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Aleitamento Materno: é urgente mudar o paradigma!

A propósito do Dia Mundial do Aleitamento Materno, que se assinala esta quinta-feira, dia 1, a enfermeira Vera Neto escreve uma carta aberta e alerta para o estigma social e psicológico da amamentação na sociedade de hoje.

Enfermeira especialista em Saúde Infantil e Pediátrica e Neonatologia. Consultora de Lactação com certificação internacional. Diretora Clínica da Power Clinic
  • 1 ago 2024, 12:52
Aleitamento materno
Aleitamento materno

Não deveríamos precisar de ter um dia dedicado ao aleitamento materno, da mesma forma que não deveria ser preciso haver um Dia da Mulher ou um Dia da Criança. Estes dias são criados quando é preciso evidenciar a importância de algo que deveria, na verdade, ser inato. No caso do aleitamento materno, ao contrário dos outros dois que referi, podemos dizer que, na verdade, será um dia para relembrar que a amamentação é a norma biológica e o leite materno é o único alimento que o bebé está preparado para receber. Somos mamíferos, e como qualquer outro mamífero, nascemos com reflexos e competências para nos alimentarmos do leite da nossa progenitora. Apesar de sermos, provavelmente, dos mamíferos mais imaturos à nascença, ao colocarmos um bebé acabado de nascer em cima do corpo da mãe, esse bebé (se lhe for dado o tempo que precisa) vai conseguir encontrar o mamilo e sozinho chegar até ele e mamar. Não precisamos que ninguém nos ensine, mas sim que não interfiram nesse processo. É aqui que começam os problemas.

Fomos, durante várias gerações, levadas a acreditar que o nosso leite era fraco ou insuficiente para que o nosso bebé crescesse saudável. Foi-nos incutido que as dificuldades que podem surgir são demasiado difíceis de ultrapassar e que seremos todos mais felizes se desistirmos do que nos é natural - e que potencia ao máximo a nossa saúde - em prol de dar aquele leite "fantástico" (artificial) que vai fazer o bebé ficar gordinho e saciado para dormir horas a fio. Sim, porque os bebés querem-se gordinhos e sossegadinhos, para não nos atrapalharem a vida que queremos manter depois de sermos pais.

Tudo errado neste último parágrafo. Primeiro, porque não há qualquer possibilidade de a nossa vida ser igual depois de termos um bebé e depois porque o nosso leite continua a ser o único alimento que o bebé está preparado para receber e digerir, nos primeiros seis meses de vida. A introdução de leites artificiais (leites de vaca, altamente processados) aumenta sempre riscos em saúde.

É urgente mudar o paradigma, deixarmos de andar a reboque de uma indústria que só está preocupada em criar lucros e zero preocupada com a saúde infantil, que continua a querer comparar os leites artificiais ao leite materno, como se fosse um produto inócuo e não sendo clara nos efeitos nefastos que tem na nossa saúde. É urgente formar e informar os profissionais de saúde que trabalham com as famílias, em todos os contextos, para que o apoio que recebem seja universalmente adequado e protetor do aleitamento materno. Deixarmos de estar agarrados ao "sempre fizemos assim","olha, tu não mamaste e nunca ficavas doente", ou ao "dá-lhe um biberãozinho antes de irem dormir e vais ver que dorme toda a noite". As crenças e os mitos, que ainda circulam na sociedade, não ajudam as mães a cumprir os respetivos objetivos.

Por isso, neste Dia Mundial do Aleitamento Materno, desejo profundamente que haja cada vez mais pessoas bem informadas, profissionais mais bem formados e éticos e bebés felizes. Desejo que todas as mulheres que queiram amamentar tenham o apoio de que precisam e que merecem, que lhes possibilite atingir os respetivos objetivos. Desejo que as mulheres que, devidamente informadas, tomem a decisão de não amamentar, não sejam de forma alguma desrespeitadas ou consideradas como mães menos boas. Desejo principalmente que essas mães, e aquelas que tentam e não conseguem, nunca se sintam piores mães por isso. Acredito que todas nós queremos o melhor para os nossos filhos e procuramos fazer o melhor que sabemos e que está ao nosso alcance para conseguir dar-lhes tudo o que eles precisam. Por isso, o que desejo é que a sociedade comece a saber apoiar estas mães e proporcionar-lhes as condições para que o consigam fazer. Porque, afinal, como nos diz o provérbio: "É preciso uma aldeia para criar uma criança."

Vera Neto
Enfermeira especialista em Saúde Infantil e Pediátrica e Neonatologia. Consultora de Lactação com certificação internacional. Diretora Clínica da Power Clinic

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