É uma ferida profunda na nossa alma coletiva, uma dor que nos toca a todos.
Este tipo de notícia não chega; atira-se contra nós. Confronta-nos brutalmente e sem aviso, com a nossa própria fragilidade e com a daqueles que amamos.
É um lembrete violento: a vida não é garantida. É um dom precioso, que tem de ser vivido momento a momento. E este choque obriga-nos a olhar para o nosso interior, a rever a nossa vida – aquela revisão que vamos adiando, dizendo ao espelho que "agora não é o momento".
A verdade que este choque grita é clara: o momento é agora. Sempre foi agora.
Eis o choque do choque – o despertar súbito para o que verdadeiramente importa.
Por mais difícil que seja de digerir, a morte é parte inseparável da vida. Tudo nasce, cresce, floresce... e um dia termina. É o ciclo natural. Tentar negar este facto, é como tentar parar o mar com as mãos: só torna a dor da perda mais pesada, acrescentando raiva e incompreensão ao fardo que já carregamos.
O luto é uma jornada. Não é linear, mas um caminho que atravessa cinco fases bem conhecidas: a negação (o "não, não pode ser"), a zanga (o fogo interior, à procura de culpados, até em Deus), a negociação (o "se eu tivesse feito mais... de outra forma..."), a depressão (o peso silencioso do vazio) e, finalmente, a aceitação (o descansar da mão sobre o coração partido).
É crucial passarmos por cada uma.
Saltar uma fase é deixar uma ferida mal cicatrizada: ela sangrará em silêncio, intoxicará o presente e transformar-se-á numa sombra que nos persegue.
Aceitar não é esquecer. Não é fingir que não dói. É acolher. É abrir os braços - mesmo a tremer - à dor e reconhecê-la: "Tu existes e eu existo contigo". É permitir que o coração, aos poucos, encontre um novo ritmo – diferente, marcado pela ausência, mas ainda assim, vivo.
Este caminho pede coragem. Pede paciência. Pede autocompaixão – esse abraço interior quando o mundo parece frio. Exige, acima de tudo, a
permissão sagrada para sermos frágeis como cristal e fortes como raízes de árvores antigas, tudo ao mesmo tempo. Humanos, na nossa plena complexidade.
E tem em mente que este processo não é só para as grandes tragédias. O fim silencioso ou ruidoso de um amor, o portão que se fecha num emprego, a mudança que nos arranca do conhecido... são também perdas. Pequenas mortes na paisagem da nossa vida interior. Perdas que precisam ser vividas, sentidas, choradas e honradas. Tudo faz parte.
Quando fugimos deste trabalho íntimo? Ah, aí criamos matrioscas dentro de nós (camadas e camadas de dor não resolvida). Empilham-se, endurecem, afastando-nos de quem verdadeiramente somos, da nossa essência - logo, da vida também. E nessa acumulação está a receita silenciosa para o burnout que corrói, para a depressão que escurece tudo, para o cansaço da alma que parece não ter fim.
Por isso, minha irmã de jornada, convido-vos: honrai cada adeus. Cada lágrima. Cada suspiro, cada grito sufocado por uma perda, seja ela abismo ou fenda. Ao permitir-vos habitar o vazio - passageiro -, nesse local, o coração encontra a força para se refazer. Batimento a batimento, ele reaprende a bater – não apesar da dor, mas através dela. E quando o faz, traz consigo as histórias gravadas nas cicatrizes e uma esperança mais sábia, mais profunda. Eis a verdadeira maturidade: aquela que não se mede pela idade biológica, mas pela coragem de transformar ferida em chão.
Porque viver, verdadeiramente, é o ato mais corajoso: um SIM quando te apetece desaparecer; um sim quando tudo parece dizer não; um sim mesmo quando dói tanto. Sabemos que não vai doer para sempre...
Assume um compromisso de continuar, de crescer através das perdas, de renascer – as vezes que forem necessárias –, através das cinzas que a dor, inevitavelmente deixa para trás.
Dança, mesmo com o coração apertado, no sagrado, complexo e delicado movimento entre a vida e a morte.