Paulo Salvador recorda morte da princesa Diana: "O maior acontecimento mediático do século"

Foi há precisamente 20 anos que o mundo chorou a morte da princesa Diana de Gales. A propósito desta data, a Selfie esteve à conversa com o jornalista Paulo Salvador, que deu a notícia e foi enviado especial da TVI ao funeral, em Londres.

Às 12:45 horas do dia 31 de agosto de 1997, Paulo Salvador deu, em direto, a notícia da morte da princesa Diana, uma notícia que ecoou por todo o mundo e chocou milhões de pessoas.

"A notícia do acidente de Paris e a morte da princesa Diana apanhou-nos a todos de surpresa, como é normal em qualquer acidente. Mas o que me viria a surpreender ainda mais foi a forma como o mundo reagiu ao desaparecimento da carismática figura da Casa Real do Reino Unido", confessou.

O jornalista da TVI esteve, ainda, a fazer a cobertura, em direto, do funeral da princesa Diana, que perdeu a vida, aos 36 anos, vítima de um acidente de viação no Túnel d’Alma, em Paris.

"Não muitas horas depois da tragédia, recebi ordem de marcha para voar para Londres e fazer a cobertura do acontecimento que eu mesmo tinha noticiado a partir dos estúdios de informação situados na Avenida de Berna, em Lisboa. Acompanhado pelo amigo e operador de câmara Jarbas Viana, parti para Londres com o peso da responsabilidade de cobrir aquilo que, pressentíamos, viria a ser o maior acontecimento mediático do século. Naquela altura a TVI era um canal ainda à procura do seu espaço, sem meios e modestas audiências. Sabíamos que a RTP e a SIC preparavam equipas gigantescas para tomar Londres de assalto e fazer uma cobertura televisiva sem precedentes. A SIC era líder e a RTP não queria perder mais. Era o maior acontecimento da era das TVs privadas em Portugal. E nós lá fomos, os dois, sem produção, sem carros de exteriores, aparatos tecnológicos, nem equipas de retaguarda", recordou.

Sobre o aparato em Londres, Paulo Salvador lembrou: "Naqueles dias não havia canal, jornal, rádio ou revista do mundo inteiro que não tivesse jornalistas a caminho da capital inglesa. Londres estava ocupada pelos media. Nos telhados dos hotéis centenas de parabólicas procuravam os satélites de transmissão, centenas de pequenos palcos recebiam apresentadores e jornalistas de todos os continentes e que faziam fila, à espera de vez para entrarem em directo. De novo, é bom recordar que naquele tempo não havia telemóveis com vídeo, nem internet generalizada, nem directos com cartões de operadoras telefónicas. Nas ruas londrinas víamos o mundo a ser informado, as entrevistas em todos os idiomas, as equipas de televisão num desvario constante de um lado para o outro à procura do melhor local, da melhor posição, do melhor depoimento. Nos taxis atafulhavam-se jornalistas em constante mutação entre histórias e retratos de vida. Nos jardins de Kensington não havia locais tranquilos, não havia recantos sem flores, sem postais, velas ou cartas a Diana. Nas montras, restaurantes, casas de banho, paragens de transportes públicos, em todo lado havia Diana, havia pesar e agradecimento."

Foram dias de grande impacto na carreira do jornalista, que teve em mãos um desafio de enorme dimensão: "Só em Londres, quer eu quer o Jarbas Viana, sentimos o peso que aquela discreta princesa tinha ganho no coração da população mundial. Claro que as circunstâncias, especialmente trágicas, ajudaram a criar um ambiente de maior dor e sofrimento à volta daquela figura aparentemente frágil, delicada e incompreendida. Qualquer jornalista deste nosso planeta queria ali estar e, em certos momentos, quase acreditei que todos ali estariam tal a dimensão da cobertura mediática. Foram dias de completa loucura em termos de trabalho, esforço e dedicação. O peso de ali estar, no centro do mundo informativo, era uma adrenalina que quase nos impedia de dormir e que nos impelia a nunca parar de contar mais, mostrar mais, recolher mais. Estávamos numa luta desigual para com toda a nossa concorrência. Lutámos como David, mesmo sabendo que não podíamos derrotar Golias."

De toda a experiência, há um momento que guarda e que, ainda hoje, recorda com um "arrepio": "O corpo de Diana já tinha cruzado as ruas de Londres que, embora apinhadas de milhões de pessoas de olhares molhados, se mantiveram ensurdecedoramente silenciosas à passagem do caixão puxado por seis cavalos e coberto de rosas brancas. Apesar de setembro, estava calor em Londres naquele dia 6. Na Abadia de Westminster decorria as cerimónia fúnebre. O mundo inteiro seguia as imagens pela televisão. Nos telhados todos olhavam para os televisores de referência de emissão. Uns emocionados, outros cansados, a maioria concentrados no momento que marca a vida de quem o partilha. Desci para o quarto do hotel para acompanhar a emissão em melhores condições. Abri a janela, sentei-me e escutei. Foi o momento que definiu esta minha experiência profissional. Uma metrópole muda, de ruas desertas, sem vida aparente.  Nada se movia, nem as folhas, nem os taxis. Nada destoava do som que saía de todas as casas de janelas escancaradas. Foi, então, que, sentado na ombreira da minha janela, escutei um piano e uma canção que havia sido escrita para uma diva do cinema mas que acabara de mudar de nome por causa de uma princesa. Uma melodia que se imortalizava naquele preciso momento e que falava de velas ao vento. A música ecoava pelas ruas, pelas vielas, pelos corredores e alpendres. Era um som omnipresente na cidade. Não vinha do meu pequeno e modesto televisor e ao qual baixara o volume, mas sim de todas as casas e lares que me circundavam em Kensingnton. E ali fiquei, a ouvir a emissão de todas aquelas famílias silenciosas e que, naquele momento, senti abandonadas à dor de uma despedida feita em comunhão com o resto do mundo."

Paulo Salvador

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