Entrevistas

Sandra Felgueiras: "Não há nenhum poder que me possam dar maior do que este poder de dizer: sou mãe"

Neste Dia da Mulher, a SELFIE esteve à conversa com Sandra Felgueiras, que nos brindou com um testemunho muito emotivo e inspirador sobre amor-próprio.

Nascida a 21 de março de 1977, Sandra Felgueiras é jornalista de investigação há vários anos e uma das mais reconhecidas pivôs de informação em Portugal. Um percurso de conquistas alcançadas com esforço, dedicação, perseverança e determinação, marcado pela garra e por uma notável resiliência diante das adversidades pessoais e profissionais. Uma imagem de força e coragem que também encerra em si vulnerabilidades e fragilidades.

Neste Dia da Mulher, é uma honra para a SELFIE poder homenagear Sandra Felgueiras, uma mulher cuja vida e trajetória nos inspiram. Queremos também que se deixe inspirar por este testemunho poderoso e carregado de emoção sobre amor-próprio, aceitação, orgulho e crescimento pessoal, que aqui transcrevemos na íntegra. Uma profunda reflexão, na primeira pessoa, sobre a busca constante pela felicidade e uma valorização profunda da vida e das experiências, colocando a maternidade acima de qualquer outra coisa.

 

"Sempre que penso em mim, penso numa pessoa que sonhou muito, trabalhou muito, estudou muito e que talvez tenha chegado onde chegou com um esforço que poucos imaginam, além da minha família, da minha professora primária e daqueles que privaram comigo durante muito tempo.

Tenho a certeza de que a maioria das pessoas olha para mim de uma forma que é muito diferente daquela que eu sou. São capazes de ver só uma carapaça de dureza e segurança, que, depois, naturalmente, está associada à coragem.

Mas, por detrás disso, eu ainda sinto que está uma miúda frágil, com receio de errar, a lutar sempre, por ser muito perfecionista, e a dar provas de vida a si própria, a cada dia, a cada hora.

Nada para mim é garantido. Por estar aqui hoje não quer dizer que amanhã esteja no mesmo sítio, no mesmo lugar, com o mesmo destaque.

Quando me perguntam se sou feliz, eu considero-me muito feliz, ainda que tenha amarguras que, às vezes, nem consigo verbalizar de tão duras que elas são, de tão imperdoáveis que foram, mas eu tento enterrá-las, não pensar nelas.

No meu dia a dia, procuro sempre focar-me no bom e naquilo que me dá energia positiva e procuro esquecer as coisas más, que, eventualmente, são aquelas que fizeram de mim quem eu sou.

E, nesse aspeto, acho que a vida me preparou, e preparou-me desde muito cedo. Talvez isso me tenha dado uma maturidade acrescida numa idade em que não seria tão normal tê-la. Sinto-me muito adulta desde muito cedo pelas circunstâncias particulares que tive.

Fui mãe tarde e isso é das poucas coisas de que me arrependo, porque gostava, sabendo o que sei hoje, de ter sido mãe mais cedo, para ter mais energia. Fora isso, há poucas coisas das quais me arrependo na vida, muito poucas, até tenho dificuldade em lembrar-me.

Sou genericamente alguém que... acho que posso dizer isto sem ser mal interpretada: sinto orgulho em mim própria e sinto orgulho pelo percurso que fiz, porque, em bom português, saiu-me muito do pêlo.

Eu não tive uma vida fácil, não foi só estalar os dedos, não apareceu. E, tendo em conta todo o esforço, acho que aquilo que conquistei é merecido.

É merecido quando as pessoas que trabalham acabam por conseguir aquilo que, de certa formaidealizaram. Eu não idealizei exatamente a vida que tenho, acho que ninguém consegue projetar, muito menos eu, com seis ou sete anos, quando comecei a dizer que queria ser jornalista.

Olho para trás e penso naquela menina pequenina, loirinha, de olhos azuis, que andava sempre a correr no pátio da minha avó. Acho que se ela imaginasse a mulher na qual se iria tornar, ela também iria ter orgulho.

E, cá está, eu sou esta pessoa que chora com muita facilidade, que chora a ver filmes da Disney. Sinto-me envergonhada quando a minha filha me diz: 'Eu não estou a chorar e tu estás a chorar!' Eu sou de lágrima fácil.

Nos momentos mais difíceis, sou dura. Nos momentos em que, eventualmente, ninguém está à espera, eu choro.

Gosto tanto de viver, mas gosto tanto de viver que nunca vou viver o suficiente para conhecer as pessoas que gostava de conhecer, para aprender o que gostava de aprender, para ir aos países e aos sítios a que gostava de ir, para conhecer os lugares que gostava de conhecer.

É essa intensidade que tenho dentro de mim de cada dia tem que ser vivido o melhor possível e o mais intensamente possível para que eu consiga fazer tudo aquilo de que gosto.

E tudo o que eu gosto é ser eu nesta componente muito emocional de me deixar levar, de aprender, de me deixar dar a conhecer e conhecer os outros e, por outro lado, ser muito focada em tudo aquilo que faço.

Acho que não há pior inimiga de mim própria do que eu própria, porque eu vejo sempre um defeito.

É engraçado que o meu pai, no final de cada Jornal Nacional, manda-me sempre uma mensagem a dizer: 'Estiveste muito bem.' À qual eu respondo: 'Dizes sempre o mesmo.' À qual ele volta a responder: 'Não, tu estás cada vez melhor.'

O meu pai é seguramente o meu maior fã. O meu pai vê tudo. Eu não tenho necessidade de aprovação de ninguém, mas preciso muito da ajuda do meu pai, da minha mãe... (Isto parece uma coisa da menina mimada, às tantas)... para testar os meus conhecimentos, que é a forma de eu me testar a mim própria.

Dizer isto aos 46 anos poderá parecer muito estranho, mas é assim que me sinto: eu acho que sou uma miúda completamente normal, que mantém os amigos de sempre, que olha para o espelho com um misto de: hoje tenho que fazer melhor e... já fizeste bastante e já tens razões para ter orgulho naquilo que fizeste.

Mas não me sinto minimamente diferente da pessoa com que sempre lidei interiormente. Interiormente, sou eu.

Se me amo mais do que me amava quando era criança ou adolescente, não sei. Acho que a idade nos dá outra perspetiva. Acho que me fui amando e fui aprendendo a conviver comigo própria, com as minhas virtudes e os meus defeitos, aceitando-me como sou, não olhando para as fragilidades de forma a que elas me travassem. Procurei guardar as fragilidades e aproveitar muito mais as minhas forças para progredir.

Mas, no final do dia, gosto muito de mim própria e adoro abraçar a minha filha e sentir que somos as duas muito felizes por podermos viver.

O momento em que me senti mais poderosa foi, sem dúvida, quando fui mãe. A maternidade é o momento mais poderoso de uma mulher.

É dar à luz outro ser que vai poder crescer à nossa imagem e semelhança, com os valores que nós lhe pudermos incutir e que nos vai dar em dobro todo o amor que nós julgávamos ter dado aos nossos.

Só depois de ser mãe é que percebi efetivamente o quão os meus pais me amam. Eu nunca tinha tido a noção da grandeza desse amor.

E essa experiência, que eu acho que é maior que a vida nos pode dar, que é saber amar e saber receber o amor, não tem comparação possível com nada do que se possa viver ou nada que eu possa ter vivido. Não há nenhum poder no mundo que me possam dar hoje, amanhã ou depois maior do que este poder de dizer: eu sou mãe."

 

ENTREVISTA | Cátia Soares
IMAGEM | Ricardo Santos

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