Numa entrevista emotiva, concedida ao programa "Dois às 10", Carina Rodrigues começou por recordar que a gestação de Delman e Enzell sempre foi problemática.
"O primeiro susto foi que um podia ter Trissomia 21, mas, depois, percebemos que não. No início do mês de maio, fiz uma ecografia. Tinha muitas dores nas costas, muito inchaço nas pernas, mas, como estava a começar o calor, achei que era retenção de líquidos. Mas apercebemo-nos de que o Delman estava a fazer pressão no meu rim direito e que isso cria mais probabilidades para infeções urinárias. Logo aí comecei a tomar medicamentos para a infeção urinária para prevenir, apesar de ainda não ter sido detetada, e, no dia 3 de maio, foi detetada a tal bactéria no meu chichi que acaba por matar os meus filhos", recordou a irmã de Fanny Rodrigues.
Quando chegou aos seis meses de gestação, Carina Rodrigues só se incomodava com as dores, não tendo mais nenhum sintoma: "Essas dores faziam-me chorar. Uma pressão de lado, uma dor muito aguda. E eu dizia: 'Filho, sai daí, arruma-te daí.' E ele ouvia-me, porque o sentia a mexer-se."
Entretanto, por aconselhamento médico, a irmã de Fanny Rodrigues optou por ficar em casa: "Os médicos decidiram que tinha de ficar em casa, por causa da posição do trabalho. Estou a fazer a minha vida, quando, na quinta-feira, não tinha sinais de nada, a não ser o que depois me apercebi do que era. À tarde, tive uns corrimentos maiores do que o normal, liguei para o médico e disseram-me que era da gravidez, que como estava a tomar os antibióticos o corpo limpa. 'Ok, então é normal', pensei. Os meus filhos continuavam a mexerem-se, até ao último momento, estavam comigo. Na sexta-feira de manhã, faço a minha vida normal, tomo o pequeno-almoço, as minhas vitaminas, senti-os a mexer e, quando me deito na sala, eram 10:30 horas, comecei a sentir uma pressão abaixo da barriga, como uma dor de período. E percebi que algo não estava bem. Sempre me explicaram que as contrações começam com essas dores de período. E, às 10:53 horas, ligo para as urgências."
Depois de, ao telefone, avisarem Carina Rodrigues de que as contrações têm de ser controladas, a irmã de Fanny Rodrigues sentiu, em cinco minutos, que "algo não estava bem": "Disse que não podia esperar até à tarde. Ela disse para eu ir às urgências e, entretanto, ligo à minha madrinha para ir comigo, porque achava que os meus filhos não estavam bem. Começo a sentir que o corpo descontrolou, senti que algo não estava bem, não percebi que os ia perder e desço as escadas, com muita dificuldade, tive de ir no carro, deitada, os enfermeiros vieram-me buscar e pedi para me esquecerem, eles é que são o futuro, já não sou nada. Eles só me disseram que iam tratar de nós todos da melhor forma."
"A médica, que me estava a examinar, não me conseguia olhar nos olhos e falava mais com a minha madrinha do que comigo. Isso começou-me a irritar. Ela disse que estava com nove dedos de dilatação e que estava em trabalho de parto e que o meu primeiro filho estava a nascer. Sabia que nascer com seis meses era muito cedo", lamentou.
Para Carina Rodrigues, "ainda é muito difícil" lembrar-se de tudo o que aconteceu. "Mas eu recordo-me de que berrei e disse que não podia ser, porque eles não iam aguentar. Sei que, naquele momento, vou perder os meus filhos. A minha madrinha estava desesperada, a ligar para os meus pais que estavam em Portugal", afirmou.
A irmã de Fanny Rodrigues descreveu, ainda, o momento em que o namorado, Giovanni, soube do que se estava a passar: "O pai estava a trabalhar e é estranho, porque, quando ligam ao pai para dizer que os filhos vão nascer, é para trazer a mala… Não tive coragem de ligar, foi a minha madrinha, o Giovanni vem logo a correr e, quando ele entra, eu estava deitada, com as mãos na barriga, a pedir um milagre. [...] Fomos para a sala de parto e ficámos ali."
"Aparece uma equipa cheia de médicos. Um deles avança, na minha direção, e diz: 'Podemos tentar salvar o segundo bebé.' Disseram que eu era a quarta pessoa a quem iam fazer esta técnica: num caso, conseguiram salvar o filho, a outra senhora perdeu o bebé e, noutro caso, o bebé nasceu com complicações. Tinha 15 minutos para tomar a decisão: se tiravam os dois ou se tentavam salvar o segundo", acrescentou.
Carina Rodrigues decidiu salvar o bebé: "A equipa médica avisa-nos de que o bebé vai ser pequenino, que os pulmões não são suficientemente maturos, ainda. Prepararam-me para tudo. Entrei no bloco, comecei a cantar a música para eles, sempre falei para eles. Quando a enfermeira vem, com um embrulho pequenino, começo a chorar e não é de tristeza, é mesmo de felicidade. Arranco tudo das mãos… e, quando o meu filho estica assim a mãozinha, era como se ele estivesse a dizer: 'Olá, mamã'. Era o primeiro, o Enzell, falei com ele, cantei para ele. Só dizia que ele tinha de ir, quando ele quisesse, que toda a gente o amava muito, mas que ele ia ter uma vida melhor lá em cima."
"Fiquei a ver o meu filho a reagir, a tentar respirar, como bem me avisaram, peço para chamarem o Giovanni, e foi como se eu estivesse a perder as minhas forças, porque vê-lo a querer respirar, e a não conseguir, era, para mim, o pior sentimento que se podia ter. E, quando eu olho à volta, estava a equipa a acariciar o meu filho e eu gritei a dizer que ele é lindo e que parecia um ratinho que tinha assim um nariz todo pequenino. Ele esteve comigo 18 minutos. Nasceu às 06:00 horas e morreu às 06:19 horas. Ficou comigo, até ao fim. Despedi-me dele, fiz tudo o que queria. Agora, percebo que devia ter dado ordem mais cedo para adormecer o meu filho. Não queria que aquele momento acabasse. E quando nós ficamos só os três, nós não chorávamos, ficamos a olhar para ele", continuou.
Entretanto, o segundo filho só nasceu um dia depois, no domingo: "Apesar de estar rodeada da equipa médica, da minha família, a minha madrinha, sogra e namorado nunca saíram da minha beira, o sábado foi muito difícil. Escondi todas as minhas dores. Só se começaram a aperceber no fim, porque tinha uma contratação de três em três minutos. Batia com a cabeça, na cama, para ver se o meu cérebro sentia a dor noutro sítio. Quando eles vêm fazer a última ecografia, e isso magoa muito, ele já tinha ocupado o espaço de um bebé normal, estava todo esticadinho, o pior era eu, a casa não estava segura, o ambiente não estava firme."
"Quando o médico me pergunta se estou bem, respondo que sim. Quando o Giovanni aparece, percebe logo que não estou bem. Estou com 42 graus de febre, estou desidratada, enervo-me, ele enerva-se, porque eu não queria que ele dissesse a ninguém. Ele vai chamar a enfermeira e diz que estou a fingir e que estava com dores. Elas fazem as análises que têm a fazer e, a seguir, vem o médico. Percebi logo. Disse: 'Não vou, não quero.' Senti-me culpada, porque, por causa de uma bactéria que não sei de onde veio, o meu útero não estava a aguentar e isso é complicado. Estavam a pedir para eu matar o meu filho. Pedi à minha madrinha, ao Giovanni e à minha sogra para não dizerem nada a ninguém, para não avisarem que ia perder o meu segundo filho", recordou.
Carina Rodrigues sublinhou que o segundo filho viveu, também, apenas 18 minutos: "Quando acordei, já tinha acontecido, estive com ele. Os 18 minutos que ele viveu foi com o pai, o mesmo tempo que o irmão. Era maior do que o irmão. Só sentia paz, quando os tinha comigo, colados ao meu peito."
"Perdi a paz, no domingo, quando o meu pai chega ao hospital. Sabia que ele não ia querer ver os meus filhos naquele estado. Quando vi o meu pai a chorar, percebi: eles morreram, já não estão comigo. E aí é difícil: as questões vêm todas às cabeças", confessou, ainda.
Veja, agora, a entrevista de Carina Rodrigues, concedida ao programa "Dois às 10", nos vídeos.