Foi no silêncio que tudo começou. Um silêncio subtil, cheio de significados, como só pode existir num mosteiro mágico escondido entre árvores antigas e passos descalços.
Ao fundo, erguia-se o templo central - imponente, de madeira clara, construído segundo os preceitos do budismo Theravada. Não tinha um único prego. Não é maravilhoso? Cada peça encaixada com precisão, com paciência, com reverência. Nada foi magoado. E ela pensou: "É assim que os encontros deviam ser - escolhemos os cepos certos, encaixamos com ternura… e não fazemos ferida alguma."
"Não se procuravam, mas sabiam onde o outro estava."
Ela tinha vindo de Portugal, com a alma cansada, à procura de paz ou talvez de qualquer coisa parecida com redenção. Ele, de Singapura, movia-se como se meditasse mesmo quando andava. Alto, sereno, com olhos escuros que pareciam já ter visto muito - e com uma parte detrás tão nobre e de tal geometria que parecia desenhada em estado meditativo profundo… talvez pelo próprio Maitreya.
Não se procuravam, mas sabiam onde o outro estava. Como se partilhassem um íman. Uma frequência. Não só da carne - da alma. A atração era tão palpável que só quem viveu algo assim reconheceria. Não se olhavam como quem quer, olhavam-se como quem já sabe.
Encontraram-se pela primeira vez na fila do pequeno-almoço. Ela não se conteve e espreitou. À descarada. Ele escolhia entre pão integral e silêncio com a serenidade de quem já tinha renascido três vezes. Sorriu-lhe com os olhos. E ela soube que não estava sozinha naquela combustão calma.
"Não trocavam olhares longos. Trocavam presença."
Nos dias seguintes, cruzavam-se como se fosse por acaso. Nos claustros das magnólias. Na caminhada consciente. Na meditação - sentados lado a lado, a fingir que não sentiam nada. Mas sentiam tudo.
Não trocavam olhares longos. Trocavam presença. Aquela espécie de vibração que diz: "Se nos tocarmos, mudamos tudo." E por isso… não se tocaram. Ainda.
Na noite do penúltimo dia, encontraram-se junto à stupa. A lua tímida, o ar fresco, e o som distante da vida suspensa em Amaravati em silêncio. Ela sentou-se na pedra onde meditava sempre. Ele sentou-se ao lado. Não disseram uma palavra.
Apenas respiraram juntos.
"Não se olhavam como quem quer, olhavam-se como quem já sabe."
O ombro dele roçava no dela, e isso bastou para que o corpo dela soubesse que aquela memória seria indelével.
Ela virou-se devagar, encostou a testa à dele e sussurrou, como quem fala à alma: "Se me tocares, faz com intenção. Porque eu vou gravar para sempre."
Ele sorriu com tudo. E respondeu, não com palavras, mas com tudo o que já era dela - mesmo antes de se conhecerem.
A certa altura, ouviu-se o eco grave e hipnótico do templo. Os monges entoavam os chantings numa cadência antiga, envolvente, como se o universo, por instantes, tivesse parado para testemunhar aquele encontro.
Ela fechou os olhos. E naquele murmúrio sagrado, selou a memória. Não de um gesto concreto. Mas de algo que só eles saberiam. E o mundo, por mais que adivinhe… jamais saberá.