As bactérias que habitam a cavidade oral influenciam metabolismo, inflamação e até o envelhecimento. Compreender esse ecossistema invisível é dar um passo em direção a uma medicina mais humana, integrativa e verdadeiramente preventiva.
Um universo que vive connosco
Dentro e fora de nós existe um mundo que raramente vemos: milhões de microrganismos que trabalham silenciosamente para quase todas as funções vitais do corpo. Este ecossistema, conhecido como microbioma, é considerado hoje um dos maiores órgãos funcionais do organismo humano.
Durante muito tempo, as bactérias foram vistas apenas como inimigas a eliminar. Hoje, sabemos que a saúde depende do equilíbrio entre elas. Quando essa harmonia se perde, a inflamação instala-se e abre caminho a múltiplas doenças - não só na boca, mas em todo o corpo.
Da cavidade oral ao intestino: um eixo contínuo
A boca é o ponto de partida do sistema digestivo e uma porta de entrada fundamental para o microbioma no organismo. Alterações na flora oral - como a diminuição de bactérias protetoras ou o aumento de espécies inflamatórias - estão ligadas a doenças crónicas como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até alterações cognitivas.
O microbioma oral funciona como um espelho silencioso do equilíbrio sistémico, refletindo hábitos, alimentação, stress e estado imunológico de cada pessoa.
Inflamação silenciosa: o elo comum
Muitas doenças modernas têm origem numa inflamação discreta e persistente. Quando o microbioma se desequilibra, as bactérias podem deixar de ser protetoras e passar a estimular respostas inflamatórias que se espalham pelo corpo.
A gengivite e a periodontite são exemplos claros: focos locais de inflamação que podem afetar todo o organismo. Bactérias associadas a estas condições entram na corrente sanguínea e mantêm o corpo num estado de alerta inflamatório constante. Estudos mostram que tratar esta inflamação oral reduz marcadores sistémicos como a proteína C-reativa e a HbA1c em pessoas com diabetes tipo 2.
Alimentação, estilo de vida e microbiota
Cuidar do microbioma vai muito além de escovar os dentes. Depende, sobretudo, de como vivemos. Uma dieta mediterrânica, rica em vegetais, fibras e gorduras boas, favorece uma microbiota estável e diversa. Por outro lado, açúcares simples e alimentos ultraprocessados reduzem essa diversidade e aumentam o risco de inflamação.
O stress crónico, o sono insuficiente e o tabaco também alteram o equilíbrio microbiano, enfraquecendo o sistema imunitário. Até o uso excessivo de produtos antibacterianos pode eliminar bactérias benéficas e comprometer o ecossistema natural.
Uma nova linguagem na Medicina Dentária
A prática contemporânea em Medicina Dentária propõe olhar para o paciente como um sistema biológico interligado. O microbioma é uma das expressões mais diretas desse equilíbrio - uma assinatura biológica que revela muito mais do que a saúde oral.
Testes microbianos, abordagens nutricionais e estratégias anti-inflamatórias personalizadas passam a fazer parte de uma Medicina Dentária preventiva e centrada na biologia. Cada pessoa tem o seu próprio ecossistema: reconhecê-lo e equilibrá-lo é atuar sobre a causa, e não apenas sobre o sintoma.
O invisível também conta
Não se vê, mas está presente em tudo o que somos. O microbioma participa na digestão, na imunidade, no metabolismo e até na forma como envelhecemos. Cuidar dele é cuidar da base do corpo. A verdadeira prevenção começa no que não se vê, mas sustenta tudo o resto. João Espírito Santo
