Festa é Festa

Roberto Pereira: "A novela 'Festa é Festa' é 'O Preço Certo' da ficção"

A propósito da chegada ao 500.º episódio de "Festa é Festa", a SELFIE conversa com o "cérebro" da novela da TVI: o argumentista Roberto Pereira.

O que sente ao ver "Festa é Festa" chegar à meta dos 500 episódios?
Sinto uma enorme satisfação, principalmente pelo facto de ser sinal de que as pessoas continuam a gostar muito de ver. Temos a felicidade de estarmos a trabalhar numa história que conseguimos reinventar. A "Festa" não vai ficar por aqui, felizmente. Oxalá estes sejam os primeiros 500 episódios. Mas aquilo que, no fundo, me dá mais prazer é saber que estamos a construir uma coisa de que as pessoas gostam e que faz realmente bem ao dia-a-dia das pessoas.

É o que lhe dizem?
Aquilo que mais dizem, de facto, é que aqueles 35 minutos do dia servem, no fundo, para descomprimir e para aliviar dos problemas, da vida, do trabalho... A "Festa" começou numa fase socialmente complicada, com a pandemia, e veio dar alegria às pessoas. O que sinto é que estamos outra vez a entrar numa fase semelhante, não por questões de saúde, mas por questões económicas. A "Festa" serve muito para as pessoas desanuviarem. Essa é a minha grande satisfação.

Imagino que a satisfação é ainda maior por ser líder de audiências.
É ótimo. Ando nisto há sensivelmente 20 anos. Seria hipócrita se dissesse que não ligo a audiências e que o que quero é fazer um trabalho bem feito. Estaria a mentir. É óbvio que me dá uma grande satisfação saber, todos os dias, que fomos o programa mais visto. Somos o programa de ficção mais visto há um ano e meio! Ao final de 500 episódios, não há nada na ficção que consiga tirar-nos esse primeiro lugar.

Quando Cristina Ferreira o desafiou a escrever "Festa é Festa", jamais imaginaria chegar até aos 500 episódios.
Já me perguntaram se eu esperaria o sucesso da "Festa". Eu garanto que esperava o sucesso da "Festa". A certa altura, senti que tinha os ingredientes todos para prender os espectadores.

Daí a estender-se por mais de 500 episódios...
Exatamente. A realidade mostra-me que, num passado mais recente, não há nada que tenha tido, nem de perto, nem de longe, números parecidos em termos de longevidade e de consolidação de audiência. As novelas não passam dos 200, 200 e tal episódios... Portanto, é lógico que, quando comecei, não estava à espera que chegasse aos 500 episódios. Mas, a partir de determinado momento, comecei a acreditar que sim. Como acredito, ainda hoje, que isto ainda tem muito para durar.

Ou seja, está pronto para escrever, pelo menos, mais 500 episódios.
Estou, estou. Pelo menos! Enquanto as pessoas gostarem muito de ver isto e enquanto nós acharmos que a história se pode reinventar...

Como se consegue tanta imaginação para 500 episódios?
Começou logo por retratarmos muito bem a realidade das aldeias, de certas personagens que todos nós conhecemos ou com os quais, de certa forma, nos revemos. O grande segredo foi, realmente, termos conseguido construir personagens-chave, que agarraram e que tinham muito sumo. A partir daí, reinventa-se, porque elas já estão tanto na nossa cabeça que é tão fácil imaginar histórias, histórias e mais histórias com esta malta... É quase inesgotável.

"Festa é Festa" é a sua primeira novela como autor principal. Qual é o maior desafio de escrever uma novela e escrever esta, em particular?
Sempre disse e continuarei a dizer: tudo o que eu fizer enquanto autor principal neste género de produto há de sempre retratar a realidade portuguesa. Já trabalhei noutras novelas, que eram muito boas. Mas, enquanto uma ideia estiver a sair da minha cabeça ou das pessoas com quem divido a autoria, não vou importar dramas, tragédias e acontecimentos que não são os nossos. Vou dar-lhe um exemplo: a criminalidade tão grande que vemos nas nossas novelas. São coisas que acontecem cá muito raramente. São coisas que vemos noutros países, nomeadamente nos países sul-americanos. E atenção: não precisariam de ser projetos de comédia. Se eu fosse desafiado a fazer uma novela de drama, será sempre sobre temas com os quais qualquer pessoa que esteja a ver vai identificar-se. Ou seja, vai sempre retratar Portugal e a portugalidade.

Apesar de o associarmos muito à comédia, está aberto a outro estilo?
Claro que sim. Já fiz outros géneros que não são comédia pura e dura. É lógico que adoro comédia e que 90% do meu percurso tem sido na comédia. Mas estou aberto e garanto que vou fazer muitas outras coisas que não sejam comédia. Sempre com um denominador comum: as pessoas reverem-se no que estão a ver.

Os atores dão-lhe muitas ideias para as respetivas personagens?
Temos uma relação muito aberta. Com alguns, então, temos uma relação de amizade profunda. Eles não chegam ao ponto de "Agora, gostaria de fazer isto... Agora, quero fazer aquilo...". Acontece naturalmente. Vou dar um exemplo: a dupla sertaneja [Tomé e Nando, respetivamente interpretados por Pedro Teixeira e Manuel Marques] nasce num jantar, todos à mesa. Tenho outro exemplo: a escolha das personagens do presépio vivo, no ano passado, foi num jantar com a Cristina [Ferreira, a Diretora de Entretenimento e Ficção da TVI], em Paris.

O facto de a novela ser um produto aberto permite mudanças no desenrolar da história. Houve, por exemplo, alguma personagem que tivesse ganhado maior dimensão do que aquela que tinha sido originalmente projetada?
Sim. A beata Celeste [interpretada por Margarida Antunes], por exemplo. Quando foi pensada, a personagem seria quase uma figurante com falas, alguém que entraria de vez em quando para levar um recado ou dizer qualquer coisa ao padre [Isidro, papel desempenhado por Carlos M. Cunha]. Nos primeiros episódios, percebemos imediatamente que ela era maravilhosa e que a personagem era maravilhosa. Ou seja, tinha tudo para correr bem. Nesta novela, tem havido muita meritocracia. Se percebermos que a personagem está a ser melhor do que aquilo que pensámos, claro que ganha vida. Assim como o contrário. Se, por exemplo, criamos um romance entre duas personagens e percebemos, depois de ver, que este tem mais química com aquele, alinhamos as coisas de modo a que seja sempre o melhor.

Consegue eleger o acontecimento que mais gozo lhe deu escrever?
Acho que foi o episódio 1. Escrevi esse episódio com a Eva [de Jesus Gonçalves] e, quando acabámos, pensámos: "Calma, porque temos aqui, realmente, uma coisa muito boa e que vai pegar, de certeza". A partir daí, há tanta coisa hilariante... É difícil eleger um.

Sendo líder de audiências, "Festa é Festa" já tem o reconhecimento nacional. E quando se recebe um prémio internacional, como aconteceu recentemente?
É a cereja em cima do bolo. Numa altura em que o mercado internacional é tão forte e em que as pessoas que supostamente viam novelas fogem, cada vez mais, para outro tipo de plataformas... Ainda para mais, não foi um prémio ao qual a novela concorreu. Eles [a organização], sim, foram à procura do que havia e deram-nos o troféu. Sabe-me muito bem. Se muda o meu dia de trabalho? Zero. O meu dia de trabalho vai ser exatamente igual. Agora: claro que nos dá uma grande satisfação. E deixo uma certeza que tenho cada vez mais: "Festa é Festa" é "O Preço Certo" da ficção.

É uma boa definição.
É cada vez mais a forma como vejo "Festa é Festa". É "O Preço Certo" da ficção por todos os motivos: por ser muito português, por ser popular, por estar a conseguir uma longevidade que não é comum nos produtos de ficção... As pessoas nas ruas são reconhecidas pelas personagens. Nós estivemos a gravar no Bolhão [mercado no Porto] e, ali, não havia Pedro Alves nem Maria Rueff. Eram o Bino e a Quina. Acho que já não acontecia uma coisa destas na ficção há muito tempo. Talvez desde "Morangos com Açúcar". E atores que estiveram em "Morangos com Açúcar" dizem, realmente, que isto parece o "Morangos com Açúcar" dos adultos.

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