A dada altura do monólogo, que está em cena no Teatro Maria Matos, em Lisboa, Teresa, a personagem a quem Margarida Vila-Nova dá vida, refere que "uma em cada três mulheres é agredida, quer seja violência física, psicológica, sexual".
Teresa é uma jovem advogada de defesa de direito penal que, a dada altura da vida, passa de inquiridora a vítima. E, como qualquer vítima que decide recorrer à justiça, tem de contar e recontar várias vezes o trauma por que passou.
"É preciso muita resistência, muita resiliência, muita coragem, uma humildade muito grande para mergulhar nestas palavras todas da [dramaturga, autora do texto 'Prima Facie'] Suzie Miller, e trazer à cena com a maior dignidade um tema que é tão delicado e tão importante de ser discutido", referiu Margarida Vila-Nova, em declarações à agência Lusa, após um ensaio aberto à imprensa, no Teatro Maria Matos.
A peça surgiu na vida da atriz há dois anos. Viu o espetáculo em Londres e deparou-se com um tema que a inquieta, "está na ordem do dia", e achou importante discutir e levar a cena. "Porque acredito também que o Teatro tem essa capacidade de despertar consciências, ou pelo menos de provocar a discussão, o diálogo", referiu.
Para encenar o espetáculo escolheu o também realizador Tiago Guedes, que contou à Lusa que andava com vontade de voltar a encenar, "e o convite surgiu no momento certo".
Além disso, o tema que a peça aborda foi crucial para aceitar o desafio de encenar o seu primeiro monólogo. "Há uma coisa que me atraiu logo muito, que tem que ver com as 'nuances' do abuso. O que é ou o que não é o abuso, principalmente dentro de uma relação. Acho que é um assunto muito sério e é um assunto pouco falado, ou pouco aprofundado - é sempre muito difícil falar dele, porque acontece na intimidade e é a palavra de um contra o outro”, partilhou com a Lusa.
A peça estreou-se em 2019, em Sydney, na Austrália, onde andou em digressão em 2021. No ano seguinte foi apresentada no West End, em Londres, e em 2023 chegou à Broadway, em Nova Iorque.
Margarida Vila-Nova apresenta o primeiro monólogo da carreira, que exige "uma enorme preparação física". "Preparo-me o dia todo para fazer o espetáculo à noite. E dois meses antes de começar os ensaios, comecei a correr para ganhar resistência. Nunca pensei na minha vida chegar a correr dez quilómetros sem parar", partilhou.
À preparação física, juntam-se a preparação emocional "e a resistência emocional e a elasticidade".
"Este meu personagem é todo um carrossel emocional e isso vamos ganhando em cada ensaio. Tive contacto com alguns casos, para me inteirar sobre as questões das vítimas, das consequências, do lugar onde se encontram, do impacto que tem na vida delas, e da questão da espera, que está presente no espetáculo. Durante essa espera, qual é a evolução pela qual passam até chegar ao veredicto final", contou.
Além disso, a atriz teve que se inteirar também "sobre o universo da justiça".
"Tivemos ajuda de um procurador para adaptar à realidade portuguesa. Na versão inglesa, o julgamento tem júri, mas nós não temos em Portugal [salvo raras exceções]. Há questões técnicas que são diferentes, e para que o espetáculo se aproximasse o máximo possível da nossa realidade portuguesa tivemos esse acompanhamento durante a adaptação", disse a atriz que, embora esteja sozinha em palco, tem "vinte contracenas imaginárias ao longo do espetáculo".
"O público é muitíssimo importante nisso. Muitas vezes a minha contracena está no público, isto não é um monólogo fechado a quatro paredes. A parede está aberta e essa partilha, esse jogo de bola com o público é muito importante, porque, na verdade, estou aqui a contar uma história", explicou.
"À primeira vista" estará em cena, no Teatro Maria Matos, até 10 de agosto, de quinta-feira a sábado às 21:00. A peça regressa ao teatro lisboeta em setembro, para uma nova temporada e está a ser preparada uma digressão pelo país.