Crónicas

"Quando um olhar me desarma (e não é o do segurança do supermercado)", por Vera Xavier

Às vezes, para nos sentirmos vistas, temos de sair do país. Ou esperar que os homens portugueses bebam uns canecos. E mesmo assim, o olhar vem meio torto, com ressabiamento embutido. Aquela coisa de "olha-me esta, toda emproada, deve pensar que é boa…" (spoiler: sou… perfeitamente imperfeita).

Tarot & LifeCoach
  • 28 mar, 15:53
Vera Xavier
Vera Xavier

A coragem líquida diz-lhes "vai lá e pede o contacto"… mas, na manhã seguinte, voltam as inseguranças todas: "Ela parece ser uma mulher confiante. Terei cabedal para aquilo?" Terias. Se o assumisses perante ti próprio. Se decidisses trabalhar essa fragilidade - como eu trabalhei e ainda trabalho. Caso contrário, vais continuar a procurar mulheres submissas que, meu querido… já viste que de santinhas têm só o marketing. A maioria dos homens prefere ser enganada, concordas, irmã? Quantos não casaram com a mais "fácil de controlar" e deixaram as mulheres que realmente os encantaram - e desafiaram - por medo? Tantos. Um dia, esses homens virão bater à porta dessas mulheres maravilhosas… E elas vão fazer-lhes um manguito elegante e silencioso. E, depois, voltam para dentro, com a camisola oversized, sem sutiã e uma taça de vinho na mão. A sorrir com aquele prazer sereno de quem sabe que já não aceita migalhas - só banquetes.

 

"A maioria dos homens prefere ser enganada"

 

Tenho 1,75 metros, calçada, e nada tenho de submissa. E, sim, às vezes, acho que metade dos homens põe o olhar no chão só porque eu entrei numa sala. Já no estrangeiro, o mesmo metro e setenta e cinco é olhado com tesão honesto. Sim, tesão honesto. Aquele olhar que não quer dominar, nem humilhar, nem reduzir. Só quer ver, admirar, saborear com os olhos. Eles viraram a cabeça, esboçam um sorriso charmoso e seguem caminho. Ai… o que eu adoro a classe!

Sabes aquele olhar que não precisa de palavra nenhuma, mas que diz tudo? Que te percorre com intenção, mas sem vulgaridade. Que faz com que te sintas mulher inteira e não apenas um pedaço de carne em cima de saltos. Aquele olhar que não mete medo - mete calor. Que não invade - envolve. Que te despenteia a alma antes sequer de te tocar num cabelo.

Esse olhar, irmã, desarma. Mais do que mil palavras ou promessas vazias. Mais do que qualquer frase de engate ensaiada. Porque ele não vem com agenda. Vem com presença. Não quer nada além de estar ali, naquele segundo, a sentir a tua existência. Sem jogo. Sem medo da tua altura, da tua voz ou da tua opinião.

 

"Ainda acredito que o desejo é essencial"

 

Talvez eu seja romântica, sim. Romântica vacinada. Com todos os reforços contra a dependência emocional, os príncipes com pés de barro  e os poetas de WhatsApp. Mas ainda acredito que o desejo é essencial - uma força ígnea que nos percorre a espinha, que acende as ideias e queima as desculpas. Que pode ser inteligente. Provocador. Com humor e intenção. O humor é tão sexy. Que pode ser uma troca de fogo interno que não nos faz sentir pequenas, mas poderosas, vivas, gloriosamente despertas.

Um desejo que se acende com um olhar e se mantém a ferver com uma conversa que dança entre silêncios e sorrisos.

Um toque só mais tarde, se houver coragem. E se não houver… já valeu só pela eletricidade.

E, sim, irmã, se tiver de apanhar um avião para sentir isso... Façam-me a mala, porque entre um olhar que julga e um olhar que celebra, eu sei bem para onde quero ir.

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