Autor de "Jogo Duplo", Artur Ribeiro, comenta o final trágico de Susana e Cátia: "Só a morte lhes resta para perpetuar esse amor"

A Selfie falou, em exclusivo, com Artur Ribeiro, autor da novela "Jogo Duplo", para saber tudo sobre o final trágico de Susana e Cátia, um dos casais da ficção mais falados do momento.

1. Este é um dos casais que mais interesse suscitou junto do público e, mesmo entre os leitores da Selfie, há sempre muito interesse em torno destas personagens. O que acha que motivou esta reação?

Vários motivos, por um lado, foi um casal inesperado: uma assassina manipuladora e capaz de tudo, envolvida com uma polícia honesta, num jogo de sedução e mistério. Por outro lado, e muito importante, as talentosas atrizes Jani Zhao e Anna Eremin encontraram uma inspiração nestas personagens que transbordou para o ecrã de uma forma única, e, como até aqui não era comum retratar casais do mesmo sexo de uma forma tão arrojada, isso marcou a diferença e despertou interesse por todo o mundo — pois temos vistos comentários de pessoas que seguem a novela pela internet na América Latina e outros países da Europa e Ásia, até.

2. Até à data, esta é a produção nacional com uma visão mais realista da homossexualidade. Terá sido este o motivo desta reação tão forte do público?

“Realista” não será propriamente a melhor palavra para caracterizar esta relação, visto tratar-se de uma relação muito fora do normal - não pela homossexualidade, que eu acho que devia ser mais que normal - mas pelas circunstâncias em que acontecem narrativamente, com duas personagens que começam antagonistas - e que no fundo se calhar nunca o deixaram de ser - mas, paradoxalmente, isso não as impediu de viverem uma história de amor. Precisamente por esta história de amor não se ter desenvolvido por uma sucessão de clichés, e ter sim elementos contraditórios e twists inesperados e um conflito forte, o resultado foi essa relação muito intensa entre o público e as personagens e o drama que vivem.

3. Considera que é importante retratar um casal homossexual na ficção nacional para “educar” a população?

Não considero que deva ter necessariamente um carácter educativo, o que deve acontecer é cada vez ser mais natural haver personagens homossexuais ou negras ou estrangeiras na ficção nacional, pois representam a realidade, e não devem sequer ser consideradas excepção, ou seja, para mim o mais importante na história da Cátia e Susana não é o facto de serem homossexuais (ou bi-sexuais), é a história de uma atracção fatal entre uma polícia e uma assassina. Se virem bem, apesar de haver ainda algum racismo por parte de algumas personagens em relação ao Óscar, ou outras personagens igualmente críticas da relação lésbica entre a Cátia e a Susana, desde início que a cor de pele do Óscar ou sexualidade da Cátia é bem aceite por todos os colegas da PJ, e os problemas e conflitos que advêm da relação entre a Cátia e a Susana nunca são por causa de algum preconceito em relação à homosexualidade, mas sim por serem polícia e assassina.

4. O que o levou a dar este final trágico às personagens? Como tem sido a reação do público?

Esta é uma história de uma atracção fatal, e eu percebo a tristeza das fãs que seguiram com muita emoção a história destas personagens, e as reacções de frustração por não ter havido um final feliz para as duas, mas esta nunca foi apenas uma história de um casal gay, foi sim uma história de amor impossível entre uma criminosa fria e implacável e uma polícia dedicada, honesta e íntegra, e apesar de sentirem algo que não costumam sentir devido às suas actividades que exigem alguma dureza e frieza, e com o qual não sabem bem lidar - o amor -, ao mesmo tempo têm dificuldade em apagar o que sempre foram ou mudar as suas personalidades: elas envolvem-se a princípio por interesse e sempre desconfiaram uma da outra, e, por isso, como o ciúme por vezes leva a matar, a desconfiança e traição também leva a este desencanto final em que é tarde demais para a redenção e, de forma romântica (como aliás costuma agir a pessoa ciumenta que mata a pessoa amada), se não podem viver felizes, só a morte lhes resta para perpetuar esse amor, livre dos constragimentos da realidade. Esta foi a minha escolha narrativa e que achei que se adequava a uma história de amor impossível e fatal. Houve quem percebesse e, apesar da tristeza — que todas as tragédias trazem — aceitasse o final, mas houve quem se revoltasse pois queria um final feliz, mas o que não é de todo justificável é acharem que o final trágico possa ter algo contra a comunidade LGBT, antes pelo contrário, eu acho que não se deve discriminar ninguém e, por tal, histórias trágicas ou felizes, com personagens homossexuais, deveria ser a coisa mais normal do mundo e não devia ter tratamento especial, nem discriminador, quer acabem bem ou acabem mal.