Sim, irmã, muitas vezes, a nossa maior crítica, a nossa maior rival e até a nossa pior inimiga… é outra mulher? Pois é. A malta adora falar de empoderamento feminino, mas no dia a dia há sempre aquela olhadela de alto a baixo, o comentário venenoso, a comparação silenciosa (ou nem por isso).
Contudo, isto não nasceu do nada.
A resposta, minha irmã, está lá atrás, muito lá atrás. E quando digo lá atrás, falo de tempos em que ser expulsa do grupo significava MORRER.
Irmã, imagina-te no Império Otomano, da Pérsia ou da China Imperial rodeada de centenas de mulheres, todas a competirem pela atenção do mesmo homem. UM HOMEM. Centenas de mulheres. Percebes a dimensão da coisa?
Pior ainda, não podias dizer "Olha, isto do harém não é para mim, prefiro uma cena mais monogâmica", porque não havia swipe left. Não havia saída. Estavas lá, com mais 300 pretendentes, e tinhas de te destacar.
E como é que se fazia isso?
Com intriga, esquemas bem montados e pequenas doses de veneno estratégico.
Porque, irmã, se o sultão não te escolhesse, não havia segunda opção. Não havia "vou seguir os meus sonhos e abrir um negócio de velas artesanais!" ou "não, ‘pera, vou fazer cultura biológica de dióspiros!". Não. Se fosses expulsa do harém, ias parar à rua, e rua significava fome, e fome significava game over.
Então o que é que as mulheres faziam? Destruíam a concorrência.
Uma mancha de comida podre no vestido da rival antes da visita do sultão? Normal.
Umas maledicências bem colocadas sobre os bons hábitos da favorita? Elementar, minha cara.
Um empurrãozinho ao passar pela escadaria? Resultava sempre.
O instinto de sobrevivência mandava eliminar qualquer ameaça.
Agora, tu podes estar a pensar:
- "Mas, Vera, isso foi há séculos!"
Foi. Mas a nossa programação mental e biológica ainda não recebeu essa atualização, daí que o nosso comportamento ainda é o que é.
Por isso, quando a tua colega de trabalho aparece com um vestido novo e todas se apressam a dizer "Fica-te TÃO bem!" com um sorrisinho falso e os olhos a medir se a regueifa dela parece menor do que a tua, lembra-te: isto é a memória dos haréns a falar.
Se recuarmos ainda mais, lá para os tempos do uga buga - leia-se Paleolítico -, percebemos que o verdadeiro perigo não era apenas ser rejeitada - era ser expulsa da tribo. E ser expulsa significava uma coisa muito simples: morte. Sem grupo, sem proteção. Sem proteção, sem comida. E sem comida… bem, a história acabava ali, de forma pouco poética e pouco glamorosa.
Naquela época, a mulher não podia simplesmente dizer "Olha, não estou confortável com esta dinâmica tribal, acho que vou procurar outro grupo mais alinhado com os meus valores e propósitos." Não, senhora. Era fazer parte da matilha ou seres petiscos de leão-das-cavernas.
Então, a sobrevivência passava por garantir o seu espaço dentro do grupo a todo o custo. Se uma recém-chegada - por norma raptada de outra tribo - aparecesse com um cabelo mais sedoso e dentes mais alinhados (o equivalente a um bronze perfeito e facetas dentárias hoje em dia), o instinto de alerta disparava. Porque onde há competição, há ameaça. E onde há ameaça, há estratégia.
E foi assim que começou o desporto feminino mais antigo do mundo: o jogo da sobrevivência social.
Fast forward para o século XXI e esses instintos ainda estão cá. Ainda associamos o sucesso da outra ao nosso fracasso.
A vizinha arranja um namorado novo?
- "Deve ser um idiota ou deve ser pelo dinheiro dela, com certeza."
A colega é promovida?
- "Hmm, com quem é que ela dormiu para chegar lá?"
A amiga emagrece?
- "Ah, estúpida! Com certeza fez alguma dieta maluca que a vai destruir por dentro. No inverno vai estar uma orca!”
Ou seja, ainda vivemos na mentalidade do "só pode haver uma."
O problema? O trono é imaginário.
Estamos num ponto de viragem, irmã. A era dos homens terminou, começou a das mulheres. Porém, como em tudo na vida, o pêndulo foi de um extremo ao outro.
Agora, muitas de nós carregam o peso de terem que ser tudo ao mesmo tempo: fortes, bem-sucedidas, espirituais, mães exemplares, super amantes, empreendedoras, magras, inteligentes, com glow natural e cabelo de anúncio.
E se não formos tudo isso?
- "Ai coitada, perdeu-se."
Mas também, se formos bem-sucedidas demais:
- "Credo, que arrogante. Tem mesmo a mania!”
Querem fazer o favor de se decidirem?
A verdadeira revolução feminina não está só no "girl power" de t-shirts cor-de-rosa com piretes. Está em percebermos que quando uma mulher vence, todas vencem.
Quando uma de nós se liberta de um relacionamento tóxico, quando uma mulher consegue realizar um sonho, quando uma jovem escolhe viver a sua verdade - isso é um passo para todas.
E, irmã, é aqui que entra a pergunta essencial. Não é "por que somos umas cabritas umas para as outras?"
A pergunta certa é: quando é que começamos a ser verdadeiramente irmãs?
Porque, quando isso acontecer, o mundo verá que a verdadeira revolução não está em substituir um poder por outro, mas em aprender a caminhar lado a lado.