Na prática, diz-se que se atingiu o "fim da linha" quando acabam por se conjugar exaustão, despersonalização e insatisfação profissionais, entrando-se na tão temida síndrome de burnout, aquilo de que tantos se queixam e que, no fundo, corresponde a um estado terminal de um processo de stresse no trabalho.
"Queima e magoa, a ponto de não permitir que se concentre nas tarefas que tem em mãos. Neste ponto, já se sente entorpecido, mas recusa-se a revelar fragilidade."
Para clarificar, foquemo-nos neste cenário: quantas vezes está em tal paixão pelo trabalho que nem repara que está numa frigideira a aquecer? Primeiro, está morno e agradável; pouco a pouco, dá-se conta de um desconforto, de um pequeno desconforto, que desvaloriza. Entretanto, o óleo já aqueceu, começa a incomodar. Talvez tenha aqui o primeiro vislumbre de que algo não está certo. Calcula que tem uma excelente capacidade de adaptação e não se preocupa com isso. Até pode intensificar o foco no que está a fazer para, assim, nem pensar nos incómodos. Mas o caldo continua ao lume e começa, agora, a borbulhar. Já queima e magoa, a ponto de não permitir que se concentre nas tarefas que tem em mãos.
"O sofrimento torna-se insuportável e o leitor cai na tendência de culpar alguém, alguma coisa. Mas nem assim alivia."
Neste ponto, já se sente entorpecido, mas recusa-se a revelar fragilidade. A temperatura abrasa, não pode ignorar que está a arder. Quer salvar-se, mas não sabe como, e pedir ajuda não é o seu forte. O sofrimento torna-se insuportável e o leitor cai na tendência de culpar alguém, alguma coisa. Mas nem assim alivia. Tenta ativamente ignorar a realidade insatisfatória e até se imagina longe dali, mas a força do pensamento já não é suficiente e sente-se a afundar numa imensa tristeza, alienando-se de qualquer ação salvadora. Já perdeu a sensibilidade à dor e desistiu de ter esperança.
Saúde mental e trabalho: está tudo ligado
A mensagem desta narrativa metafórica é que o ideal seria nunca chegarmos a ponto de nos metermos dentro da tal "fritadeira", que no caso corresponde a uma imersão em riscos profissionais sem a devida proteção, que conduz aos problemas de stresse e, nalguns casos, ao burnout. Calma. Nem todos os casos acabam ou têm de acabar assim. Alguns, mesmo na última, galgam o rebordo e salvam-se, seja porque despertaram para o problema a tempo, seja porque alguém desligou o lume ou o pescou da frigideira, evitando, assim, a "queimadura", esse "inferno" laboral que, em suma, segue a par de: deficitárias condições de trabalho; reconhecimento e remunerações insatisfatórias; roubo de tempo pessoal e má organização do trabalho; fraca interajuda e/ou conflitos laborais; abusos de poder, físicos ou psicológicos; cargas e ritmos de trabalho penosos.
É aqui que entra o apuramento de responsabilidades. Afinal, a quem compete zelar pela implementação de medidas antiburnout que favoreçam uma cultura de segurança e de saúde no trabalho? Adivinhou: as empresas, que são "quem", no fundo, permite que se perpetuem conjunturas que favorecem situações de burnout. No entanto, isto não significa que o trabalhador esteja isento da sua quota-parte de "responsabilidade". Ficar no jogo das culpas é inútil. Se no caso das empresas é preciso que se cumpram as medidas designadas para a prevenção dos riscos psicossociais em contexto laboral e colaborar com os peritos no sentido de melhorar as diretivas para as adequar à atualidade e ao futuro, aos trabalhadores exige-se consciencialização e boa ação. Que sejam mais fazedores do que é melhor para todos, atentos, exigentes, responsáveis e participativos. E que sejam cuidadores de um sistema social mais alargado que possa proporcionar uma vida plena e boa. E, nisso, estou cá eu para ajudar uns e outros.
Alerta, sinal de perigo!
Se é um apressado crónico sem descanso, viciado em se equilibrar na ponta da navalha, corredor de sprints que fazem tropeçar, ou alguém com o superpoder da perfeição, sempre a criticar, então coloque-se numa realidade mais… real. Passo a explicar como pode lá chegar.
Uma vez que não se começa a construir uma casa pelo telhado, o mais importante é reconhecer onde está e onde quer chegar. Sem metas, destinos e tempos, está apenas no reino da ilusão. Por isso, pergunto: tem consciência do seu estado? Consegue identificar os sinais de perigo? Há muitas apps que o mantêm a par dos seus índices de saúde: como bate o coração, o peso, o nível de gorduras e açúcares, a qualidade do sono, e também as há para os chamados níveis de stresse, servindo de campainhas de alerta para quando se abandonou um estado dito de tranquilidade ativa e sensata. O que acontece com estas ferramentas é que, por vezes, causam mais ansiedade do que conforto, porque os dados nem sempre são bem interpretados e as pessoas ficam demasiado alerta e ainda mais stressadas.
Pode também acontecer que nem sempre estejamos capazes de estar esclarecidos quanto aos nossos níveis de bem-estar. Afinal, o equilíbrio não se mede através de algo palpável. Mede-se pelo discernimento, que é uma qualidade do autoconhecimento. Como se fôssemos uma árvore em que temos de considerar as raízes que a sustentam, o solo no qual está implantada, o tronco e a sua dureza ou flexibilidade, os ramos com diversos rumos e as folhagens mais ou menos imbricadas umas nas outras e nas árvores vizinhas. Tudo isso é fundamental para o tal discernimento. Já lá vamos.
Como estão os níveis de saúde e bem-estar no trabalho?
O desejo de boa saúde e bom trabalho é universal. Mas só uma parte se consegue concretizar. Para isso, é fundamental que se tenha literacia em saúde, para que se possa agir em conformidade com a promoção do bem-estar laboral. Como vai de conhecimento, de motivação, para ser parceiro desse processo construtivo? Tem competências e ferramentas para zelar por si e pelo coletivo de trabalho? Ajudam-se mutuamente? Quando há problemas, a empresa reage para o bem de todos? Tem confiança em si e na comunidade laboral? Para ficarmos mais perto da "boa saúde em bom trabalho", todos temos de fazer a nossa parte, estejamos no mais alto ou no mais baixo nível na hierarquia. Costuma dizer-se que a melhor métrica é auscultarmos o nosso sentir. Na verdade, isso é pouco fiável, uns parecem de aço e acham-se sempre bem, e outros, ao contrário, são frágeis como porcelana.
Antes de olhar para a figura que apresento a seguir, vou pedir-lhe que faça um pequeno exercício de reflexão e que seja espontâneo (e honesto) na resposta às perguntas que se seguem:
Tem forte preocupação com o trabalho?
Sente não ser suficiente?
Está atolado em tarefas por completar?
Já não tem margem para uma pausa?
Come à pressa e sem qualquer prazer?
Amontoa problemas?
Tem raiva de desafios?
Já não acredita em promessas?
Depois de um dia intenso, vai para casa rematar tarefas?
Acorda já cansado e com o corpo a queixar-se?
Está mais impaciente?
Remói os assuntos do trabalho?
Coleciona deceções no trabalho?
Se respondeu "sim" à maioria das perguntas, já se sente torpedeado pela vida de trabalho e a sua sensação é de que se trata de uma sucessão de propostas desfavoráveis e desejos não realizados. Por esta altura, a irritação já chegou? Não vê a luz ao fundo do túnel e a sua mente vagueia sem rumo?
Excerto do livro Burnout - Guia completo de prevenção e tratamento, de Maria Antónia Frasquilho