Desta vez, recebemos a psicóloga Tânia Correia para falar sobre as marcas deixadas pela infância e o papel crucial dos pais. Por mais resistência que haja em relação a este tema, está amplamente estudado que a infância é uma fase determinante na nossa construção, sendo que as experiências vividas nessa fase servem como lentes através das quais vamos olhar para nós, para os outros e para o meio à nossa volta.
Também nesses primeiros anos de vida, o amor dos pais desempenha um papel fundamental na nossa construção. Quando uma criança sente que é amada incondicionalmente, ela desenvolve uma sensação de segurança e autoestima. O mesmo não acontece quando a criança percebe que o amor dos pais "tem condições" e começa, a partir daí, a desenvolver comportamentos de busca constante por aprovação.
Há casos em que a criança percebe que se tiver, por exemplo, um bom desempenho escolar, é mais notada pelos pais, pelo que vai procurar, cada vez mais, ter uma boa performance. Há também crianças que percebem que cuidarem dos outros é a forma de obterem a atenção e o amor dos pais, que são mais valorizadas quando ocupam o lugar do "cuidador". Outras sentem-se de tal forma rejeitadas na infância que isso terá repercussões na vida adulta. Paralelamente, temos também crianças que percebem que quando não dão trabalho ou quando passam despercebidas são mais elogiadas, o que lhes dará um padrão para as relações que vão ter no futuro.
E, neste contexto, é importante lembrar que a contenção das emoções é outra marca deixada pela infância. Se uma criança aprende que expressar emoções é negativo, ela pode crescer sem saber como processar e expressar aquilo que sente
Ainda sobre a vinculação entre pais e filhos, que se inicia nos primeiros anos de vida, está amplamente estudado que esses padrões vão acompanhar-nos para sempre e que a tendência é para que aquilo que nos faltou se perpetue na relação.
Muitas das pessoas que seguem a rubrica nas redes sociais confessaram que sentem que os pais não as conhecem e admitiram nunca terem tido a sensação de "gostam de mim como eu sou." A verdade é que quando aquilo que os pais fazem é criticar e reprimir as características da criança, ela vai ganhar vergonha em relação a essas características, porque vai passar a achar que há algo de errado com ela e vai esconder, como acontece muito com crianças curiosas, que são apelidadas de "chatas" e "bisbilhoteiras", ou crianças sensíveis, tantas vezes apelidadas de "mariquinhas".
Acontece que os filhos amam tanto os pais que a tendência é culparem-se quando a relação não resulta.
"Lamentavelmente, continuamos a vender às pessoas a ideia de que: 'Mãe é mãe'; 'Família é o melhor que nós temos na vida, é a única coisa que que fica connosco para sempre'; 'Temos que cuidar de quem cuidou de nós'... E isso está longe de ser de ser verdade. Há alguns casos em que, efetivamente, o afastamento dos pais é a única saída. E gostava mesmo de reforçar esta mensagem, porque continua a ser pouco passada. Há mães e pais que, por exemplo, são narcisistas, que tentam manipular, que usam muito os filhos para atingir determinados fins. Isto é tóxico", sublinha a psicóloga Tânia Correia.
Nestes casos, é importante que os filhos reflitam, percebam se as suas expetativas estão ajustadas e decidam qual é o melhor caminho a seguir, como refere a psicóloga: "É muito difícil fazer lutos de pais em vida. Mesmo que a relação continue, eu vou precisar de me despedir daquilo que eu gostava que ela fosse, para finalmente poder aceitar a pessoa que tenho à frente. 'Eu sei que é com isto que posso contar, sei que é isto que esta relação tem para me dar e eu aceito que é assim. Ou, noutros casos, o luto é efetivamente: 'Isto não é saudável para mim e eu não posso continuar aqui.'"
Nesta segunda temporada, a SELFIE também já abordou o tema do desfralde, com a psicóloga brasileira Márcia Tosin, e o papel do pai, com o apresentador João Montez.
Bem Me Quer by Barral é uma rubrica sobre maternidade, parentalidade e saúde mental de pais e filhos. Neste projeto, a SELFIE conta com a psicóloga Tânia Correia e com o apoio da Barral, um parceiro que se preocupa, acima de tudo, com o bem-estar das famílias.
Tânia Correia | Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência | OPP: 24317