Jornalista da TVI entra no mundo das Drag Queens: "Esta é uma reportagem para rasgar preconceitos"

Na próxima terça-feira, dia 17, vai para o ar a reportagem "Senhor Traveca" e a Selfie esteve à conversa com o jornalista Emanuel Monteiro, que entrou no mundo das Drag Queens.

A reportagem conta a história de Bruno, José e Ricardo, que, à noite, são Camel Toe, Rebecca Bunny e Luna. Depois de anos a serem vítimas de discriminação, decidiram partilhar a história de quem escolheu uma profissão e um modo de vida que rompe com os padrões de género e da própria sociedade.

Como surgiu a ideia de fazer uma reportagem sobre drag queens, ou, em português, transformistas ou travestis?

Bem, tive a ideia há mais de dois. Fui assistir a um show na discoteca Trumps, em Lisboa. Lá, vi pela primeira vez a Rebecca Bunny, uma das personagens deste Repórter TVI. Achei extraordinária a imagem dela: as roupas, a maquilhagem, o cabelo e, claro, a performance em palco. Pensei logo: só pela imagem, isto dava uma reportagem incrível para televisão. Depois, levei um ano a fazer trabalho de campo, a procurar outras drag queens. Neste tempo, percebi que estes homens, para além da personagem que assumem à noite, têm histórias de vida surpreendentes. Aí, tive a certeza: tenho de contar esta história em televisão. O meu diretor, o Sérgio Figueiredo, gostou logo da ideia e deu luz verde para avançar. Estou-lhe muito agradecido pela oportunidade e pela ousadia em arriscar.

Que mensagem pretende transmitir esta reportagem?

A mensagem é o mais importante, de facto. Nunca se fez nada assim na televisão generalista em Portugal. Vivemos num país legalmente avançado ao nível dos direitos LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros ou Intersexuais), mas, socialmente, ainda existe muito preconceito. Quero, sobretudo, mostrar que estes homens são pessoas iguais a todas as outras, simplesmente têm uma profissão menos comum. Esta é uma reportagem para rasgar preconceitos, ideias erradas e é um apelo ao respeito pelas liberdades individuais. Além disso, estes três homens têm histórias que merecem ser contadas: todos eles, todos os dias, lutam contra a discriminação. Ao longo de muitos anos, foram insultados, olhados de lado e alguns até rejeitados pelos que mais amam, pela família. Hoje, têm carreiras já com alguma duração e dizem-se de bem com a vida. Pegaram nos ataques que lhes eram dirigidos, empoderaram-se e, agora, assumem-se como uma inspiração para milhares de pessoas LGBTI, mas não só. Eles, no fundo, querem dizer a quem os vê ou segue: "Olhem aqui, já passámos momentos muito difíceis, mas estamos bem e felizes com aquilo que somos e com a vida que escolhemos". Isso é uma mensagem de esperança enorme para todas as pessoas LGBTI que ainda sofrem de discriminação. 

O que é que o surpreendeu mais no mundo das drag queens?

Quase tudo me surpreendeu. Muito daquilo que ouvi a minha vida inteira em relação a travestis, tinha que ver com drogas e prostituição. Tudo errado. São pessoas normalíssimas, iguais a quaisquer outras. Têm família, um trabalho altamente profissional, têm relações, enfim, uma vida. Eles são entertainers e só querem divertir as pessoas nos espetáculos que fazem, claro, sempre, com um enorme sentido de responsabilidade social. Ao nível técnico, o que mais me surpreendeu foi o tempo da caracterização. Uma das personagens demora praticamente cinco horas a preparar-se. É louvável, a paciência! Depois, claro, há uma pergunta que toda a gente faz: "Se eles são homens, como criam a ilusão de uma vagina?" Isso também é surpreendente, acreditem. E nós revelamos na reportagem.

Como é que foram recebidos nas discotecas e bares onde eles dão espetáculos?

Super bem recebidos. Criámos uma ligação muito próxima com muitas pessoas. E sentimos algo muito bom. Durante as gravações, muitas pessoas vinham ter connosco e diziam: "Finalmente uma grande reportagem sobre drag queens na televisão portuguesa". Isto porque quem não conhece associa a temática quase a um submundo, super secreto e inacessível. Mas não é nada disso. Até porque, cada vez mais, vai-se falando do assunto, por exemplo, o Pabllo Vittar, que, de um momento para o outro, se tornou numa estrela drag em todo o mundo latino. Só há uma diferença: é que as drags da minha reportagem não cantam, só dançam e fazem um espetáculo de entretimento, comédia, basicamente.

E as famílias destes homens, aceitam?

Essa é uma questão mais complicada. Os três são homossexuais, o que já pode ser difícil de gerir para algumas famílias. Pior é quando escolhem ser transformistas, uma profissão que rompe com os conceitos comuns daquilo que é o género masculino e o género feminino. Na reportagem, há famílias que aceitam e outras que têm mais dificuldade. A forma como, sobretudo as mães, olham para estes filhos é surpreendente, mas isso não posso contar. A história completa só no Jornal das 8, na terça-feira.

O que é que os telespectadores da TVI podem esperar desta reportagem?

Bem, vai ser uma reportagem para rir muito, mesmo a sério, para chorar também, por causa das histórias de vida deles, mas vai ser, sobretudo, uma reportagem para pensar. Para pensar a forma como olhamos para a diferença e como respeitamos a liberdade individual dos nossos pares. Estes homens são livres, a liberdade deles não viola a de ninguém, então, têm o direito de fazer o que quiserem sem serem discriminados, sobretudo, quando aquilo que fazem, muitas vezes, até contribui para a felicidade, para a diversão e para o bem-estar de tantos outros.

Relacionados