Depois de um terceiro episódio centrado nas marcas deixadas pela infância, no quarto episódio da rubrica Bem Me Quer by Barral falamos sobre a desconexão entre o casal, que surge tantas vezes com a chegada de um filho. Como é habitual, a coordenadora editorial da SELFIE, Cátia Soares, conta com a presença da psicóloga Tânia Correia, que responde a muitas das questões que nos foram colocadas pelos seguidores nas redes sociais.
"Venderam-nos a ideia de que o sucesso das relações quase que dita o nosso valor enquanto pessoas." (Tânia Correia)
A chegada de um filho pode ser um dos momentos mais transformadores na vida de um casal. No entanto, esta experiência, que deveria ser de pura alegria, pode trazer consigo desafios significativos para a relação.
Como a psicóloga Tânia Correia começa por explicar, a desconexão entre o casal não é necessariamente um sinal de alarme grave, mas sim um sinal de que algo precisa de ser avaliado: "Venderam-nos esta ideia de que temos que ser todos muito felizes e de estar sempre bem, e de que o sucesso das relações quase que dita o nosso valor enquanto pessoas. Então, nós sentimos essa pressão para mostrar que: 'Sim, na minha relação está tudo bem!'. Quando não é verdade. Aliás, 93% das pessoas já sentiram que a sua relação esteve perto da rutura."
"Dizer que a chegada de um filho pode salvar uma relação está longe de ser verdade." (Tânia Correia)
Durante muitos anos perpetuou-se a ideia de que a chegada de um filho pode salvar uma relação, algo que a psicóloga desmistifica categoricamente: "Sabemos que isso está longe de ser verdade. Pelo contrário. Nós até perguntámos às pessoas o que é que sentiram pela outra pessoa quando se tornaram pais. Algumas disseram: 'Orgulho'; 'Felicidade'; 'Tranquilidade'; 'Corresponder às expetativas'... Mas outras disseram-nos: 'Raiva'; 'Frustração'; 'Desilusão'; 'Solidão'; 'Desamparo.'"
"93% das pessoas disseram-nos que preferiam que, efetivamente, os pais se estivessem separado." (Tânia Correia)
Mas e o que pensam os filhos sobre as relações menos saudáveis dos pais? Lançámos a questão nas redes sociais e as respostas foram claras, como refere Tânia Correia: "93% das pessoas disseram-nos que preferiam que, efetivamente, os pais se estivessem separado na sua infância. Portanto, é um número muito grande e que nos prova que esta crença de que a não separação é o mais positivo para os filhos muitas vezes não é."
"Isto impacta muito mais a criança do que uma possível separação." (Tânia Correia)
E a verdade é que crescer perante relações pouco saudáveis deixa marcas para sempre.
"Se eu cresci a ver os meus pais permanecerem juntos mesmo com todo o sofrimento que isso trazia, isso dá-me um modelo de que, em primeiro lugar, as relações pouco saudáveis são normais. Portanto, quando eu entro numa relação pouco saudável, isso para mim não é um sinal de alarme para sair dela, porque sempre foi assim. Em segundo lugar, aprendo que é suposto nós aguentarmos em prol dos filhos. Portanto, os meus pais aguentaram e eu trago em mim esta crença de que devo aguentar também, porque isto é o melhor para os miúdos. Isto impacta muito mais a criança do que uma possível separação", frisa a psicóloga.
"As mulheres continuam a assumir a responsabilidade de carregar o mundo às costas e continuam a acreditar que o seu papel é unir a família." (Tânia Correia)
No caso das mulheres, este tema parece ter ainda mais contornos mais delicados: "Infelizmente, as mulheres continuam a assumir a responsabilidade de carregar o mundo às costas e continuam a acreditar que o seu papel é unir a família. Então, muitas mulheres, mesmo quando arrastadas a um ponto de insatisfação grande, acreditam que ainda há algo que depende delas, que elas podem fazer, para a relação melhorar. É como se sentissem: 'Isto só chegou aqui porque eu não estou a fazer bem o meu papel. Se calhar, se eu fizesse mais isto, ou se eu fosse mais aquilo... Se calhar, se eu sexualmente estivesse mais disponível, talvez conseguisse que esta relação corresse de outra forma.' E as mulheres vão, então, arrastando a relação."
"Falta-lhes um modelo do que é efetivamente uma relação, na qual viram os pais tirarem muito prazer de estarem com a companheira, de estarem em família." (Tânia Correia)
O que não quer dizer que os homens também não prolonguem as relações, como explica Tânia Correia: "Muitas vezes, o modelo que tiveram dos próprios pais é um modelo em que só estar por ali já é ter satisfação na relação, porque; 'As relações são isto. É andarmos por aqui, fazermos umas refeições, volta e meia sairmos...' Falta-lhes um modelo do que é efetivamente uma relação, na qual viram os pais tirarem muito prazer de estarem com a companheira, de estarem em família."
"'Os meus pais ficaram por minha causa. Agora, tenho que retribuir.' Os filhos vão sentir que têm uma dívida vitalícia. Noutros casos, infelizmente, essa cobrança vem dos próprios pais." (Tânia Correia)
É perante este cenário que os filhos acabam por se culpabilizar pela infelicidade dos pais e assumem uma dívida de gratidão: "Cria-se esta culpa, porque: 'Os meus pais ficaram por minha causa. Agora, tenho que retribuir.' Então, os filhos vão sentir que têm uma dívida, e é uma dívida que nunca acaba, é uma dívida vitalícia: 'Para todo o sempre, tenho que arranjar forma de conseguir compensar os meus pais por aquilo que eles fizeram por mim.' Noutros casos, infelizmente, essa cobrança vem dos próprios pais, que, mais à frente, quando os filhos quiserem começar o seu caminho, vão ter necessidade de os puxar: "Tu tens que ficar aqui, eu também fiquei por tua causa, eu nunca fui a lado nenhum. Como é que tu agora ousas ir a algum lado? Precisamos de ficar aqui os dois.'"
Há, também, situações em que os pais se mantêm nas relações por medo e não por escolha.
"É importante que quem fica numa relação tenha consciência de que, mesmo que o faça para proteger os filhos, ainda assim, o faz por opção própria", alerta.
"Começam a ficar mais frustradas, a comparar a sua relação com as dos outros... Isto, sim, é altamente prejudicial."
Neste contexto, a psicóloga lembra autores que nos falam das "crises dos 7 anos", que é quando fazemos "uma paragem para avaliar as mudanças", e dos picos constantes nas relações ao longo dos anos.
"Sinto que se vende muito esta mensagem de temos que ser todos muito felizes e de estar sempre lá em cima. E, como não há paixão ardente e permanente e com desejo sempre lá no topo, as pessoas começam a sentir que há algo de errado com com a sua relação e começam a ficar mais frustradas, a comparar a sua relação com as dos outros... Isto, sim, é altamente prejudicial", reforça Tânia Correia.
Por fim, a psicóloga deixa alguns conselhos fundamentais para nutrir as relações e evitar a desconexão: "Partilhar a carga mental é fundamental para que exista conexão. Um dos fatores principais de desconexão é eu sentir que inicio uma viagem e que aquele alguém que começa a viagem comigo puxa o travão de mão durante o percurso. É curioso que cada vez mais casais começam a fazer aconselhamentos psicológicos parentais durante a gravidez. Se nós, desde o início, pudermos fazer este trabalho de garantir que vamos juntos, de irmos avaliando, é muito mais simples, sendo que o 'ir juntos' não é estarmos todos os dias em sintonia e darmos sempre 50/50! Isso não vai acontecer! E haver comunicação, eu poder dizer que hoje, só consigo dar 5% e a outra pessoa dizer que dá os 95%."
Bem Me Quer by Barral é uma rubrica sobre maternidade, parentalidade e saúde mental de pais e filhos. Neste projeto, a SELFIE conta com a psicóloga Tânia Correia e com o apoio da Barral, um parceiro que se preocupa, acima de tudo, com o bem-estar das famílias.