Crónicas

"O futuro começa aqui", por João Espírito Santo

A Medicina Integrativa combina ciência convencional com práticas complementares, ampliando o olhar sobre o paciente.

Cirurgia Oral e Implantologia / OMD - 04663
  • 25 out, 13:04
João Espírito Santo
João Espírito Santo

Na Medicina Dentária acontece o mesmo que na Medicina Integrativa: não se trata apenas de dentes e gengivas, mas de compreender como a saúde oral reflete e influencia todo o organismo.

A inflamação gengival pode sinalizar diabetes, afetar o risco cardiovascular e até impactar a qualidade do envelhecimento. O microbioma oral está a ser estudado como biomarcador de inflamação sistémica.

É este o espírito da Medicina Dentária Integrativa: manter o rigor da odontologia convencional, mas expandi-lo com uma visão preventiva, multidisciplinar e centrada na saúde global.

O futuro da saúde começa aqui.

 

Uma visão que vai além do convencional

 

A Medicina Integrativa é definida como a integração da biomedicina convencional com a medicina tradicional e complementar. Não substitui a ciência, mas amplia-a, colocando o paciente no centro e reconhecendo o valor de abordagens que consideram corpo, mente e estilo de vida de forma interligada.

Seguindo este mesmo raciocínio, podemos afirmar que a Medicina Dentária Integrativa representa a integração da odontologia convencional - focada em diagnóstico, prevenção e tratamento local — com uma visão ampliada que entende a cavidade oral como parte de um sistema global. Não se limita a dentes e gengivas: considera nutrição, sono, stress, exercício e inflamação sistémica como fatores que influenciam a saúde oral e, ao mesmo tempo, são influenciados por ela.

 

Da boca ao corpo: uma via de duas mãos

 

A ciência mostra de forma cada vez mais clara que a relação entre saúde oral e saúde global é bidirecional. A periodontite, por exemplo, dificulta o controlo da diabetes, enquanto a diabetes mal controlada acelera a destruição periodontal. Nas doenças cardiovasculares, bactérias orais e mediadores inflamatórios circulam pelo organismo e aumentam o risco de enfarte e AVC.

Na gravidez, gengivas inflamadas estão associadas a partos prematuros e a baixo peso à nascença. Nos idosos, o desequilíbrio do microbioma oral aumenta o risco de infeções respiratórias graves, como a pneumonia aspirativa. E investigações mais recentes têm explorado uma possível ligação entre inflamação oral crónica e declínio cognitivo. A evidência ainda não é conclusiva, mas abre novas linhas de estudo sobre o impacto da saúde oral no envelhecimento cerebral.

 

O que distingue a Medicina Dentária Integrativa

 


Enquanto a Medicina Dentária convencional centra a sua atuação em restaurar dentes, tratar gengivas ou corrigir função mastigatória, a Medicina Dentária Integrativa amplia o olhar. Assume a boca como biomarcador precoce de doenças crónicas, reconhece a influência de fatores de estilo de vida e integra cuidados preventivos em colaboração com outras especialidades médicas.

É uma prática que mantém todo o rigor técnico da odontologia tradicional, mas expande-o com um enquadramento mais holístico. Assim como a Medicina Integrativa não rejeita a biomedicina, mas a complementa, também a Medicina Dentária Integrativa não abandona a clínica convencional - pelo contrário, reforça-a, contextualizando-a num cenário de saúde sistémica.

 

Evidência que sustenta esta mudança

 

Estudos recentes mostram que adultos com perda dentária acelerada apresentam maior risco de mortalidade e incapacidade funcional. O microbioma oral começa a ser visto como indicador de inflamação sistémica e envelhecimento biológico. Meta-análises confirmam que o tratamento periodontal em doentes com diabetes tipo 2 está associado a reduções médias de 0,3 a 0,4% na HbA1c, bem como a diminuições de marcadores inflamatórios como a proteína C-reativa. Estes dados reforçam a ligação entre saúde oral e controlo metabólico.

Também sabemos que escolhas de estilo de vida afetam diretamente a saúde oral. A dieta mediterrânica e o consumo de polifenóis têm efeito protetor sobre gengivas e microbioma. O exercício físico regular está associado a menor prevalência de periodontite. Estes exemplos mostram como a Medicina Dentária Integrativa dialoga com áreas como nutrição, medicina interna ou fisiologia do exercício, abrindo caminho para uma prática mais completa e eficaz.

 

Da teoria à prática clínica

 

Na prática, aplicar esta visão significa preparar consultas dentárias que não se limitam ao diagnóstico oral, mas integram a avaliação de fatores sistémicos. É educar o paciente para compreender que cuidar da saúde oral é cuidar do corpo inteiro. É colaborar com médicos de família, cardiologistas, endocrinologistas ou nutricionistas quando necessário. É usar saliva e microbioma como ferramentas emergentes de diagnóstico.

Mais do que uma mudança de técnicas, trata-se de uma mudança de mentalidade: deixar de ver a boca como território isolado e passar a vê-la como parte de um sistema em constante diálogo com o organismo.

 

O futuro começa aqui

 

O futuro da saúde não se constrói apenas em hospitais ou consultórios médicos. Muitas vezes, começa na consulta de Medicina Dentária. A boca pode revelar sinais precoces de desequilíbrios que afetam o corpo inteiro.

A Medicina Dentária Integrativa é, por isso, mais do que uma tendência. É uma mudança de paradigma que valoriza a prevenção, a colaboração multidisciplinar e a visão da saúde como um todo. Mantém o rigor da ciência convencional, mas amplia a sua ação, colocando a saúde oral no centro da saúde global. João Espírito Santo

Prof. Doutor João Espírito Santo
Cirurgia Oral e Implantologia / OMD - 04663

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