Quando era pequenina, um dia, visitei um familiar com a minha mãe. Os adultos falaram a tarde inteira, enquanto eu e a minha irmã (mais nova) estávamos aborrecidas num canto. Era esperado que não fizéssemos barulho, nem interrompêssemos.
A dada altura, vi que o móvel ao meu lado tinha uma camada de pó maravilhosa, mesmo daquelas boas para escrever e desenhar. Escrevi o meu nome e fiz um ou dois desenhos para me entreter, assim como à minha irmã que observava.
Horas mais tarde, depois de já estarmos em casa, esse familiar ligou para a minha mãe muito ofendido. Segundo ele, aquela havia sido uma tentativa minha de - passo a citar - "chamar porca" à sua esposa (anos 90, no seu melhor).
Apesar de os tempos agora serem outros, este continua a ser um dos maiores problemas dos adultos: analisarem as ações das crianças à luz do respetivo mundo interno, cheio de significados e intenções subentendidas, não entendendo a simplicidade com que o cérebro da criança atua.
As crianças não tentam manipular, dar a entender, passar mensagens subliminares, tirarem proveito do adulto. Isso somos nós, adultos, que projetamos nela o nosso modo de funcionamento. Na verdade as crianças só querem sentir-se amadas, acolhidas, vistas, poderem experimentar, aprender causa-efeito e divertirem-se. Tudo resto é fruto da nossa necessidade de apontar o que vai cá dentro.
Da próxima vez que estiver a analisar o comportamento da criança questione-se: estou a vê-la ou a olhar para aquilo que me fizeram acreditar que deve ser visto?
Psicóloga Tânia Correia: "Este continua a ser um dos maiores problemas dos adultos"
Num artigo de opinião, a psicóloga Tânia Correia reflete sobre aquele que continua a ser um dos maiores problemas dos adultos em relação às crianças.
- 26 abr 2023, 17:40
Tânia Correia
Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência / OPP: 24317