Divórcio: as experiências traumáticas, as sequelas para a vida e os principais desafios

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No sexto e último episódio da segunda temporada da rubrica Bem Me Quer by Barral, Cátia Soares recebe a psicóloga Tânia Correia para falar sobre divórcio.

No sexto episódio da segunda temporada da rubrica Bem Me Quer by Barral falamos sobre o impacto do divórcio nas crianças, bem como sobre a chegada dos padrastos. Como é habitual, a coordenadora editorial da SELFIE, Cátia Soares, conta com a presença da psicóloga Tânia Correia, que responde a muitas das questões que nos foram colocadas pelos seguidores nas redes sociais.

Um dos assuntos abordados tem a ver com as experiências traumáticas que muitas crianças vivem durante um processo de divórcio e as sequelas para a vida por, muitas vezes, terem de escolher entre o pai e a mãe.

A verdade é que uma separação pode tornar-se muito dura e complexa, seja para os pais, seja para os filhos.

"O divórcio, em si, costuma não ser o problema. O problema é o 'durante', como é gerida a comunicação com a criança, e o 'após'... É muito confuso quando não há uma comunicação com a criança a dada altura e não se explica o que é que se está a passar", frisou.

Tânia Correia referiu então um dos principais problemas que surgem na sequência de um divórcio: "Um aspeto que eu diria que até é o mais frequente na prática clínica é o facto de, depois do divórcio, um dos progenitores desaparecer. Quando o pai ou a mãe também se 'divorcia' de mim, criança, é mais difícil eu não achar que também estou envolvido. Se eu não sou culpado de nada, se eu não estou envolvido na situação, por que é que este adulto também me deixou?"

Outro aspeto que dificulta um processo de pós-divórcio é olhar para a criança e começar a projetar o outro progenitor: "'Está a fazer aquilo como a mãe fazia'; 'Já está com aquele comportamento igual ao do pai.' Começo a canalizar a minha zanga, que às vezes também ainda não está trabalhada, para a criança e começo a tratá-la quase como tenho vontade de tratar o outro."

Noutros casos, temos também aquilo a que se chama na literatura usar a criança como detetive: "Isto é muito duro, coloca a criança numa situação quase de traição: 'Para conseguir vínculo com uma parte, tenho de fazer coisas às escondidas e, de certa forma, trair a outra.' Isto é muito difícil para os miúdos processarem. Já numa situação de divórcio em geral há esta sensação, parece sempre que estou a trair alguém... Se os adultos alimentarem esta ideia de 'tu tens de escolher! Estás do lado de quem? Tens de dizer se me vais ajudar a mim neste processo, prejudicando o outro, ou não' é pesadíssimo e tem sequelas. É importante deixar mesmo claro: isto depois tem sequelas ao longo do crescimento."

Até em situações aparentemente banais como quando a criança está numa festa da escola, sai do palco e tem de escolher se vai ter com a mãe ou com o pai.

"Em que direção é que vou? Se me cobrarem, ainda mais difícil é, porque sei que a minha decisão vai ter consequências. Eu vou escolher um e a outra parte depois vai cobrar-me isso, às vezes até com algum tipo de represálias associadas. 'Não escolheste o teu pai hoje? Então, o teu pai que te compre isto'; 'Não escolheste a tua mãe? Então, ela que vá à reunião da escola.' Isto é mesmo uma experiência traumática", sublinhou a psicóloga Tânia Correia.

Mesmo o ato de falar mal do ex-marido ou da ex-mulher aos filhos continua a ser muito comum, como lamentou Tânia Correia: "Para a criança, nunca é visto como um desabafo. Nós estamos a falar de alguém de quem ela gosta muito. Depois, ainda há este extra que é: 'O que é que eu faço com esta informação? Agora, tenho de contar à outra pessoa que me disseram isto sobre ela?"

A criança já está a passar por um processo de luto, de despedida da realidade que conhecia anteriormente, e, muitas vezes, ainda tem de lidar também com a separação dos irmãos: "Não só a realidade mudou, como agora ainda perdi aquele ou aquele, o meu irmão ou a minha irmã, que seriam a base, alguém que está a passar pelo mesmo. Nós agora podíamos estar juntos a partilhar a experiência e eu perco também acesso. E mesmo esta visão: 'Por que é que não fui eu o escolhido, se eu até queria ficar com a mãe também, não queria ficar com o pai?' Ou o oposto."

Depois, também há os casos em que surge um padrasto ou uma madrasta, sem que a criança tenha sido devidamente preparada: "É uma peça que de repente quase que cai ali de paraquedas... Para a criança é quase como: 'Adapta-te. A escolha está feita. Agora, tens de lidar.'"

A introdução desta figura tem aqui contornos que, à partida, são complexos, como explicou a psicóloga: "Até porque o papel de padrasto ou de madrasta não está tão bem estabelecido como o de pai ou de mãe. O padrasto é alguém que pode falar sobre isto ou que não pode? A madrasta é alguém que pode interferir aqui ou não pode? A zona saudável é aquela zona em que eu vejo a criança, em que olho para ela, percebo que ela não está ali porque quer, não me escolheu, em que percebo que, se calhar, ela ainda está também no processo de luto dela, que entendo que, infelizmente, se calhar, há outra parte a pressioná-la para não me aceitar... E, portanto, não posso olhar para os comportamentos dela como algo pessoal contra mim, porque, à partida, se eu for alguém que tem amor para dar, as crianças querem, querem muito, estão recetivas. E há casos em que a parte mais complexa para a criança é até sentir mais afinidade com esta madrasta ou com este padrasto do que sente com os próprios pais. E aqui o que eu noto é que há muitos padrastos e madrastas que entram na relação já tão focados na educação que a relação fica ali... Eu preciso de entender que vou ter de dar provas de que ela pode confiar em mim, de que estou disponível, de criar uma relação emocional com ela..."

E, posteriormente, podem surgir ainda outras questões quando, por exemplo, a minha mãe tem um filho com o meu padrasto: "Começarmos a investir numa nova relação não significa que tenhamos de desinvestir de outra. Sobretudo da parte do padrasto ou da madrasta que, como tem o seu filho agora, parece que este então já não é. E a criança depois não entende: 'O que é que aconteceu aqui? Por que é que nós éramos tão próximos e, de repente, parece que já não gostas de mim?'"

Também aqui o papel da mãe ou do pai é fundamental para que a criança possa desenvolver uma relação saudável com o padrasto ou com a madrasta.

"Se eu, do outro lado, tiver um pai ou uma mãe que dizem: 'Nós amamos-te. Esta vai ser mais uma pessoa para te amar, para te acarinhar, para te proteger, para torcer por ti nos momentos importantes da tua vida...' Isto para a criança traz aqui uma liberdade... Porque os meus pais estão seguros do amor que eu tenho por eles", destacou.

"O fio que me liga àquela pessoa que entrou na vida do meu filho não tem de ser o mesmo fio que liga o meu filho a essa pessoa. Eu posso não me identificar, posso não gostar ou posso não querer ter aquela pessoa próxima de mim por algum motivo, mas se esta pessoa tem uma boa relação com esta criança, se é promotora de segurança, de proteção, de cuidado e de carinho, eu separo as coisas", acrescentou.

 

Bem Me Quer by Barral é uma rubrica sobre maternidade, parentalidade e saúde mental de pais e filhos. Neste projeto, a SELFIE conta com a psicóloga Tânia Correia e com o apoio da Barral, um parceiro que se preocupa, acima de tudo, com o bem-estar das famílias.

Tânia Correia | Psicóloga, mestre em Psicoterapia Cognitiva-Comportamental na área da infância e adolescência | OPP: 24317

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