobre uma viagem interior. Este tipo de viagens é mais importante do que as geográficas?
Sem dúvida, diria que a vida se faz de Viagens interiores, acima de tudo.

"Sei que não te vês como eras antes/ Sei que ‘tás cansada de ser gigante". Estes são os versos iniciais do tema. Podemos associar estas frases a um desabafo, após o período desafiante que enfrentou, a nível pessoal, nestes últimos dois anos?
Quando os escrevi, não eram um desabafo sobre mim. Mas as canções são assim mesmo, o tempo passa e elas ganham dezenas de outros significados. Hoje em dia, quando oiço a canção, também sinto essas palavras como um desabafo sobre mim e um espelho que reflete tantas pessoas à minha volta que também foram partilhando as respetivas transformações comigo. Nenhum de nós é igual ao que era há dois anos  e é importante conseguirmos gostar dessas novas versões.

Podemos dizer que existe uma nova compositora e, também, uma nova mulher, após esse período?
Sem dúvida. Sinto-me muito mais corajosa, ainda que vulnerável, nas canções que tenho feito. E muito mais confiante do que quero fazer.

Já o tema que mais a popularizou - "O Jardim" - tinha sido inspirado na sua avó. Pode-se dizer que as suas experiências pessoais são uma das principais fontes de inspiração?
Sim. Faz parte da minha forma de compor e escrever; é-me inevitável escrever sobre o que sinto ou o que vejo à minha volta.

Falando n'"O Jardim", após quatro anos, que recordações guarda da participação no Festival da Canção?
Foi uma experiência muito rica. Guardo as pessoas e a oportunidade de ter dado a conhecer uma canção minha e tão especial a tanta gente!

Seria capaz de participar, novamente, no certame?
Sim, se o convite viesse no contexto e na altura certos.

Vai começar a apresentar este novo trabalho, no palco, em março de 2023. Sente muitas saudades dos concertos?
Muitas, mesmo. Sou muito mais "bicho" de estúdio. Mas já lá vão uns anos desde que estive em digressão e estou desejosa de voltar aos concertos. Este é o primeiro trabalho que faço em que enquanto estou em estúdio já estou, de certa forma, a planear os espetáculos na minha cabeça!

Poucos devem saber, mas é licenciada em Biologia Celular e Molecular. Com um percurso na música tão prolífico, a ciência continua a fazer parte da sua vida?
Hoje em dia, ainda trabalho em projetos de comunicação de ciência e saúde. É uma vertente da minha vida que também me ensina e me enriquece; toda essa experiência acaba por alimentar as minhas canções e como construo as relações à minha volta.

São duas áreas aparentemente diferentes, mas consegue encontrar semelhanças entre a ciência e a música?
Sinto que o que vou adquirindo no meu trabalho na ciência é, acima de tudo, ética de trabalho. Organização, disciplina e método. Isto são ferramentas importantes para não me perder no processo exploratório de que se faz a música. Consigo ser criativa, mas não me perder nisso. Se é que faz algum sentido isto que estou a dizer!

Estamos quase a chegar a um novo ano e, recentemente, no Instagram, confidenciou que, há dois anos, pediu um desejo e que todos se têm concretizado. Qual é o seu maior desejo para 2023?
Saúde, para mim e para todos.

Se pudesse deixar uma mensagem à Isaura de há dez anos, o que diria?
Foca-te mais em ti e no que tu queres fazer.

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