Entrevistas

Isa Soares, a jornalista portuguesa que brilha na CNN Internacional: "Tenho tido mais sucesso desde que sou mãe"

A propósito do lançamento da CNN Portugal, a SELFIE conversou, em exclusivo, com Isa Soares, a jornalista portuguesa que se tornou pivô e correspondente da CNN Londres, tendo já recebido inúmeros prémios pelos trabalhos que tem desenvolvido, entre eles um Emmy com a reportagem "Maduro's Blood Gold".

Jornalista da CNN Londres, Isa Soares é pivô do "CNN Newsroom", único programa transmitido simultaneamente na CNN e na CNN Internacional. Como correspondente, Isa Soares fez a cobertura da crise humanitária na Venezuela e na fronteira com a Colômbia. Ganhou um Emmy com a reportagem "Maduro's Blood Gold", investigação sobre as ligações do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, a gangues criminosos que controlam a exploração de ouro na Venezuela. Em 2020, viajou para Caracas, sob disfarce, para revelar as condições desumanas nos hospitais públicos da Venezuela durante a pandemia Covid-19, reportagem que lhe valeu a nomeação a um Emmy.

Em conversa com a SELFIE, a jornalista portuguesa, licenciada em Estudos Hispânicos e Lusófonos pelo King's College London e mestrada em Relações Internacionais e Economia pela University of Bristol, desvendou como concilia a carreira com a vida pessoal, e falou sobre os projetos que se seguem.

Sempre sonhou ser jornalista?

Não, apesar de em minha casa sempre haver interesse pela área da Informação, não me formei em Jornalismo. Não tenho vergonha em dizer isso, porque acabei por me formar on the job. Sempre me interessei mais pela área das relações internacionais e tinha aquele sonho de ser diplomata e de poder mudar o mundo. Acabei a fazer isso de outra forma [risos].

 

"Quando entramos na CNN, o importante é mostrarmos por que merecemos estar na empresa"

 

Como surgiu o jornalismo na sua vida?

Quando estava a terminar o mestrado em Relações Internacionais e Economia, na Universidade de Bristol, em Inglaterra, soube que o departamento de Relações Públicas da CNN precisava de um estagiário. Candidatei-me, fui chamada e acabei por ficar com o lugar. No final do estágio, a equipa de Desporto perguntou se estaria interessada em fazer outro estágio porque precisavam de alguém que falasse português por causa do Euro 2004, que se realizou em Portugal. Aceitei e nunca mais saí da CNN! Passei por várias funções e foi lá que aprendi on job, ao mesmo tempo que estava a terminar a minha tese. Depois, recebi uma chamada dos recursos humanos da CNN para ir a uma entrevista e até estranhei, porque não me tinha candidatado a nada, mas foi um pouco aquele ditado "estar no sítio certo à hora certa". Fui contratada e, a partir daí, trabalhei muito como produtora e a grande oportunidade surgiu no período da crise económica em Portugal, a Troika, quando Barack Obama veio a Portugal, e fiz a produção para várias equipas da CNN dos Estados Unidos. Depois, recebi uma chamada para ir ao programa do Richard Quest falar sobre a crise económica em Portugal, mas pensei que pretendiam que eu arranjasse um economista ou um analista, mas, afinal, ele queria era que fosse eu a falar. Pensei que era um teste e fiz o direto que correu bem e acabei a fazer mais reportagens, até que me propuseram fazer mais trabalho como correspondente e repórter. Quando entramos na CNN, o importante é mostrarmos por que merecemos estar na empresa.

Ao longo da carreira quais foram as histórias que mais a marcaram?

É ingrato destacar alguns, mas os trabalhos que desenvolvi na Venezuela, sobre a crise social e económica, foi dos que mais me marcaram e até ganhámos um Emmy. Adoro o trabalho como pivô, mas o que mais gosto de fazer é jornalismo de investigação, andar no terreno. Gosto de estar o meio das pessoas, falar com elas. Enquanto pivô, também, gosto de escrever os meus próprios textos - como faço com as reportagens - e, aí, o facto de ter sido produtora, faz com que tenha uma visão diferente e saiba muito bem o que quero, o que funciona em cada situação e contexto, adapto a linguagem e, às vezes, até mudo o alinhamento. Quero que o texto esteja a par da maneira como eu falo, adaptado para televisão.

 

 "O facto de ser portuguesa ajudou-me em várias situações"

 

Trabalhar nesse contexto, como a Venezuela, traz dificuldades acrescidas. Quais as principais dificuldades que sentiu?

Curiosamente, o facto de ser portuguesa ajudou-me em várias situações. Na Venezuela, por exemplo, ao dizer que era portuguesa, as pessoas começavam logo a falar comigo. Depois, o facto de o meu marido ser colombiano e eu falar muito bem espanhol também ajudou imenso. A isso acresce o facto de ser mãe, que ajuda imenso a quebrar o gelo em determinadas situações. Ser mulher ajuda-me imenso, principalmente a estabelecer relações com outras mulheres e com crianças, conversas que acabam a surgir de forma natural, porque me interesso pelo que as pessoas têm a dizer e pelas suas vidas. Antes de começarmos a filmar, gosto de falar um pouco com as pessoas e, nessa fase, estes fatores que referi fazem a diferença. Em algumas situações, não digo logo que sou da CNN, pois, aí, as pessoas fecham-se. Não senti, ainda, nos países em que trabalhei na América Latina, aquele olhar que nos dirigem quando somos mulheres, como acontece em certas regiões do Oriente em que isso pode ser um problema.

 
 
 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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O facto de ser mãe não aumenta o receio de se colocar em determinadas situações de perigo?

Claro que ser mãe faz com que tenha mais receios em determinadas situações, como quando tive de descer a uma mina, a 50 metros de profundidade, numa 'caixa' de madeira em péssimas condições [na Venezuela, para a reportagem "Maduro's Blood Gold"]. Antes de ser mãe, diria logo: "Vamos, força!". Agora, pensei: "Ai, meu Deus, se eu morro, o que será dos meus filhos?". Mas, ao mesmo tempo, ser mãe faz com que tenha ainda mais vontade de pesquisar determinadas histórias, de contribuir para um mundo melhor. Mas nunca irei arriscar a minha vida por uma história que não ache importante, porque não há nada mais importante do que a minha família.

 

"Nunca irei arriscar a minha vida por uma história que não ache importante, porque não há nada mais importante do que a minha família"

 

Acha que é melhor jornalista desde que foi mãe?

Não diria melhor, mas mais eficiente. Valorizo muito mais o tempo e faço uma melhor gestão do meu tempo e exijo o mesmo dos que trabalham comigo.Tenho de fazer o máximo possível dentro do horário de trabalho para, depois, poder ir para casa ver os meus filhos. Tenho tido mais sucesso desde que sou mãe. Além disso, acho que ganhei mais confiança e autoestima depois de ser mãe e isso repercute-se no meu trabalho.

Tem dois filhos: pensa em aumentar a família?

Adorava ter mais um, mas só se tivesse a certeza de que era uma menina [risos]. Honestamente, o Tomás tem seis anos e o Nicolas tem três e penso que é suficiente, pois estou muito feliz por ter conseguido ter duas crianças - há muitas mulheres que tentam e não conseguem - e vou dedicar-me a proporcionar aos meus filhos a melhor qualidade de vida.

 

"Acho que ganhei mais confiança e autoestima depois de ser mãe"

 

Vai continuar a viver em Londres?

Para já, sim, mas gostamos imenso de viajar e, enquanto família, acreditamos que conhecer outras culturas é do mais rico que podemos oferecer aos nossos filhos. Além disso, enquanto jornalista gosto de fazer as reportagens no local, pelo que vou continuar a viajar imenso. Enquanto família, gostávamos de nos mudar para um país como o Japão ou para a região da Ásia... Mais tarde gostaria de voltar para Portugal, mas não é um plano a curto-médio prazo.

O seu marido apoia-a nesta vontade de conhecer o mundo?

Sim! O meu marido é o meu maior apoio e, também adora viajar. Ele trabalha na área financeira e até tem maior flexibilidade para viajar. Antes de termos filhos, fazíamos imensas viagens e tentamos manter o hábito de fazer uma viagem a dois por ano - com a Covid-19 não tem sido possível. O meu marido considera, igualmente, que é excelente para os nossos filhos serem crianças globais, que falam várias línguas - português, espanhol e inglês - e conhecem diferentes realidades.

 

Podemos assistir a trabalhos seus na CNN Portugal?

Fiz uma reportagem para a CNN Internacional que foi transmitida na CNN Portugal e espero poder fazer mais colaborações como esta. É esse tipo de trabalho que mais gosto de fazer, poder conhecer as diferentes realidades e informar as pessoas. A reportagem que fiz sobre o partido Chega foi com uma perspetiva internacional, para ajudar a perceber o porquê do crescimento dos partidos de direita na Europa, assim como entender o impacto deste partido populista nos resultados das eleições em Portugal. Espero poder repetir mais vezes este tipo de colaboração, à semelhança do que já acontece com outras estações da CNN. Estamos em Londres - somos poucos, mas somos fortes - e estamos sempre disponíveis, caso seja necessário.

 

"Gostava de ver uma aposta no jornalismo de proximidade, com mais jornalismo de investigação, com a CNN Portugal a falar para o mundo"

 

Que expetativas tem para a CNN Portugal?

Espero um jornalismo de alta qualidade, balanceado e transparente, e que a CNN Portugal cumpra os princípios da CNN. Seguimos um protocolo de triagem com três níveis, desde a avaliação editorial, com fact checking, e aval do departamento jurídico, antes de qualquer reportagem ser emitida. Do ponto de vista mais pessoal, gostava de ver uma aposta no jornalismo de proximidade, com mais jornalismo de investigação, com a CNN Portugal a falar para o mundo e a mostrar o jornalismo de alta qualidade que se faz por cá, que possa ser transmitido na CNN Internacional.

 

"O jornalista não tem de pedir desculpa por perguntar algo que é a sua função perguntar"

 

Como vê o futuro do Jornalismo?

Logo desde a eleição de Trump que começámos com a maior aposta no fact checking e as pessoas estão mais atentas à verdade. As pessoas percebem como a televisão funciona e se estamos em "personagem". No meu programa, tento ser o mais próxima possível do público e não sigo um guião rígido, tento ir adaptando à medida que o programa se desenvolve. Acredito que é isso que as pessoas querem: um jornalismo de proximidade, quase como se estivessem a falar com um amigo no café que lhes está a contar uma história. O jornalista tem a função não só de informar, mas, também, de assumir o erro e de questionar quando o interlocutor está errado ou está a dizer algo que é mentira. O jornalista não tem de pedir desculpa por perguntar algo que é a sua função perguntar.

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